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Agropecuária brasileira: estrutura de classe e repartição da renda

5. ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL E DISTRIBUIÇÃO DE RENDA NA

5.7. Agropecuária brasileira: estrutura de classe e repartição da renda

O comportamento da participação relativa dos estratos sociais na distribuição da renda total da agropecuária do país é consistente, de uma maneira geral, com o perfil ostentado pela segmentação do mercado de trabalho do setor. Por outro lado, a posição de classe, identificada com a posição ocupacional, afeta a repartição de rendimentos entre os estratos sociais considerados, o que pode ser visualizado no gráfico 1. Os ocupados no estrato de empregadores alcançam, desde 1976, os patamares mais elevados na distribuição da renda do setor, o que é compatível com suas capacidades de classe vinculadas à propriedade de ativos físicos, tecnológicos e organizacionais.

Estudo de Marlon Gomes Ney (2006) destaca a importância da propriedade de ativos como condicionante de uma maior participação na divisão da renda pelos mais abastados do setor agropecuário. Segundo levantamento feito com 20% dos mais abastados do campo com idade igual ou maior do que 25 anos, seus níveis de escolaridade não são altos, embora, como ressalta o autor, seus filhos estejam freqüentando a escola por mais tempo. Nesse grupo encontram-se 21,3% com escolaridade inferior a 1 ano, 23,4% com escolaridade de um a três anos e 25,5% tendo concluído apenas a quarta série do ensino fundamental, o que perfaz um total de 70,2%. Para Ney (2006), esse resultado é revelador da importância, não de um nível elevado de educação, mas da apropriação da terra, no acesso à riqueza. No contexto da agricultura moderna, é preciso agregar à terra a propriedade de outros ativos, especialmente os tecnológicos, o que apenas fortalece a abordagem da propriedade como compatível com o maior acesso à distribuição de renda, por parte dos empregadores.

Considerando-se as características do setor agropecuário, pode-se esperar que dentro do estrato dos empregadores sejam encontrados muitos pequenos empregadores, ao lado de um número muito menor de grandes empregadores e de corporações (os números mostram que a maioria dos empregadores emprega uma quantidade relativamente pequena de assalariados, como visto anteriormente). Portanto, é provável que uma pequena parte dos

empregadores seja constituída de agricultores com características familiares, como argumenta, em entrevista, um membro de uma associação de produtores agrícolas. Ou seja, trata-se de empregadores que gerenciam seus próprios empreendimentos, mas que possuem ativos em nível suficiente para empregar um ou mais assalariados, além de uma provável força de trabalho familiar (o que é, inclusive, compatível com as regras que definem o público do PRONAF). Portanto, é possível que uma parcela mais capitalizada de agricultores que não perderam sua característica familiar esteja incluída na categoria dos empregadores, pela pesquisa da PNAD. Por outro lado, é recorrente nas entrevistas realizadas a afirmação de que uma parte da agricultura familiar do país, mesmo com a utilização somente de força de trabalho da família, integra-se com sucesso em cadeias produtivas, especialmente na Região Sul, sobre a base de tecnologias modernas.

O que confere uma característica de precariedade à categoria ocupacional dos agricultores familiares, visível na débil posição de sua mediana da renda nos percentis da renda total, não é um atraso tecnológico inerente, mas a existência de um contingente muito expressivo de famílias rurais que estão distantes de um padrão tecnológico necessário ao enfrentamento das forças de mercado e que, muitas vezes, integram, inclusive, a categoria dos assalariados, especialmente os informais. Esta, possivelmente, é a principal causa dos resultados de baixa participação na repartição de rendimentos por esse estrato social. Além disso, deve-se considerar que os agricultores familiares, de um modo geral, enfrentam condições piores de negociação ao longo das cadeias produtivas de que participam, quando comparadas com as dos produtores que podem fazer uso das vantagens conferidas a uma maior escala de produção.

A posição na renda total dos ocupados no estrato tecnocrático e gerencial evidencia uma elevada capacidade de negociação de rendimentos. Embora constituam uma parcela muito pequena dos ocupados no setor da agropecuária, esses profissionais mostram-se crescentemente necessários em mercados competitivos e globalizados. Singer (1981) observou que, embora em crescimento, a proporção de gerentes na agricultura é insignificante, quando comparada à dos setores não-agrícolas. Considerando o ano de 1976,

o autor concluíra que o capitalismo agrícola é predominantemente competitivo, uma vez que a direção de um grande número de empresas do setor é feita por seus próprios donos, diferentemente do capitalismo nas cidades, em que a presença de grandes empresas dirigidas por administradores assalariados lhe confere um caráter fortemente monopólico. Entretanto, Figueiredo Santos (2002), considerando o período de 1981 a 1996, constata que o setor agrícola também passa a ter uma gestão mais empresarial e profissionalizada.

