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A abordagem teórica do mercado de trabalho assalariado agrícola

2. ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL E DESIGUALDADE DE RENDA NA

2.8. A estratificação social na agricultura: especificidade teórica

2.8.2. A abordagem teórica do mercado de trabalho assalariado agrícola

O destaque teórico conferido ao problema da conceituação dos agricultores de base familiar, porém, não significa desconsiderar a importância do grupo dos assalariados na atividade agrícola. Pelo contrário, este é o segmento de força de trabalho que opera as unidades produtivas da agricultura patronal, além de fornecer a mão-de-obra utilizada, de forma acessória, pela agricultura familiar. Tomando como exemplo a agricultura americana, enquanto até meados da década de 1960 os assalariados compunham um quarto dos trabalhadores rurais, as estatísticas agrícolas de 1988 revelaram que esse percentual se elevou para um terço: de um total de 2,8 milhões de trabalhadores rurais, 997 mil eram assalariados (USDA, 1988, apud ABRAMOVAY, 1992, p.148).

Não há dúvida, diz o autor, de que o assalariamento aumenta como proporção do trabalho total e que está concentrado, crescentemente, nos maiores estabelecimentos. Esse fenômeno está presente no Brasil, especialmente em alguns subsetores, como é o caso da cana de açúcar (NEVES, 1997). A discussão de Pfeffer (1983) é útil para a compreensão do mercado de trabalho agrícola, tendo em vista as especificidades do setor. De acordo com Pfeffer (1983), para compreender as características específicas da configuração social da agricultura segundo padrões modernos, é preciso ter em conta a existência de dois problemas básicos. O primeiro diz respeito às dificuldades de gerenciamento do trabalho, tendo em vista a natureza específica do processo de trabalho na produção agrícola. O

segundo está associado ao alto grau de risco envolvido nesse tipo de empreendimento (PFEFFER, 1983).

O que está na base desses problemas específicos é a dependência da produção agrícola em relação à natureza (aspecto já mencionado anteriormente), o que determina dificuldades inerentes a esse setor, tanto no que diz respeito à capacidade de assegurar e manter uma força de trabalho adequada aos ciclos agrícolas, quanto em relação à perspectiva de enfrentamento dos riscos que lhe são peculiares. Para Pfeffer (1983), que examinou a agricultura americana a partir dessas premissas, a gênese de diferentes sistemas de produção agrícola (e de diversos sistemas de relações sociais), naquele país, pode ser explicada pela consideração de como as diferentes condições econômicas, sociais e políticas prevalecentes possibilitam a organização da produção de forma a lidar com essas características essenciais da agricultura.

Com relação ao primeiro problema, o de assegurar uma adequada força de trabalho ao processo produtivo agrícola, três são as características da produção nesse setor que dificultam essa tarefa. Em primeiro lugar, o tempo de produção não é igual ao tempo de trabalho, sendo o último menor que o primeiro. Em segundo lugar, as operações agrícolas ocorrem seqüencialmente, ao invés de simultaneamente, desde o preparo da terra até a colheita. Se a produção agrícola é comparada com a produção industrial, a relação entre os estágios de trabalho aparece como uma diferença crucial: enquanto na operação industrial típica o conjunto do processo de produção pode ocorrer simultaneamente, em diferentes pontos do espaço, na produção agrícola os diferentes estágios ocorrem na mesma área e são separados por períodos de espera, por causa do tempo necessário para que os processos biológicos envolvidos se completem. Em terceiro lugar, encontra-se a natureza sazonal da produção agrícola, diferentemente de outras formas de produção de commodities, que apresentam fluxos contínuos através do ano.

Essas três características da produção agrícola criam problemas específicos de gerenciamento do trabalho. Um primeiro problema diz respeito à manutenção da força de

trabalho através do ciclo de produção, o que significa equacionar a questão do pagamento aos trabalhadores com a existência de períodos de inatividade dos mesmos. Um segundo problema refere-se à necessidade de assegurar que haja força de trabalho em todos os anos, uma vez que o caráter sazonal da produção agrícola pode fazer com que os trabalhadores busquem empregos alternativos entre um ciclo e outro. Tais problemas, em suma, dizem respeito à necessidade de garantir o fornecimento de força de trabalho à atividade agrícola, de forma adequada às características típicas do seu ciclo de produção.

Com relação ao problema dos riscos peculiares à atividade agropecuária, Pfeffer (1983) destaca a importância de dois fatores, sendo ambos ligados às características biológicas dos produtos agrícolas. O primeiro refere-se à dificuldade de controle das forças da natureza que interferem no ciclo produtivo, como é o caso da ocorrência de mudanças climáticas. Outro fator relevante é a característica de perecibilidade dos produtos agrícolas, que faz com que os produtores se tornem mais vulneráveis a incertezas de mercado, em comparação com os setores não agrícolas. A busca na minimização de riscos, portanto, é parte constitutiva dos diferentes sistemas de produção, juntamente com o problema de adequação da força de trabalho aos ciclos produtivos. São aspectos, portanto, fundamentais, quando se trata de analisar os estratos sociais dos empregados agrícolas e, também, dos empregadores, cujas decisões sofrem os constrangimentos dos riscos anteriormente mencionados.

