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Mudanças na estrutura social da agropecuária brasileira na década de 1970

5. ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL E DISTRIBUIÇÃO DE RENDA NA

5.2. Mudanças na estrutura social da agropecuária brasileira na década de 1970

Entre 1970 e 1976, entretanto, a estrutura de classes brasileira passaria por transformações importantes, tanto no setor urbano quanto no setor rural. Para o setor rural, especificamente, de acordo com a tipologia de Singer, a participação do subproletariado agrícola (segmento de agricultores em situação de grande precariedade) no conjunto da estrutura de classes cai de 89,3% para 54,1%. A pequena burguesia, por seu lado, que pode ser interpretada como constituída por pequenos empregadores e pelos agricultores de ocupação por conta própria que não se encontram no subproletariado, passou de uma participação de 9,7% para 34,7%. Constata-se o aparecimento de um proletariado que antes praticamente não existia, passando de uma participação de 0,7%, na década anterior, para 10,6%, em 1976. Portanto, pode-se concluir por uma reversão da tendência de redução do emprego agrícola verificada entre 1960 e 1970, passando as empresas agrícolas a ampliar esse processo entre 1970 e 1976. Contudo, não se deve associar o aumento do emprego agrícola com uma redução no ritmo de mecanização (que se manteve), mas com um aumento da produção (especialmente de lavouras) nos estabelecimentos de maior área, superior ao aumento da produtividade do trabalho (SINGER, 1981).

O processo de mecanização da atividade agrícola continuou nos anos de 1970, como mostra a evolução da quantidade de tratores, que quase duplicou na primeira metade da década. O aumento da proporção de estabelecimentos com tratores no Brasil, passando de 2,4% em 1970 para 4,3% em 1975, ocorreu, no período, também nas explorações de menos de 50 hectares, que ostentaram uma mudança de 1,2%, em 1970, para 2,3% em 1975. Para Singer, houve uma maior capitalização no setor agropecuário, sobretudo na lavoura das explorações de grande tamanho, expandindo-se a área de plantio, em especial nas de mais de 200 hectares. Disso decorreu um aumento na demanda por assalariados, provavelmente por trabalhadores mais qualificados, como os tratoristas, tendo em vista a forte intensidade do processo de mecanização.

Constata-se, pelos dados e pela análise de Singer, que a proporção da burguesia (empregadores) sofre um acréscimo, passando de 0,3% em 1970 para 0,6% em 1976, mantendo-se, entretanto, pequena, em relação aos outros estratos sociais. Além disso, observa-se que a participação da “burguesia gerencial” (aspas minhas) no conjunto da classe é insignificante (11,6%, comparados com 88,4% da burguesia empresarial), o que demonstra, do ponto de vista de Singer, um forte caráter competitivo de um capitalismo agrícola constituído por grande número de empresas dirigidas por seus próprios proprietários (SINGER, 1981). Segundo o autor, a expansão da burguesia agrícola, entre 1970 e 1976, deve ter tido sua origem na expansão da produção em larga escala para o mercado externo (como é o caso da soja), com base em unidades produtivas de tamanho grande ou médio e empregando um maior número de assalariados.

O crescimento da pequena burguesia é interpretado por Singer como decorrente, principalmente, do acesso de minifundiários (responsáveis e membros não remunerados da família em estabelecimentos de menos de 10 hectares) a melhores condições de renda e, portanto, sua ascensão às posições ocupacionais daquela classe social. Como argumenta Singer, a pequena burguesia acha-se estreitamente ligada à economia capitalista. Para o autor, quando os mercados para os “pequenos produtores” (aspas minhas) de bens e serviços se ampliam, sua situação apresenta uma melhora, como ocorreu no Brasil a partir de 1968, com a aceleração do crescimento econômico. No caso dos produtos agrícolas, a elevação dos preços proporciona melhores condições de inserção, especialmente, dos “pequenos produtores” (aspas minhas, SINGER, 1981).

O notável crescimento daquilo que Singer chamou de proletariado propriamente dito (para distingui-lo do subproletariado), entre 1970 e 1976, acompanha o forte decréscimo do contingente de subproletariado, que, segundo o autor, é consistente com a intensificação do processo migratório rural-urbano. Outro aspecto verificado nesse período, com relação a essa categoria social, é o aumento dos assalariados, em relação aos autônomos, no conjunto do subproletariado, o que é interpretado pelo autor como um possível resultado da multiplicação de empregos assalariados sub-remunerados.

Pode-se concluir que, entre 1960 e 1976, foi construído um proletariado propriamente dito, na perspectiva analítico/conceitual do autor. De acordo com a metodologia e a tipologia de Singer, portanto, a estrutura social da agropecuária brasileira se apresentava, em 1976, bastante diferente em relação a 1960 (e 1970), em termos do tamanho e da participação de cada classe social, ostentando uma variação para a burguesia de 0,3%, em 1960, para 0,6%, em 1976; para a pequena burguesia de 9,7%, em 1960, para 34,7%, em 1976; para o proletariado de 0,7%, em 1960, para 10,6% em 1976; e para o subproletariado de 89,3%, em 1960, para 54,1%, em 1976.

