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CAMPESINA NA AMÉRICA DO SUL

CAPÍTULO 04 TERRITORIALIZAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E

4.2 Organização e Consciência: aproximações aos conceitos de Antonio Gramsc

4.2.2 O Estado e a Sociedade Civil

4.2.2.2 A aliança estratégica operário-camponesa

A unidade entre os camponeses do sul e os operários do norte, desde a sociedade civil e de maneira territorial seria condição fundamental para construir a hegemonia dos trabalhadores e lutar contra a dominação do capital. Por isso seria uma aliança de caráter estratégico, e deveria ser levado em conta pelo instrumento organizativo, o partido. Entretanto, o partido poderia cometer graves desvios se interpretasse o governo operário- camponês, como mera palavra de ordem vinculada à determinada fase da luta pelo poder, e em consequência disso, que o problema do Estado fosse resolvido no interesse somente da

classe operária. Este tema é trabalhado nas Teses de Lyon, onde o tema da aliança operário- camponesa é reproposto. Esta aliança é núcleo essencial do bloco histórico.

Para o autor, a questão camponesa na Itália não é a questão camponesa em geral, tem suas peculiaridades decorrentes de determinado desenvolvimento do capital no país. Sobre isso, Gramsci afirma:

Nos países ainda atrasados do ponto de vista capitalista, como Rússia, Itália, França, e a Espanha existem uma nítida separação entre a cidade e o campo, entre os operários e os camponeses. Na agricultura, sobreviveram formas econômicas nitidamente feudais, com uma psicologia correspondente [...]. Na realidade, a grande propriedade agrária se manteve fora da livre concorrência: e o Estado moderno respeitou sua essência feudal, excogitando formulas jurídicas, [...]. Por isso, a mentalidade do camponês continuou a ser a do servo da gleba, que se revolta violentamente contra os senhores em determinadas ocasiões, mas é incapaz de pensar a si mesmo como membro de uma coletividade [...] e de desenvolver uma ação sistemática e permanente no sentido de mudar as relações econômicas e políticas de convivência social. (GRAMSCI, 1987, p. 69-70)

Para o autor, as condições históricas da Itália não eram muito diferentes das condições russas. O problema da unificação dos operários e camponeses apresentava-se nos mesmos termos: a construção do estado socialista era fundada numa nova psicologia criada pela vida comum nas mesmas trincheiras, ou seja, os “operários fabris e os camponeses pobres” eram as “duas energias da revolução proletária”. (GRAMSCI, 1987, p. 72). No exemplo da experiência na Rússia, os sovietes em Petrogrado e Moscou tinham a participação de militantes camponeses, e nesta convivência adquiriram consciência da unidade da classe trabalhadora (GRAMSCI, 1987, p. 71).

Analisando a sociedade meridional na Itália, Gramsci identifica nela um grande bloco agrário constituído por três estratos sociais: “a grande massa camponesa, amorfa e desagregada; os intelectuais da pequena e média burguesia rural; os grandes proprietários de terra e os grandes intelectuais”. Os camponeses meridionais estariam em constante efervescência como massa, mas seriam incapazes de dar uma “expressão centralizada às suas aspirações e necessidades” (GRAMSCI, 1987, p. 35-36). Neste sentido, os operários fabris, tinham a tarefa histórica de suscitar no campo “instituições de camponeses pobres” sobre os quais um futuro Estado socialista promovesse uma transformação agrária, desde a implantação de maquinários e novas tecnologias. (GRAMSCI, 1987, p. 74). Para o autor a unidade operário-camponesa deveria ser encabeçada pela classe operária que teria a função de romper, juntamente com o camponês, com o corporativismo agrário. A libertação do camponês aparece atrelada à vitória dos operários.