De qualquer forma, mesmo tendo uma participação pequena em tamanho de classe, o estrato tecnocrático e gerencial do setor agrícola consegue alcançar aquilo que Singer denomina de rendas altas na forma de retribuição do trabalho (SINGER, 1981). É preciso lembrar que se está considerando, como constitutivos de um mesmo estrato social, o grupo gerencial e os profissionais técnicos e burocratas de maior nível de qualificação, que habitualmente compartilham funções de administração e o desempenho de trabalhos de alta qualificação, no setor agropecuário. Poder-se-ia concluir que a elevada posição relativa da mediana da renda desse estrato ocupacional na renda total dever-se-ia ao maior capital humano incorporado pelos profissionais aí inseridos, à luz da abordagem funcionalista e da teoria da modernização. A literatura mostra que um aumento no capital humano está usualmente associado a maiores rendimentos (SINGER, 1981), mas esse fenômeno não pode ser visto de forma isolada. Segundo a abordagem de classe, os recursos de qualificação e o controle sobre o trabalho de outros (recursos organizacionais) são ativos que influenciam na repartição de rendimentos, em favor de seus detentores. Conforme Singer (1981), os altos salários, nesse caso, não deixam de ser a retribuição de um trabalho, mas trata-se do trabalho de gestão do processo de produção e de circulação, instalado nas áreas mais avançadas da economia.

Com relação aos ocupados na condição de trabalhadores assalariados, evidencia-se, como já foi objeto de discussão, a trajetória ascendente na participação dos empregados formais na repartição da renda. De maneira semelhante ao estrato tecnocrático e gerencial, os empregados formais, de acordo com a literatura, são trabalhadores operacionais detentores de um nível de qualificação e/ou de treinamento mais elevado, em relação ao

conjunto dos trabalhadores rurais; são recrutados, em geral, para o quadro permanente das unidades produtivas e estão protegidos pela legislação trabalhista. Esses trabalhadores, portanto, ostentam atributos e relações de trabalho que lhes conferem uma relativa estabilidade, que se traduz em maior poder de barganha junto aos empregadores.

Os empregados informais ocupam uma posição na distribuição de renda que é compatível com a literatura sobre o tema. Encontram-se nesse estrato, possivelmente, os trabalhadores em caráter sazonal, afetados pela ausência de contratos de trabalho baseados no registro em carteira e ostentando os menores graus de qualificação. Mesmo enfrentando os constrangimentos da fiscalização do trabalho, as empresas fazem uso dos trabalhadores informais, que se posicionam no mercado de trabalho em condições piores de barganha, compatíveis com o seu baixo nível de participação na renda gerada no setor.

Constata-se, portanto, que os elementos de influência de ordem societária na repartição da renda, contidos na abordagem de classe e da segmentação do mercado de trabalho, são compatíveis com a evolução dos níveis de participação relativa dos estratos ocupacionais nos rendimentos do setor agropecuário. Percebe-se que as melhores participações nos rendimentos são encontradas no lado moderno da agropecuária brasileira, restando aos demais sub-setores as rendas estagnadas. É necessário, entretanto, tratar com cuidado o estrato ocupacional dos agricultores familiares, uma vez que em seu interior se encontram as mais diversas situações, variando em termos de capitalização, de avanço tecnológico, de integração em cadeias produtivas, de associativismo e acesso a mercados, entre outras, que impactam a repartição de rendimentos. Além disso, deve-se considerar que os dados de renda para esse estrato social não incluem a produção para o auto- consumo, embora, no caso deste estudo, a renda monetária seja, de fato, mais relevante. Uma análise do contexto no qual as atividades dos agricultores familiares se desenvolvem pode apontar para compatibilidades mais gerais do comportamento da participação em rendimentos desse estrato social. Torna-se útil uma discussão em torno da estrutura mais ampla das relações de trabalho no setor agrícola em décadas recentes, incluindo o lugar dos agricultores familiares nesse quadro, o que será feito no próximo item.