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CAMPESINA NA AMÉRICA DO SUL

3.3 Escolas e Institutos de formação política profissional em agroecologia:

3.3.1 Escola Latino-americana de Agroecologia – ELAA

A Escola Latino-Americana de Agroecologia (ELAA) está localizada no assentamento Contestado do MST, no Município da Lapa, Paraná. Com uma área de aproximadamente 3000 ha, o assentamento contempla a moradia de 108 famílias desde 1999. A estrutura destinada à Escola tem atualmente uma capacidade para 200 pessoas.

Inaugurada em 27 de agosto de 2005, surge por ocasião do V Fórum Social Mundial realizado em Porto Alegre, no Estado do Rio Grande do Sul, mês de janeiro. Nesta ocasião reuniram-se representantes do Governo da República Bolivariana da Venezuela, do Governo do Estado do Paraná, da Universidade Federal do Paraná e dirigentes da Via Campesina Brasil e internacional assinando um protocolo de intenções para o desenvolvimento de diferentes atividades de cooperação técnica no âmbito da soberania alimentar.

A escola edificada num contexto de ser um instrumento da própria classe trabalhadora oferece o curso de Tecnologia em Agroecologia, através de uma parceria com o Instituto Federal do Paraná, que garante a certificação e o reconhecimento formal do curso68, a Universidade Federal do Paraná (UFPR), e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA.

Segundo reportagem publicada na página do INCRA69, no dia 30 de setembro de 2008, por ocasião de comemoração dos três anos de ELAA: “[...] ‘A construção da ELAA tem sido fundamental para fortalecer a articulação da Via Campesina na América Latina, preparando jovens de vários movimentos socais para atuar nas comunidades onde vivem’, afirma José Maria Tardin, da equipe pedagógica da escola”. Ainda segundo José Tardim num depoimento audiovisual70 para uma reportagem do Programa Movimento, do Cefuria:

A Escola latino-americana é de agroecologia. Isso é uma diferença importante que devemos destacar. Então ela é a primeira escola técnica de nível acadêmico, universitário, para formar jovens na agrecologia. Ela é uma escola criada e mantida pela luta, pelo esforço, pela organização dos movimentos sociais do campo articulados na Via Campesina. Então ela é uma escola totalmente direcionada para formar no campo da educação em agroecologia, jovens oriundos de famílias camponesas, sejam dos assentamentos ou dos acampamentos, ou das comunidades tradicionais de todos os estados do Brasil. (CEFURIA, 2008, aos 01:55 min). A Escola tem como base alguns princípios filosófico–pedagógicos que norteiam sua prática cotidiana, estes foram baseados em experiências de outras escolas organizadas e coordenadas pelos movimentos sociais como, por exemplo, o Instituto Josué de Castro. Como princípios filosóficos: educação para transformação social, educação para o trabalho e a cooperação, educação para as varias dimensões do ser humano, para os valores humanistas e socialistas, educação como processo permanente de formação e transformação humana.

Quanto aos princípios pedagógicos, estão em linha de frente: o vínculo teoria e prática, a combinação entre a formação politica-profissional, a realidade como base da produção de conhecimentos, o vínculo orgânico entre processos educativos e econômicos, o vinculo orgânico entre educação e cultura, a gestão democrática e a auto-organização dos educandos/as.

68 ESCOLA Latino-americana de agroecologia. Os 07 anos de ELAA. Disponível em: <http://escolalatinoamericanadeagroecologia.blogspot.com.br/search/label/videos>. Acesso em março de 2013.

69 INCRA. Escola Latino-americana de Agroecologia completa 3 anos. 30 de setembro de 2008. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/index.php/noticias-sala-de-imprensa/noticias/2055-escola-latino-americana-de- agroecologia-completa-tras-anos> . Acesso em março de 2013.

70 CEFURIA. 3 Anos e Escola Latino Americana de Agroecologia – ELAA. Programa Movimento. 10 de setembro de 2008. Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=w4aIMGlk554&feature=youtu.be>. Acesso em março de 2013.

