• Nenhum resultado encontrado

O Desenvolvimento na Adolescência: Perspectivas Teóricas e Factores Contextuais

2. A adolescência enquanto fenómeno psicossociológico

O facto de não podermos isolar as transformações envolvidas no processo da adolescência do contexto sócio-cultural em que estas acontecem, leva-nos a questionar se este será um período natural do desenvolvimento com um estatuto tão específico como o da infância, da adultez ou da velhice, ou se, por outro lado, se trata de uma construção artificial, produto de uma determinada organização social e cultural.

Por exemplo, Nurmi, Poole e Kalakoski (1996), defendem que as sociedades, ao moldarem as expectativas e as crenças dos seus membros sobre as opções que lhes estão disponíveis e, ao regularem o seu acesso a eventuais opções alternativas, afectam o processo de formação de identidade dos indivíduos. Segundo alguns autores, a influência dos factores sociológicos no desenvolvimento do indivíduo seria mais marcada no período da adolescência. A este propósito, Claes (1985), salientou que as categorias etárias que limitam as etapas da vida e fixam as fronteiras entre as gerações variam consoante as épocas e que a fronteira estabelecida entre a adolescência e a idade adulta oscila com o curso da história: “O estilo de vida e os valores preconizados são directamente influenciados pelos acontecimentos históricos e, muito mais que os outros períodos da vida, a adolescência é vulnerável ao impacto da mudança social” (p. 11).

Também para Tomivic (1979), as atitudes sociais face ao fenómeno da adolescência diferem segundo as culturas, sendo que, o impacto social e psicológico sobre o adolescente sofre variações em função dos padrões culturais e sociais.

Ariès (1986), por sua vez, documentou a transformação cultural a que assistimos a partir da Primeira Guerra Mundial, ao afirmar que “a evolução arrastou toda a

Capítulo 1. O estudo do desenvolvimento na adolescência: perspectivas teóricas e factores contextuais

sociedade para um modelo de adolescência originariamente burguês e também para um prolongamento constante da duração desta adolescência, coincidindo esta, a partir de então, com a duração da escolaridade (…) (p. 11). Estaríamos na presença de “uma história em que a nova sociedade da escola e da cultura escrita se substitui à sociedade da aprendizagem profissional e da cultura da transmissão oral” (p. 12).

Se a puberdade pode ser considerada como um fenómeno universal no calendário maturativo humano, a adolescência pelo seu lado, é um acontecimento psicossociológico não necessariamente universal e que portanto, não assume em todas as culturas os mesmos padrões e características que adopta na nossa cultura (Palacios & Oliva, 2001).

A emergência de um longo período entre a puberdade e o acesso ao estatuto de adulto, vivido debaixo da tutela parental, coincidiu com o aparecimento das sociedades industrializadas no séc. XIX, inicialmente em Inglaterra e nos países escandinavos (Claes, 1985). A “família moderna”, tal como Shorter (1986) a definiu, passou a ser considerada como o conjunto de pais e de filhos que vivem debaixo do mesmo tecto, excluindo os ascendentes e os colaterais. As inerentes mudanças no tecido social, com uma maior fragmentação do núcleo familiar e uma maior perda do controlo parental sobre os adolescentes, conduziu ao declínio deste modelo, a favor de um modelo pós- moderno de família (Shorter, 1986; Gierveld, 2001), em que, a par com o sistema de família dita tradicional (pai, mãe e filhos debaixo do mesmo tecto), encontramos as famílias monoparentais e as famílias reconstituídas ou de recasamento.

Um tal impacto do contexto sócio-histórico no processo da adolescência dos indivíduos e o concomitante prolongamento deste período de vida levou a que as mudanças que se processam no desenvolvimento – a nível físico, psicológico e social –

Capítulo 1. O estudo do desenvolvimento na adolescência: perspectivas teóricas e factores contextuais

se tenham tornado díspares. Esta disparidade terá influenciado uma mudança de rumo do estudo científico da adolescência. Ou seja, se os psicólogos tentaram descrever anteriormente a adolescência como um período único de transição, no decorrer do século XX, esta etapa de vida passou a ser conceptualizada como um período de mudança em várias áreas desenvolvimentais, mudanças essas que não acontecem necessariamente ao mesmo tempo, na mesma sequência ou com a mesma constância para todos os indivíduos (Dubas et al., 2003).

Em 1974, Berger (citado por Tomovic, 1979), referia que enquanto “a era industrial promove a juvenilidade1 e o prolongamento da dependência, ela cria também uma faixa de adolescentes mais velhos e mais experientes. Estes têm um maior contacto com sexo e com drogas, um nível educacional mais elevado por comparação aos seus pais (…), a televisão traz-lhes mundos de experiências que de outra forma lhes estariam vedadas. Os jovens são deparados, não só com a ambiguidade do papel adolescente em si e com o seu prolongamento, mas também com as forças e os contextos que apelam a uma maturidade precoce. Deste modo, os adolescentes são uma população potencialmente explosiva porque a sociedade está pobremente equipada para os integrar no seu sistema estatuário” (p. 187).

De facto, como salienta Timini (2005), o processo de dar significado aos comportamentos e aos acontecimentos é modelado pelos contextos em que vivemos. Neste sentido, as sociedades diferem no que caracterizam como modelos normativos dos percursos de vida dos indivíduos que dela fazem parte, considerando alguns desses percursos de transição para o estado adulto desejáveis e outros, indesejáveis e arriscados. Neste sentido, os percursos de vida tendem a mimetizar os padrões

1

Capítulo 1. O estudo do desenvolvimento na adolescência: perspectivas teóricas e factores contextuais

estabelecidos socialmente, de acordo com o sexo e o meio de pertença social (Gierveld, 2001).

Para Dias e Vicente (1984), a adolescência enquanto fenómeno, encontra-se no limite do psicológico e do social e é a partir da interacção entre estas duas áreas que é possível a formação da identidade do adolescente. Segundo os autores, os problemas dos jovens são um espelho da patologia dominante da sociedade. E a propósito da depressão no adolescente, os autores evocam a angústia, a solidão, a morosidade, o aborrecimento, a falta de alegria como problemas sócio-culturais que se interpenetrariam com os problemas individuais, ocupando o lugar de antigas patologias. Estas questões exigiriam “à investigação psicológica uma reformulação que, levando- os em conta, pese também simultaneamente as condições patogénicas que na sociedade e na família os fizeram nascer” (p.34).

No nosso entender, contextualizar a adolescência segundo um ponto de vista psicossociológico, ou seja, integrar e compreender os comportamentos no contexto social dos indivíduos, se bem que não seja o âmbito deste trabalho, faculta uma visão mais abrangente dos problemas dos jovens e da sua integração na sociedade actual, beneficiando ainda o planeamento de programas de intervenção psicossociais.

Capítulo 1. O estudo do desenvolvimento na adolescência: perspectivas teóricas e factores contextuais

3. Os conceitos de continuidade e de descontinuidade na compreensão