Na Itália, o proletariado, emancipando a si mesmo, emanciparia as massas camponesas meridionais subjugadas pelo industrialismo parasitário e pelos bancos. A emancipação dos camponeses, neste sentido, não deveria ser buscada na divisão de terras mal cultivadas, mas na solidariedade com o proletário industrial, que por sua vez tem interesse em que o capitalismo num estado socialista não renascesse através da propriedade fundiária. O apoio dos operários aos camponeses e sua luta contra a miséria estava na instituição de cooperativas, em obras públicas de saneamento e irrigação, e no aumento da produção.

A palavra de ordem “a terra para os camponeses” deve ser entendida pelo controle dos operários agrícolas e conselhos de camponeses pobres das áreas de produção. Os operários agrícolas, os camponeses pobres revolucionários e os socialistas conscientes não deveriam conceber útil aos seus interesses a distribuição de terras incultas. Essa propaganda não aponta de maneira nenhuma as dificuldades da vida do camponês após a distribuição das terras incultas como, por exemplo: a falta de maquinário, sem habitação, sem água, sem crédito para preparar a produção e a colheita. Uma distribuição de terras mal cultivadas num primeiro momento poderia sanar os instintos de proprietário, mataria “sua primitiva fome de terra”, mas logo em seguida não teria condições de viabilizar as sementes, os adubos e os instrumentos de trabalho.

[...] A questão dos camponeses e o problema das ‘formas’ estão estreitamente unidos. É sobre. É sobre esse ponto que se funda a polemica entre os intransigentes e os oportunistas. A luta de classe ainda não assumiu formas difusa e conscientemente orgânicas no campo; é certo que a revolução proletária não ingressara em sua forma resolutiva enquanto a classe dos camponeses pobres e dos pequenos proprietários não tiver separado violentamente dos partidos políticos de coalizão camponesa. (GRAMSCI, 1987, p. 81)

A tarefa do partido em relação aos camponeses é inicialmente distinguir os agrupamentos fundamentais das massas camponeses, e para cada um deles encontrar posicionamento e soluções políticas. No caso da sociedade italiana, Gramsci analisa que são quatro os agrupamentos. Um deles está estreitamente ligado à questão nacional. Outro, os camponeses vinculados ao partido dos camponeses. E os dois últimos agrupamentos, os que são necessitam de maior atenção do partido, a massa de camponeses católicos e a massa dos camponeses da Itália meridional e suas ilhas. A estes dois últimos, a linha do partido era de que sua tarefa deveria ser a de explicar os conflitos que nascem no terreno da religião como derivados do conflito de classes. Essas massas camponesas deveriam ser inseridas na luta anticapitalista, pois da sociedade meridional italiana, são as classes mais revolucionárias e encontram-se enquadradas pelo controle da sociedade burguesa.

Para obter estes resultados o partido necessitaria desenvolver um intenso trabalho de propaganda, inclusive no interior da própria organização para “dar a todos os companheiros uma consciência exata dos termos da questão”. O proletariado deveria fazer sua esta orientação para dar-lhe eficácia política. “Nenhuma ação de massa é possível se a massa mesmo não está convencida dos fins que deseja atingir e dos métodos a aplicar”. E o proletariado, para governar como classe, deve se despojar de todo o resíduo corporativo e de “todo preconceito ou incrustação sindicalista”. É necessário superar as distinções existentes entre as profissões (o metalúrgico, o carpinteiro, o operário da construção civil), conquistando a confiança dos camponeses e algumas “categorias semiproletárias da cidade”. Deve pensar como proletário e não mais desde sua profissão, pensar como “membros de uma classe que tende a dirigir os camponeses e os intelectuais, de uma classe que só pode vencer e construir o socialismo se auxiliada e seguida pela grande maioria daqueles estratos sociais”. (GRAMSCI, 1987, p. 138 e 146).

Se o corporativismo de proletariado não for superado, ele perderia sua posição de dirigente e guia, podendo inclusive aparecer para as massas operárias mais pobres como um privilégio, e aos camponeses como um explorador ao estilo dos burgueses, pois a burguesia apresenta o núcleo operário privilegiado como a única “causa dos males e da miséria dos camponeses” (GRAMSCI, 1987, p.152). A estratégica aliança operário-camponesa não vingaria.