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Promover a resiliência em jovens: uma abordagem centrada nos recursos

Factores Protectores Face ao Risco Psicossocial na Adolescência: O Estudo da Resiliência

4. Promover a resiliência em jovens: uma abordagem centrada nos recursos

Consoante exposto anteriormente, diversos estudos têm demonstrado que os factores protectores (também intitulados factores de resiliência ou recursos desenvolvimentais) podem prever a mudança em comportamentos relacionados com a saúde dos adolescentes ao longo do tempo (e.g. Bender & Losel, 1997; Jessor, 1995; McKinnon, O’Rourke, Thompson, & Berumen, 2004; White, Johnson, & Buyske, 2000). Em termos gerais, tais estudos mostraram a existência de uma relação inversa entre os factores protectores e o envolvimento em comportamentos problemáticos, sugerindo que os recursos desenvolvimentais parecem moderar a relação entre o risco e a manifestação dos problemas de comportamento.

Uma questão importante é a de que importa não só perceber das circunstâncias de risco em que vive a criança, mas também quais os recursos disponíveis para superar esses riscos. De facto, uma grande parte dos estudos longitudinais conduzidos com populações de risco têm concluído que os recursos protectores têm uma maior influência sobre o desenvolvimento dos indivíduos do que os factores de risco por si (Garmezy, 1996; Olsson, 2003). Estes resultados têm de ser considerados no planeamento de intervenções. É pois importante que as investigações possam fornecer informações que sejam úteis no planeamento de intervenções mais eficazes para a promoção da saúde mental e de bem- estar na adolescência.

Capítulo 3. Factores protectores face ao risco psicossocial na adolescência: O estudo da resiliência

A maioria das intervenções tem procurado centrar-se num dos seguintes recursos protectores: recursos de nível individual, recursos de nível familiar ou recursos de nível social ou comunitário (Constantine et al., 1999; Olsson et al., 2003).

A intervenção ao nível individual pode ter uma finalidade preventiva, procurando desenvolver as competências pessoais que preparem os adolescentes para riscos específicos (como sejam o uso de substâncias). No entanto, consoante refere Olsson e colaboradores (2003), os recursos internos são construídos como resposta à crise, muitas vezes no contexto de uma relação dual (por exemplo psicoterapêutica, ou com um adulto de referência). Isto é, se as pessoas aprendem competências adaptativas não tanto através da instrução mas através da experiência então, não é sustentável a crença de que os jovens são protegidos se forem impedidos de se exporem às circunstâncias de vida potencialmente adversas, ou seja, evitando a sua exposição às complexidades e às dificuldades quotidianas. Por outro lado, consoante argumentam os autores, temos de ter em atenção que, na pretensão de fornecer recursos aos jovens, uma interpretação simplista do conceito de exposição ao risco levará ao delineamento de formas de intervenção também elas simplistas. De facto, a exposição à adversidade não é garante de diminuição de vulnerabilidades ou de incremento de resiliência. Se a super-protecção de um jovem não contribui para o desenvolvimento de resiliência, demasiada exposição, ou exposição desfasada no curso do desenvolvimento, pode simplesmente potenciar os riscos e comprometer o desenvolvimento da resiliência (Olsson et al., 2003). Além do mais, estabelecer uma relação directa entre a adversidade e a resiliência erra por ignorar o

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impacto provável dos efeitos atenuantes (i.e., mecanismos protectores) e advém de uma noção demasiado simplista dos factores que participam na construção da resiliência.

Wolff (1995) refere que devemos colocar a hipótese da resiliência ser grandemente determinada pela maneira como os jovens percebem a sua capacidade para lidar com situações de risco. Rutter (1999) por sua vez, salienta a necessidade dos terapeutas terem em atenção as formas como os diferentes factores de risco interagem, em avaliarem as diferenças individuais na susceptibilidade, em considerar em que medida determinados factores de risco influenciam o indivíduo. Neste sentido, os terapeutas deverão tomar em consideração a importância dos padrões de interacção dentro e fora do contexto familiar (por exemplo, o papel do grupo de pares), assim como as características individuais no desenvolvimento de reacções positivas e negativas em cadeia. Deverão ainda prestar atenção às formas como os indivíduos elaboram as suas próprias experiências.

A importância da vinculação pais-filhos no desenvolvimento das crianças e dos adolescentes é um tema recorrente na literatura8. De igual forma, o afecto parental, o encorajamento e a assistência, a coesão e o cuidado dentro da família ou uma relação próxima com um adulto significativo, estão associados com a resiliência nos jovens, como mostram os estudos sobre a relação entre os factores de risco familiares e os resultados desenvolvimentais negativos9.

Colocando-se numa perspectiva sistémica, Holleran e Waller (2003) defendem que as intervenções mais eficazes com os jovens são aquelas que apoiam as famílias, escolas e

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A este propósito, cf., capítulo 1.

