Capítulo 4 – Metodologia de investigação
4.3. Técnicas e instrumentos de recolha de dados
4.3.1. Relativos às representações sobre a leitura e motivação para a leitura
4.3.1.1. O inquérito por questionário
Embora o inquérito por questionário seja usualmente utlizado em abordagens de natureza quantitativa, face aos objetivos traçados pelos investigadores (Hill & Hill, 2009; Tuckman, 2000), é também reconhecido que possa ser vantajoso na fase inicial de alguns estudos de caso, dependendo dos objetivos que se querem concretizar e do contexto em que decorre a investigação (Martins, 2014; Morgado, 2013).
No que concerne ao nosso estudo, tivemos em consideração o facto deste instrumento nos permitir caracterizar, de forma aprofundada, os 53 estudantes que nele
participaram, num espaço de tempo aceitável, de modo a conhecê‐los melhor, cruzando os seus percursos pessoais e académicos com o seu perfil de leitor.
No desenho do nosso questionário (cf. Anexo 5), tivemos em consideração um conjunto de aspetos:
‐ O referencial teórico utilizado no âmbito do nosso estudo, nomeadamente no que respeitava à leitura e aos estudantes futuros profissionais da educação (cf. Capítulo 2) e ao ensino explícito da compreensão na leitura (cf. Capítulo 3);
‐ Outros questionários já aplicados a estudantes do Ensino Superior, cujos objetivos se prendiam com a leitura nas suas múltiplas dimensões: literária (Baleiro, 2011; Leite, 1980), com fins académicos (Cabral, 2003) e integrada no quadro global de outras práticas culturais (Balsa et al., 2001); estes estudos foram importantes para a construção da Parte III do questionário, especificamente consagrada à leitura;
‐ O questionário de Saraiva (2012), que seguimos, com várias adaptações, para a construção das Partes I e II do nosso questionário, relativas, respetivamente, aos dados pessoais e ao percurso académico dos estudantes.
Para o validar, submetemo‐lo à apreciação de especialistas, sendo eles a orientadora da tese de doutoramento, no seu papel de perita em Didática e um outro didata ligado a uma instituição de Ensino Superior Politécnico portuguesa. Ambos consideraram as questões adequadas aos objetivos do estudo e às questões de investigação que o norteavam.
Realizámos ainda um pré‐teste deste instrumento, em condições semelhantes às da sua aplicação definitiva, tal como frisado na literatura de especialidade (Almeida & Freire, 2000; Pardal & Lopes, 2011), junto de um pequeno número de estudantes (cinco) do 3.º ano da Licenciatura em Educação Básica (que, por motivos de vária ordem, não poderiam inscrever‐se na modalidade de avaliação em regime normal da unidade curricular de Iniciação à Leitura e à Escrita, logo nunca poderiam vir a participar no nosso estudo).
Os objetivos do pré‐teste do questionário, definidos de acordo com os parâmetros considerados relevantes na literatura de especialidade (cf., por exemplo, Hill & Hill, 2009; Tuckman, 2000) foram os seguintes:
‐ Detetar a existência de eventuais dúvidas no que respeitava ao modo como as questões estavam formuladas, de forma a aferir a sua clareza;
‐ Compreender se as opções de resposta tinham a abrangência suficiente para poder contemplar as vivências dos estudantes;
‐ Verificar se o tempo de preenchimento do questionário se adequava ao planificado para tal atividade (30 a 40 minutos), já que esta seria realizada em contexto de sala de aula;
‐ Averiguar se os espaços consagrados às questões abertas seriam suficientes para as respostas facultadas pelos estudantes;
‐ Apurar se a extensão do questionário seria adequada, não tornando o seu preenchimento fastidioso.
Os comentários dos participantes, expressos oralmente após a realização do pré‐ teste, permitiram‐nos refinar duas questões inseridas na Parte II do questionário, de modo a melhorar a sua clareza, aspeto considerado de relevância na literatura de especialidade (Quivy & Campenhoudt, 2008; Tuckman, 2000). Foi igualmente possível verificar que o questionário não era demasiado longo, tendo o seu preenchimento demorado 40 minutos. Constatámos também que as opções de respostas inseridas em várias questões eram consideradas adequadas pelos participantes neste pré‐teste.