Esses resultados mostram que, aproximadamente uma década após a implantação no país de uma política setorial de transformação da estrutura produtiva da agropecuária brasileira, ocorrera uma mudança significativa no tamanho relativo dos estratos sociais que compunham a estrutura social do setor. Não cabe no escopo desta tese demonstrar os elementos de causalidade das mudanças observadas. Entretanto, como foi discutido em capítulo anterior, é consensual na literatura sobre o tema a centralidade conferida à política agrícola estruturada em torno do crédito oficial, como fortemente responsável pelas profundas transformações na agropecuária do país. A ação pública para o setor ocorrera em um contexto favorável, devido à acelerada expansão da indústria e da população urbana, a partir da qual fora criado um mercado de alimentos, concentrado, especialmente, nas maiores cidades. Neste sentido, a caracterização da estrutura social da agropecuária brasileira definida por Singer, em relação ao ano de 1976, tendo por referência o ano de 1960, torna-se bastante útil para a periodização escolhida no caso desta tese, tendo em vista a hipótese sob análise.

A transformação na estrutura ocupacional da agropecuária brasileira, nesse período, é acompanhada por uma mudança significativa no que se refere à repartição da renda (fato que, aliás, ocorre de uma forma generalizada, para atividades agrícolas e não-agrícolas, conforme dados disponibilizados pelo autor). Uma mudança substantiva ocorre em relação ao ano de 1976. Singer utiliza uma metodologia construída a partir de classes de renda em salários mínimos, para fins de comparação entre os anos de 1960, 1970 e 1976, com a

ressalva de que o salário mínimo de 1976 era 18,3% inferior ao vigente em 1960, em termos reais. A tabela 7 a seguir, extraída do estudo de Singer, mostra a evolução da repartição da renda para as atividades agrícolas, seguindo a metodologia de classes de salários mínimos, no período.

Tabela 7 - Repartição da Renda com Exclusão dos Sem-Rendimentos e dos Não-Declarados. Brasil em 1960, 1970, 1976. Atividades Agrícolas 1960 (%) 1970 (%) 1976 ( %) 0 – 1 88,66 90,57 57,60 1 – 2 7,70 6,37 28,05 2 – 5 2,70 2,52 10,31 5 – 10 0,72 0,37 2,55 10 e mais 0,22 0,18 1,50 Soma 100,00 100,01 100,00 Fontes: IBGE, Censos Demográficos de 1960 e 1970

IBGE. PNAD de 1976. Extraído de Singer (1981:68)

O que os dados dessa tabela mostram é que entre 1960 e 1970 não se verifica uma modificação relevante na estrutura da repartição da renda no setor agrícola, tendo ocorrido, inclusive, um aumento da participação da classe de renda até um salário mínimo, no conjunto da renda total (Singer chama atenção para o fato de que o limite de 5 salários mínimos, em 1970, correspondia a 3,7 salários mínimos em 1960, de modo que as classes de 2 a 5 salários mínimos e a de 5 a 10 salários mínimos devem ser comparadas em conjunto, nesse intervalo de tempo). As repartições da renda de 1960 e de 1970 mostram que a grande maioria dos ocupados em atividades agrícolas continuava muito pobre, com aproximadamente nove décimos ganhando até um salário mínimo.

Entre 1970 e 1976, porém, observa-se uma mudança profunda na repartição da renda no setor, destacando-se uma forte redução no percentual de ocupados com renda de até um salário mínimo, que cai de 90,57%, em 1970, para 57,60% em 1976. De acordo com Singer, ocorreu uma transferência de 33% da população para fora dessa classe de renda, na população economicamente ativa agrícola: quase 22% passaram à classe de 1 a 2 salários mínimos, quase 8% foram transferidos à classe de 2 a 5 salários mínimos, 2% passaram à classe de 5 a 10 salários mínimos e 1% à classe de mais de 10 salários mínimos (SINGER, 1981, p.70). Isso não é incongruente com o fato de que a renda continuou se concentrando, em termos relativos, o que se explica pelo aumento da renda média de toda a população economicamente ativa. O que os dados revelam é o aumento da renda de uma parte dos ocupados nas atividades agrícolas que eram muito pobres e, também, das pessoas com renda elevada. Segundo Singer, “a imagem que se forma é de um país que, ainda em 1970, se constituía por uma minoria extremamente pequena de ricos face a uma grande maioria de pobres e que rapidamente se transforma num país em que a minoria de ricos já não é tão pequena e tem abaixo de si um número considerável com rendas médias” (SINGER, 1981, p.73). É importante ressaltar que aproximadamente quatro quintos dos ocupados no setor agrícola ainda ganhavam apenas até dois salários mínimos, em 1976, porém é visível uma ampliação das rendas médias.