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Capítulo 3. Factores protectores face ao risco psicossocial na adolescência: O estudo da resiliência

comunidades de forma a estas se transformarem em “lares psicológicos” (p.344)10, geridos por valores e crenças, que actuem em sintonia cultural. A utilização de tutores que possam agir como modelos identificatórios na comunidade será, de acordo com estes autores, a estratégia mais eficaz para lidar com os comportamentos de oposição às normas sociais, nos quais se inclui a delinquência juvenil. A este respeito, os tutores que tenham experienciado situações de vida similares estão em excelente posição para assumirem este papel.

Neste sentido, Manciaux (2003) refere que, por detrás da inversão de um percurso delinquente num adolescente, existe frequentemente na base desta mudança, um reencontro do jovem com um adulto (um professor, um educador ou um adulto na família) que estabelece com ele uma relação de confiança. O autor chama a este acontecimento “o reencontro com um tutor de resiliência”, que só mais tarde será identificado como decisivo. Entre os factores individuais protectores, Manciaux (2003) aponta a capacidade em estabelecer vínculos estáveis, em dar sentido aos acontecimentos, o incremento da auto- estima, o sentido de humor. Existem, no entanto, grandes diferenças individuais e também variações ao longo do tempo no mesmo sujeito. Riscos e protecção interagem num equilíbrio instável, dinâmico, próprio de cada pessoa, em cada momento da vida. A resiliência não se adquire de uma vez por todas como uma garantia para a vida, uma vez se trata de um percurso longo em que os acontecimentos negativos podem desestabilizar um sujeito outrora resiliente.

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Capítulo 3. Factores protectores face ao risco psicossocial na adolescência: O estudo da resiliência

A intervenção centrada a nível do contexto escolar representa uma outra dimensão de promoção da resiliência em adolescentes. Os adolescentes, especialmente nas sociedades desenvolvidas, passam cerca de um terço dos seus dias na escola. Isto torna a escola um contexto ou sistema importante no desenvolvimento de recursos, não só de nível individual (i.e., ao proporcionar um ambiente no qual se possa desenvolver as competências individuais, elevar a auto-estima, etc.), mas também podendo propiciar um ambiente securizante, protector face a outras formas de adversidade, no sentido em que, as experiências positivas com os pares, com os professores e as oportunidades para desenvolver competências e ser bem sucedido (em áreas que não exclusivamente académicas) estão positivamente relacionadas com a resiliência adolescente (Glover, Burns, Butler & Patton, 1998; Patton et al., 2000).

O ambiente social da zona residencial, da região e do país pode ter também um papel importante no desenvolvimento psicossocial. Deste modo, os recursos sócio- económicos são, como foi já anteriormente referido, quer um factor de vulnerabilidade, quer um factor de resiliência. Estes estão relacionados com a classe social, a etnia e o género, devendo ser o foco do desenvolvimento das políticas sociais centradas na justiça social e na igualdade. Comunidades suportivas e não punitivas podem ter um papel importante na promoção de resiliência nos jovens (Ingoldsby & Shaw, 2002; Olsson et al., 2003).

Em nosso entender, os estudos que se têm vindo a desenvolver sobre as questões do risco e da resiliência representam, não só um interesse científico acrescido pelas questões

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da protecção das crianças mas, de algum modo, uma crença renovada nas capacidades individuais de luta ou de resistência contra a adversidade. Um tal entusiasmo veio, na nossa opinião, acompanhado de alguns perigos, nomeadamente, uma tendência para uma visão simplista face aos problemas e aos dramas humanos. Colocou-se, desta forma, à comunidade científica e aos técnicos “no terreno” algumas questões éticas face ao surgimento de definições de resiliência, enquanto atributo individual marcadamente interno, como se de uma característica genética, determinística ou determinante se tratasse.

Não obstante, é consensual que as investigações sobre as questões da resistência face às adversidades e das capacidades de as ultrapassar, são um campo profícuo quer para o incremento nos conhecimentos sobre os percursos desenvolvimentais, quer sobre as abordagens em populações ou em indivíduos expostos ao risco. Assim, após um primeiro momento de êxtase face às capacidades surpreendentes de superação ou de recuperação relativamente aos contextos de risco que algumas pessoas apresentam, encontramos uma linha de pensamento em que predomina o reconhecimento da existência de diversos factores de risco extremos (e.g., sócio-demográficos e económicos, ser vítima continuada de maus-tratos psicológicos ou físicos, provir de uma minoria étnica, viver em contexto de guerra, etc.) que implicam a desprotecção das crianças e dos adolescentes. Como referiu Garbarino (2005b) “em situações de ameaças graves, experienciadas em ambientes hostis, nenhuma criança escapa sem marcas, mesmo se tem um bom equipamento emocional” (p. xi).

Capítulo 4

Comportamento Anti-social na Adolescência: Do Risco