O questionário definitivo foi aplicado em suporte de papel, tendo sido devidamente equacionadas as vantagens e desvantagens associadas a tal opção. Apesar de termos consciência de que tal implicaria maior morosidade na análise dos dados recolhidos, fizemos esta opção, porque, ao longo do nosso percurso de docência na instituição de Ensino Superior na qual realizámos este estudo, apercebemo‐nos de que os estudantes preferiam suportes impressos aos digitais, disponibilizados, por norma, na plataforma Moodle, para cada unidade curricular do respetivo curso. Essa preferência era manifestada, quer verbalmente, quer através de atitudes (já que os estudantes tinham o hábito de imprimir o material disponibilizado, trazendo‐o para a aula).
O conforto dos participantes com o formato da pesquisa é reconhecido na literatura como fator de relevo a ter em consideração na aplicação do questionário (Fink &
Kosecoff, 1998; Zhang, 1999), sendo igualmente frisado que o meio de apresentação do mesmo deverá ser decidido em função de um conjunto complexo de fatores, tais como a temática que se pretende investigar e os participantes a quem é aplicado (cf., por exemplo, Omote, Prado & Carrara, 2005).
Na estruturação do questionário tivemos em consideração os seguintes objetivos e questões de investigação formulados para o nosso estudo, aos quais fazemos corresponder, no Quadro 4, as questões colocadas no questionário e a parte em que se integram: Questões de investigação contempladas Objetivos de investigação contemplados Questões colocadas no questionário/parte ‐ Que representações evidenciam
estudantes futuros profissionais da Educação a frequentar um primeiro ciclo de estudos de Bolonha sobre:
‐ A sua motivação para a leitura?
‐ Identificar e caracterizar as representações de estudantes a frequentar um primeiro ciclo de estudos de Bolonha sobre: ‐ A sua motivação para a leitura; Parte I – Questão 8
Parte III – Questões 17, 17.1., 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24
‐ O seu desempenho em compreensão na leitura?
‐ O seu desempenho em compreensão na leitura;
Parte III – Questões 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31 e 32 ‐ Os fatores que os influenciam? ‐ Fatores que os influenciam. Parte I – Questões 1, 3,
3.1., 4, 5, 6, 7 e 8 Parte II – Questões 9, 10, 11, 11.1., 11.2., 11.3., 12, 12.1., 13, 13.1., 13.2., 14, 14.1., 14.2., 16 e 16.1. Quadro 4 – Relação entre as questões e objetivos de investigação e as questões do questionário O questionário apresentava a seguinte estrutura:
‐ Introdução, em que foram incluídos os seguintes elementos: i) a razão da aplicação do questionário, apresentada de forma resumida (recolha de informação relativa às representações dos estudantes sobre a leitura); ii) apresentação breve da natureza geral do questionário, frisando não haver respostas certas nem erradas, de modo a promover a cooperação dos participantes; iii) declaração da natureza anónima e confidencial do questionário;
‐ Parte I, intitulada Dados pessoais, através da qual se pretendia recolher dados para caracterizar os participantes relativos: i) ao género (Questão 1); ii) à idade (Questão
2); iii) à residência (Questões 3 e 3.1.); iv) ao estatuto sociocultural (nível de escolaridade e profissão dos progenitores) (Questões 4, 5, 6 e 7); v) às atividades que realizavam habitualmente nos seus tempos livres (com particular destaque para a leitura e atividades que a ela pudessem ser associadas) (Questão 8);
‐ Parte II, intitulada Percurso académico, em que se recolhia informação relativa: i) às razões para a escolha do curso que estavam a frequentar (motivação) (Questão 9); ii) à ligação com o percurso académico anterior (grau de coerência do percurso, possíveis efeitos nas atuais representações e desempenho) (Questão 10); iii) ao contributo de um eventual percurso académico anterior para melhor desempenho no curso frequentado (Questões 11, 11.1., 11.2. e 11.3.); iv) às expetativas relativas à formação em didática ligada ao ensino/aprendizagem da língua materna (Questões 12 e 12.1.); v) à possível influência do percurso académico anterior nas unidades curriculares da licenciatura que estavam a frequentar (Questões 13, 13.1. e 13.2.); vi) a vivências que considerassem relevantes para a frequência da unidade curricular de Iniciação à Leitura e à Escrita (Questões 14, 14.1. e 14.2.); vi) ao contributo da frequência da unidade curricular de Iniciação à Leitura e à Escrita para o seu futuro desempenho profissional e razões que lhes subjaziam (Questões 15 e 15.1.); vii) ao percurso académico pós‐licenciatura e razões das opções feitas (Questões 16 e 16.1.).