Para o caso brasileiro, ressalta o fenômeno histórico da substituição do antigo assalariado permanente pelo assalariado temporário, que já não mora mais no estabelecimento agrícola (SORJ, 1980). Segundo Neves (1997), a maior parte da literatura que trata do processo de proletarização na agricultura brasileira tem focado sua atenção na mudança de um padrão com forte contingente de trabalhadores permanentes para outro em que os trabalhadores temporários (sazonais ou diaristas) adquirem importância crescente. Bernardo Sorj (1980) qualifica esse processo como sendo de “purificação” (aspas do autor) das relações de produção capitalista, em razão da eliminação de formas de remuneração em espécie, obtidas, quase sempre, através de relações de parceria (fenômeno, também,

observado por Neves, 1997). Para Ribeiro Guedes (2008) o trabalhador assalariado temporário na agricultura é a expressão histórica da externalização do mercado de trabalho em relação às unidades produtivas.

Por um lado, os empregados permanentes também já não são os mesmos, uma vez que um nível mais elevado de qualificação passa a ser requerido (esse é o caso, em geral, dos assalariados que operam as tecnologias modernas). Por outro lado, os números relacionados à categoria dos empregados agrícolas demonstram uma maior precariedade dos empregados temporários em relação aos empregados permanentes, constituindo-se uma segmentação nesse mercado de trabalho. Não obstante uma tendência ao crescimento da formalização do trabalho em anos recentes (desde os anos 1990), tanto para empregados permanentes quanto para os temporários, dados do Projeto Rurbano44 mostram que, em 2004, praticamente a metade dos assalariados agrícolas brasileiros não possuía vínculo permanente de trabalho e, dentre esses, a grande maioria não possuía registro formal de trabalho (DEL GROSSI; GRAZIANO da SILVA, 2006).

Dada essa importante segmentação no mercado de trabalho agrícola e tendo em vista as características de precariedade dos assalariados temporários, que se associam a uma condição de baixa qualificação e de pequeno poder de barganha, a intervenção governamental através das instituições de fiscalização do trabalho assume muita relevância.

2.9. Conclusão

O problema da estratificação ou da desigualdade social encontra um terreno fecundo na abordagem dos teóricos clássicos, a qual enfatiza as dimensões de poder e de privilégio

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Projeto temático denominado “Caracterização do Novo Rural Brasileiro”, que analisa as principais transformações ocorridas no meio rural em 11 unidades da Federação: PI, RN, AL, BA, MG, RJ, SP, PR, SC, RS e DF.

contidas nas relações entre unidades de uma estrutura social. Particularmente frutíferas são as contribuições dos autores neomarxistas e neoweberianos, cujas abordagens aproximam- se teoricamente.

A combinação da abordagem de classe com a perspectiva teórica da segmentação de mercado é relevante para este estudo, especialmente quando se considera a diferenciação interna dos agricultores familiares e o estrato de empregados agrícolas (divididos entre os que são protegidos pela legislação trabalhista e os que são desprotegidos, encontrando-se em situação de precariedade).

A Sociologia da Agricultura constitui uma tentativa relevante, ao chamar atenção para um arcabouço teórico que, embora ainda sem consolidação, como adverte Schneider, permite a abordagem da estrutura social do setor agropecuário na perspectiva das grandes linhas da Sociologia, especificamente em relação aos autores neomarxistas e neoweberianos.

Evidencia-se, ao longo da discussão, a insuficiência da perspectiva teórica de orientação individualista (de inspiração neoclássica) para a compreensão do problema da distribuição de renda. A tese da modernização e a hipótese meritocrática, com suporte na teoria do capital humano, por si sós não sustentam teoricamente uma abordagem da redução da desigualdade de renda. Aspectos estruturais, de ordem societária, interferindo na redução (ou no aumento) da desigualdade da distribuição de renda, contradizem essa abordagem teórica, com destaque para a relevância da perspectiva teórica de classe social e a da segmentação do mercado de trabalho, para a compreensão da repartição de renda no setor.

A idéia da mediação de uma esfera pública interferindo na relação entre desenvolvimento econômico e desigualdade de renda assume grande importância, pelas características do setor agropecuário. Sobressaem, aqui, as análises que apontam para a

relevância do Estado nos estudos dos estratos sociais da agricultura moderna e da constituição e repartição da renda no setor.

O capítulo seguinte será dedicado à exploração histórico/analítica da constituição e caracterização da estrutura ocupacional da agropecuária brasileira.

CAPÍTULO III

3. ESTRUTURA SOCIAL NA AGROPECUÁRIA BRASILEIRA: CONSTITUIÇÃO