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2 A ACCOUNTABILITY EDUCACIONAL: A CONSTRUÇÃO DE UM CONSENSO?

No documento Anais Completos (páginas 106-111)

O capitalismo ao redefinir a democracia, submetendo-a aos interesses sociometabólicos do capital, reduze-a ao liberalismo – o direito de propriedade privada e de participar do mercado –, restringindo o direito político à igualdade jurídica. Nessa perspectiva edifica-se uma democracia elitista-pluralista, um mecanismo de mercado que converte os cidadãos em consumidores e os políticos em empresários.

Os mecanismos de mercado (concorrência, eficiência, gerencialismo, dentre outros) passaram a reger as decisões macroeconômicas, despolitizando as decisões governamentais, ao convertê-las a lógica eficiência administrativa empresarial, pela qual o Estado deve gerar lucro e as políticas públicas devem estar subsumidas a este princípio. Tem-se uma conversão das atribuições do Estado, que deixa gradativamente sua função de Provedor para Estado Regulador (BALL, 2004, p. 1106), ou Estado Avaliador (AFONSO, 2009; BALL, 2004).

Sob os auspícios desse Estado Avaliador, desenvolve-se segundo Afonso (2009a) um novo darwinismo social. As políticas educacionais, centrada nos pressupostos avaliativos, culminam na luta pela sobrevivência no mundo do capital, onde os mais hábeis (competitivos, empreendedores, etc.) sobrevivem a lei da seleção antinatural da escola

liberal burguesa (que deforma e reforma o estudante, adotando os moldes estabelecidos

pelo mercado), gerando mecanismos de depuração (avaliação) que no novo mundo do trabalho, sob a égide do capital e segundo os ditames da reestruturação produtiva, exclui os não adaptados.

O modelo gerencial do Estado Avaliador centrado na desburocratização administrativa e na descentralização de responsabilidade remete-se à categoria

accountability e seus processos articulados de avaliação, prestação de contas e

responsabilização para atingir sua meta de ampliar a eficiência e eficácia nos/dos serviços públicos. A referida tríade, teoricamente, ambientada no exercício crítico do cidadão, passa a ser afirmada, por seus ideólogos, como um instrumento de exercício e consolidação da democracia, bem como de mensuração quanti-qualitativa desta mesma, mediante seus mecanismos de avaliação.

Este sistema de accountability, segundo Brooke, é formado por quatro elementos básicos:

1 - A decisão por parte das autoridades de tornar públicas as diferenças de nível de desempenho das escolas (ingrediente autoridade); 2 - o uso de testes ou procedimentos padronizados para fornecer esse tipo de informação (ingrediente informação); 3 - os critérios para analisar essa informação e para determinar quais escolas têm melhor desempenho (ingrediente padrões); 4 - os critérios para a aplicação de incentivos ou sanções conforme os padrões estabelecidos (ingrediente consequências). (BROOKE, 2006, p. 380).

O’Donnell, por seu turno, defende que a ideia de accountability possibilita o entendimento das diferenças entre as jovens democracias da terceira onda (pós-1978) e as avançadas democracias (poliarquias) industriais, oriundas da fusão das correntes políticas, concorrentes e conflitivas: o liberalismo (garantias liberais básicas – propriedade privada), a democracia (exercícios dos direitos políticos) e o republicanismo (defesa da legalidade contra as forças estatais) (O’DONNELL, 1999).

No âmbito escolar a accountability (school accountability) insere-se na conjuntura da obtenção de mais informações sobre o desempenho da unidade escolar “mediante as quais se tornam públicas as informações sobre o trabalho das escolas e consideram- se os gestores e outros membros da equipe escolar como corresponsáveis pelo nível de desempenho alcançado pela instituição.” (BROOKE, 2006, p. 378).

Kuenzer (1997) expressa a ideia que na escola, sob a égide neoliberal, busca- se adotar a lógica da transmissão do conhecimento acrítico, objetivando formar um estudante com habilidades e atitudes flexíveis (no molde toyotista), adequado à ordem do mercado – definindo no jogo da qualificação a prosperidade ou a pobreza do indivíduo e do Estado-nação. “Assim, a desigualdade entre os países não é uma questão estrutural,

decorrente das relações imperialistas [...]”, segundo o pensamento neoliberal, “[...] mas uma questão conjuntural, que poderá ser resolvida com o tempo, através de estratégias adequadas.” (KUENZER, 1997, p. 59).

Além disso, o desempenho aferido nos testes padronizados, estandardizados, ao gerarem o ranqueamento escolar tendem a impingir uma concorrência escolar, aprofundando as desigualdades entre as escolas públicas; e, não levam em consideração a realidade concreta da escola, bem como do estudante, ampliando ainda mais os níveis de desigualdade sócio-educacional-cultural preexistentes. A accountability insere-se na conjuntura das teorias, valores, crenças – ideologias, disseminadas pelo Estado Avaliador, sob os auspícios do neoliberalismo, que mediante os sistemas avaliativos, sedimento uma cultura avaliativa normatizadora dos indivíduos, contribuir para produzir tanta conformidade ou consenso social, buscando negar a ideia de luta de classes.

Nesse amálgama, que toma corpo no movimento da ordem sociometabólica do capital, a incompreensão da accountability e de seus meandros possibilitam que as engrenagens da máquina que reproduz o “estranhamento universal, de degradação do homem” (ALVES, 1997, p. 171), se reproduza sob o fetiche da democracia, palavra pela qual muitos demonstram entusiasmo e a ela buscam associar-se.

3 CONCLUSÃO

A partir da estruturação do conceito de accountability educacional percebe- se que sua tradução para a língua portuguesa como responsabilização é simplificada. Há um contínuo movimento entre avaliação, responsabilização e prestação de contas, embora o caráter bidimensional: de prestação de contas e responsabilização, acabem predominando. A avaliação em larga escala seria a mediadora quanti-qualitativa do processo da bidimensionalidade, o que nos remete a apenas números, quantidade, gerando um ranking a ser apresentado pela instituição escolar e dessa forma estandardiza as provas.

Os resultados dessas provas estandardizadas tendem a re-orientar o conteúdo curricular a ser ensinado, moldando os processos pedagógicos às avaliações, e o próprio cotidiano sócio educacional da escola (de estudantes a professores) é alterado. Essa organicidade da política educacional neoliberal busca com uma re-orientação da própria dinâmica social, negando os princípios de lutas sociais, lutas de classe. Realidade que confirma, inicialmente, a tese central deste trabalho: que a educação democrática é obstaculizada pela lógica do capital e de suas políticas de accountability educacional.

Nesse aspecto, a escola deve ser compreendida não como alavanca única da transformação social, mas como um campo de batalha a ser conquistado para a transformação social. Ela, por certo, reproduz o sistema no qual está imersa, mas em seu interior desenvolve-se uma contra-hegemonia mediante a atuação de seus intelectuais orgânicos. O acesso ao conhecimento sistematizado não condicionado a processos avaliativos ou às demandas do capital são campos de luta incessante que impulsionam novas relações socais – saindo da acomodação, passando pela conciliação, à resistência.

REFERÊNCIAS

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A LUTA DE CLASSES NOS CONSELHOS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO:

No documento Anais Completos (páginas 106-111)

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