‐ Parte III, intitulada Leitura, que permitiria compreender o seu perfil de leitor, nomeadamente: i) a sua possível motivação para a leitura e as razões que lhe subjaziam (Questões 17 e 17.1.); ii) os incentivos para a leitura que tivessem recebido (Questões 18, 19 e 20); iii) hábitos de leitura (Questões 21, 22, 23 e 24); iv) a avaliação do nível de desempenho em compreensão na leitura (Questões 25, 26 e 27), nomeadamente, a natureza e grau das dificuldades sentidas (Questão 28), atitudes de desistência ou persistência manifestadas perante a dificuldade (Questão 29), razões da adoção de certas atitudes perante a dificuldade (Questão 30), estratégias de leitura ativadas para superar a dificuldade (Questão 31) e razões do recurso às estratégias de leitura referidas (Questão 32).
incluído também um número considerável de questões abertas (dezassete). Tais opções resultaram: i) do repensar das vantagens e desvantagens associadas aos dois tipos de questões, tendo em consideração os objetivos e questões de investigação colocadas no nosso estudo (cf. Quadro 4); ii) do facto de o questionário ser preenchido em contexto de sala de aula, num espaço de tempo limitado.
De facto, as questões abertas podem, muitas vezes, facultar informação mais rica e detalhada (Hill & Hill, 2009; Pardal & Lopes, 2011), que possibilita ao investigador um maior aprofundamento do tópico do estudo, pelo que considerámos que seria relevante a sua inclusão no nosso questionário, apesar de a sua análise ser mais morosa e complexa. Considerámos ainda que as questões abertas poderiam dar a entender aos inquiridos que, de facto, estariam a ser ouvidos (como sublinham Ghiglione e Matalon, 2001), aspeto particularmente relevante estando em causa a compreensão das suas representações sobre a leitura.
As mais‐valias apontadas às questões fechadas na literatura de especialidade (cf.. por exemplo, Ghiglione & Matalon, 2001; Tuckman, 2000) também não foram negligenciadas, nomeadamente a comodidade para os participantes, por possibilitarem uma resposta rápida e agilizarem o tratamento dos dados recolhidos. No entanto, inserimos, em algumas destas questões, a opção aberta “Outro(a). Qual?” ou “Outro(a). Quem?”, de modo a poder contemplar aspetos adicionais que os estudantes considerassem importante referir nas suas respostas.
A opção por um maior número de questões abertas na Parte II do questionário, relativa ao percurso académico dos participantes, prendeu‐se com a necessidade de compreendermos, de forma aprofundada, as suas possíveis repercussões na (re)construção do perfil de leitor dos estudantes e de refletirmos sobre elas de forma holística. No Quadro 5 apresentamos uma síntese das opções relativas aos tipos de questões incluídas no questionário:
Questionário Questões fechadas Questões fechadas com opção aberta – “Outro(a).
Qual?/Outro(a) Quem?”
Questões abertas
Parte I 1, 2, 3 e 3.1. 4, 5, 6, 7 e 8
Parte II 11, 11.2., 13 e 14 10 e 16 9, 11.1., 11.3., 12, 12.1., 13.1., 13.2., 14.1., 14.2., 15, 15.1. e 16.1. Parte III 17, 18, 25, 26, 27 e 28 19, 20, 22, 23, 24, 29 e 31 17.1., 21, 30 e 32 Quadro 5 – Distribuição das questões abertas e fechadas no questionário
Este quadro dá‐nos uma imagem clara da distribuição das questões destes dois tipos pelas diversas partes do nosso questionário.