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Factores Protectores Face ao Risco Psicossocial na Adolescência: O Estudo da Resiliência

2. A investigação sobre a resiliência: dos atributos individuais ao processo de resiliência

2.1. Três momentos na investigação sobre a resiliência

Richardson (2002) estabeleceu três momentos ou vagas principais na investigação sobre a resiliência. O primeiro desses momentos de estudos sobre a resiliência surgiu em resposta à questão: quais as características que marcam as pessoas que sobrevivem à

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adversidade, por comparação com aquelas que sucumbem perante as mesmas circunstâncias de risco? Dum ponto de vista histórico, este primeiro momento de estudos sobre a resiliência assistiu a uma mudança de paradigma, de uma visão centrada nos factores de risco que conduziam a problemas psicossociais nos indivíduos expostos, para uma pesquisa direccionada para a identificação dos recursos individuais que impediriam a manifestação de comportamentos negativos ou problemáticos. A premissa de resiliência passa a ser a de que as pessoas possuem forças selectivas ou competências que as ajudam a sobreviver face à adversidade (Ungar, 2005).

De acordo com esta linha de pensamento, uma grande parte da literatura sobre resiliência pretendeu descrever as qualidades resilientes internas e externas que ajudam as pessoas a lidar com, ou a recuperar, face a situações de elevado risco ou adversidade e dos sistemas de suporte que predizem o seu sucesso social e pessoal. Foram identificados como factores protectores a auto-estima, a auto-eficácia, os sistemas de suporte familiar, escolar e comunitário, os quais contribuiriam para que as pessoas ultrapassassem a adversidade.

A este respeito, um dos estudos mais referenciados foi o estudo longitudinal levado a cabo na ilha havaiana de Kauai por Werner e Smith (1977, 1982, citado por Werner & Smith, 1992). Esta investigação teve como objectivos iniciais os de documentar a evolução das gravidezes até à idade adulta e avaliar as consequências a longo termo das complicações peri-natais ocorridas. Um terceiro objectivo remetia para a avaliação dos cuidados adversos a que as crianças estariam submetidas ao longo do desenvolvimento. Foram seguidas 698 crianças tendo os dados sido recolhidos na gravidez, nascimento, no pós-parto, ao primeiro e segundos anos de vida, aos dez anos, e finalmente aos dezoito e trinta anos dos sujeitos da amostra. No grupo da população designado por alto-risco, dois

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terços apresentava problemas a nível escolar, social e de saúde mental aos 10 e aos 18 anos de idade. No entanto, um terço do grupo de alto-risco apresentava resultados favoráveis a nível académico, social e ainda, ausência de psicopatologia.

As diferenças encontradas ao nível de factores individuais e contextuais entre os dois subgrupos forneceram dados explicativos para a maior vulnerabilidade no grupo perturbado. Assim, o grupo resiliente apresentava, já na primeira infância, características individuais marcadas por um bom nível de actividade e sociabilidade, competências significativas para explorar o ambiente e para organizar uma situação de forma a ajustá-la às suas necessidades, elevada tolerância à frustração, uma notável capacidade de recuperação face a situações adversas e um sentido crescente de autonomia (Werner & Smith, 1992).

Ao nível do contexto familiar foi constatada a existência de pelo menos um adulto com quem tiveram uma relação afectiva significativa. As crianças em risco que não mostraram má adaptação, ou seja, aquelas que conseguiram manifestar competências pró- sociais e boa saúde mental, apesar de uma história de prolongada adversidade ou stresse, foram designados por Anthony (1987) como “invulneráveis”. Estes indivíduos foram descritos como sendo portadores de uma característica ou traço de personalidade que as tornavam mais competentes para ultrapassar a adversidade.

Que a acumulação de riscos produza um efeito negativo no desenvolvimento não é uma conclusão surpreendente, uma vez que, utilizando a expressão de Garbarino (2005a), “quando colocamos muitos fardos nos ombros de uma criança, o seu peso não permitirá

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que ela consiga manter-se de pé ” (p. 448)1. Por outro lado, as crianças possuem recursos diversos, internos e externos, que influenciam o seu desenvolvimento (Constantine, Benard & Diaz, 1999; Fergus & Zimmerman, 2005)2.

O segundo momento de investigação sobre a resiliência teve como objectivo prioritário, a descoberta do processo pelo qual as qualidades resilientes são adquiridas. A resiliência definiu-se então como o processo ou a forma pela qual o sujeito lida com a adversidade, com as mudanças, ou com as circunstâncias de vida, de maneira a que o resultado seja a identificação, o fortalecimento e o enriquecimento das qualidades resilientes ou dos factores protectores. Neste contexto, a resiliência é descrita como o processo de lidar com a adversidade, a mudança ou os acontecimentos negativos (Olsson et al., 2003; Richardson, 2002).

Segundo Richardson (2002), o terceiro momento de pesquisas sobre a resiliência recaiu sobre o conceito de resiliência inata, o qual consistiu na identificação multidisciplinar de forças motivacionais em indivíduos ou grupos e ainda, na criação de experiências que propiciam a activação e a utilização dessas forças. Este autor defende que, para que se possa dar o processo de reintegração de disrupções na vida, será necessário existir algum tipo de energia motivacional nos indivíduos. A resiliência é aqui descrita como uma força motivacional presente em cada indivíduo, a qual o conduz na busca de

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A afirmação original é “When we put too many burdens on a kid`s shoulders, he can`t sand up under the weight”.

2

Assets ou resources, no original. Fergus e Zimmerman (2005) diferenciam estes dois termos, considerando os assets como características internas ao indivíduo e resources como factores protectores do seu ambiente familiar ou comunitário. Como não encontramos na língua portuguesa um termo que equivalesse a estas duas definições, passamos a utilizar doravante o termo recursos, especificando-o como interno (i.e., refere-se às características do indivíduo) e externo (refere-se às características do ambiente).

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sabedoria, auto-actualização e altruísmo, de forma a estar em harmonia com uma fonte de energia de cariz espiritual.

Esta descrição das características dos sujeitos resilientes, que este autor integra numa terceira vaga face à progressão do conhecimento sobre este constructo pode, no nosso entender, ter duas leituras possíveis. Podemos percebê-la como retomando a ideia da resiliência enquanto característica marcadamente individual, isto é, que incide essencialmente nas qualidades ou atributos individuais. Por outro lado, podemos entendê-la como um constructo resultante das elaborações, dos significados ou das construções individuais, no sentido em que propõem Ungar e Teram (2000) e Ungar (2004, 2005).