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A tradição empírica e a teoria de status

2. ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL E DESIGUALDADE DE RENDA NA

2.4. A tradição empírica e a teoria de status

Enquanto os teóricos da tradição clássica mantiveram sua atenção voltada para as origens da definição das categorias nas quais se estrutura uma dada sociedade e com as relações de poder que se estabelecem entre os grupos sociais, a tradição empírica evoluiu no sentido de apreender a estratificação social tal como se apresenta em algum momento, utilizando instrumentos de mensuração talhados para definir a posição social dos indivíduos inseridos nessa estrutura. 22

De acordo com Gruski (1994), os teóricos da tradição empírica crêem que a perspectiva que adota medidas de renda, de status ou de prestígio pode capturar, de forma aproximada, a estrutura de estratificação social de uma sociedade. 23 Gruski (1994) destaca a longa permanência no uso desses instrumentos na pesquisa sociológica, ressalvando, porém, que essa tradição teórica sofre várias e crescentes críticas. Por exemplo, a crítica no sentido de que essas escalas exageram na visão da fluidez e da abertura dos sistemas de estratificação; a crítica no sentido de que o prestígio dos empregos não seria adequadamente medido (tendo em vista a interferência de elementos internos à própria ocupação); ou a crítica à desconsideração do conteúdo simbólico que pode estar na origem de muitas clivagens, no que se refere às atitudes ou aos estilos de vida.

À tradição empírica vincula-se a abordagem funcionalista e a teoria da alocação de status, que se diferenciam da tradição marxista e da tradição weberiana pelo não reconhecimento de fronteiras de classe (SCALON, 1999). De acordo com a autora, a teoria privilegia a aquisição e a realização de status, dentro da perspectiva de status ocupacional. Contrariamente às teorias de classe, a teoria de status, no âmbito da abordagem funcionalista, hierarquiza as ocupações de acordo com o seu grau de institucionalização e

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Haller (2001) recorda que essa vertente teórica também tem uma longa história, embora mais recente do que a teoria clássica, remontando suas primeiras formulações aos anos de 1920 e 1930.

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São duas as escalas de medida de posição social, nessa tradição: 1) a escala de prestígio ocupacional, construída em razão do prestígio social de que desfruta uma dada ocupação ou 2) a escala dos índices de status ocupacional sócio-econômico, baseada na educação e renda.

de manutenção de valores da sociedade. Essas teorias são intimamente relacionadas com as teses individualistas de explicação para as diferenças de rendimentos, como será mostrado no próximo item, em que será abordada a perspectiva da estratificação social em termos da desigualdade de renda.

Haller (2001), contudo, defende que o conteúdo dessas escalas de medida de status contempla, também, as perspectivas multidimensionais de estratificação dos teóricos clássicos. Nesse sentido, o autor argumenta em favor da síntese elaborada pelos teóricos da estratificação, que leva em conta tanto as preocupações da tradição clássica (poder e privilégio), como a perspectiva da tradição empírica dos índices de posição sócio- econômica.24 Haller (2001) apresenta sua própria síntese (em suas palavras, baseada na contribuição de outros autores), que comporta duas classes de dimensões de estratificação, a classe da dimensão de poder e a classe das dimensões estruturais. A primeira dimensão de estratificação (dimensão de poder) comporta o poder político, o poder econômico e o poder do prestígio como formas universais de poder, acrescentando-se o poder que decorre dos anos de educação formal para as “sociedades civilizadas” (aspas do autor).

Essas dimensões de poder (e as variáveis que lhes são correlatas) são aplicáveis, segundo Haller (2001), a todas as sociedades contemporâneas, expressando-se da seguinte forma: 1) a dimensão do poder político é o Poder Político (variável ainda não mensurável, não obstante sua centralidade na teoria clássica); 2) a dimensão do poder econômico aparece na variável Renda; 3) a dimensão do poder do prestígio é medida pelo Status Ocupacional, seja através da Escala de Prestígio Ocupacional de Treiman ou do Índice Sócio-Econômico Ocupacional (ISE) de Featherman e Hauser, estando associado à renda e educação; 4) finalmente, o poder informacional é medido pelo nível de instrução expresso nos anos de escolaridade formal completos. A síntese elaborada por Haller dispõe, assim, de três variáveis consideradas, pelo autor, como teoricamente defensáveis e disponíveis para a mensuração de três entre as quatro dimensões clássicas de conteúdo de poder:

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De acordo com Neves (1997), Haller tem combinado, com sucesso, a perspectiva teórica individualista e a estruturalista em suas regressões de rendimentos, empregando variáveis-chave das teorias do capital humano e/ou da alocação de status e variáveis das teorias de classe e da segmentação de mercados.

Renda, Status Ocupacional (associado à renda e à educação) e Educação. Para essa síntese, portanto, prevalecem as medidas de renda e de educação.

Essa síntese contém, como segunda classe de dimensão da estratificação, as diversas dimensões estruturais. A dimensão estrutural Grau de Desigualdade informa o grau de dispersão de poder em uma sociedade, que é medido em função dos conceitos de desigualdade absoluta e relativa, por meio de vários indicadores, como é o caso do índice de Gini, que mede, entre outras, a desigualdade de renda. A dimensão estrutural Cristalização de Status diz respeito à maior ou menor convergência das diferentes dimensões de poder em relação a uma posição relativa dentro da estrutura de estratificação. A dimensão estrutural Grau de Status Herdado está relacionada com o grau de posição de poder que é herdada da posição dos pais. Finalizando sua síntese, Haller (2001) aponta para a forma de estratificação que cada sociedade assume em dado momento, mostrando uma maior ou menor concentração de pessoas em pontos chave da estrutura de poder e revelando uma maior ou menor assimetria nessa disposição societária.

Para os objetivos desta tese, a abordagem de classe de inspiração neomarxista e neoweberiana, demonstra-se adequada, como referência teórica, uma vez que o objetivo a ser alcançado é a investigação da evolução da posição relativa dos estratos sociais da estrutura social agrícola, utilizando-se como única medida a distribuição de rendimentos, o que envolve um componente histórico e relacional. A esse respeito, Paul Singer (1981), em seu estudo sobre desigualdade nos setores econômicos brasileiros, que inclui o setor agrícola, considera que o nível de renda é um indicador do caráter de classe e propõe a análise da estrutura de classes a partir das relações de produção e do nível de renda. Nesta tese, pretende-se analisar a evolução da desigualdade na distribuição de renda no setor agropecuário brasileiro tendo como base o acesso diferenciado às posições ocupacionais.

2.5. Estratificação social e Desigualdade de renda: a abordagem individualista e o