Com o objetivo geral de formar jovens de nível superior com condições de contribuir na produção agroecológica nas comunidades camponesas, indígenas e afrodescendentes, através da dos movimentos sociais do campo, a escola pretende contribuir para a elevação do nível cultural e cientifico dos educandos através atividades concretas político-organizativo- produtivas, por exemplo, o banco de sementes e construção de novas tecnologias agrícolas que respeitem o ambiente. Analisar e propor transformações da realidade socioeconômica ambiental, compreender a dinâmica da produção camponesa, assim como da metodologia de trabalho popular vinculada à produção de agrossistemas fundados na agroecologia são características que se pretendem alcançar na formação do perfil do educando/a deste curso: militantes técnico-educadores de agroecologia.

Já foram concluídas duas turmas. A primeira com 22 militantes se formou numa Jornada Nacional de Agroecologia que ocorreu em 2009 em Francisco Beltrão, junto a cerca de 4 mil camponeses da Via Campesina, a turma se chamava Mata Atlântica. Participaram somente da primeira etapa militantes de organizações sociais da Venezuela, e concluíram o curso somente dois paraguaios. Essa primeira turma começou com 90 militantes. A segunda começou com 60 militantes e terminou com 37 educandos/militantes que se formaram em abril de 2010 num ATP na própria escola. Chamava-se turma resistência camponesa. Todos ligados aos movimentos sociais do campo do Brasil e Paraguai. A terceira turma iniciou em fevereiro de 2010 com 70 educandos de 12 organizações e 6 países. Encontra-se hoje com 52 educandos, militantes de organizações sociais da Via Campesina Internacional do Brasil, Paraguai, Colômbia, Equador, e República Dominicana. Previsão de formatura: novembro de 2013.

O projeto político-pedagógico da escola esta enraizada em práticas que possibilitem a juventude do campo trabalhar e estudar. O método da alternância, ou seja, período escola, período comunidade acontece aproximadamente de 75 dias e 90 dias respectivamente. Assim, a cada 90 dias a militância que está fazendo o curso se encontra nas dependências da escola para avaliar as atividades desenvolvidas a campo (tempo comunidade), estudar disciplinas do curso, realizar investigações, e trabalhos na escola.

Ou seja, nos momentos de tempo comunidade, os educandos estão vinculados diretamente à prática de produção agroecologica desde os territórios de onde vivem. Uma observação referente aos educandos internacionalistas, é que estes para não necessitarem deslocar-se de país a cada 75 dias, realizam na grande maioria práticas produtivo- organizativas no próprio assentamento e/ou áreas de assentamentos e acampamentos do MST

no próprio estado. Este momento é coordenado e acompanhado por educadores, coordenação pedagógica, dirigentes dos movimentos sociais dos locais onde se estabelecem estas práticas.

Já o tempo escola é organizado através de diferentes momentos pedagógicos como tempo aula, tempo leitura, tempo trabalho, tempo unidade camponesa e agroecologia, tempo socialização de experiências e tempo esporte e cultura. Através destes tempos, perpassa a coletividade e a organicidade funcionando através dos núcleos de base, coordenação dos núcleos de bases de onde são escolhidos dois representantes para participar da coordenação executiva da escola, equipes de trabalho como, por exemplo, de saúde, comunicação e cultura, relatoria, etc. Cada educando também participa, no tempo escola de um setor de trabalho da escola. São eles: pedagógico, administrativo, infraestrutura, produção e cozinha/refeitório, onde contribuem para a construção e consolidação da própria escola, um ambiente educativo inclusive neste sentido.

De acordo com reportagem de cobertura do Brasil de Fato71, identificada Educando

para a Libertação de Camila Hoshino, realizada em 13 de julho de 2012:

O projeto político e econômico da agroecologia exige uma educação camponesa que vá além das paredes da escola, possibilitando uma reflexão a partir do diálogo com elementos da realidade. O objetivo desse processo pedagógico, orientado pelas bases libertadoras de Paulo Freire, é que o educando alcance o potencial do que José Maria Tardin classifica como ‘militante-técnico-pedagogo em agroecologia’. Dessa forma, é possível que os jovens se tornem protagonistas do resgate da cultura e dos valores junto à comunidade e sua organização social. (HOSHINO, 2012, não paginado) Integrante do setor pedagógico da Escola Latino Americana de Agroecologia, Tardin explica que devemos pensar o educando como militante, uma vez que ele está comprometido com sua organização, com sua classe e possuiu a responsabilidade de atuar tecnicamente junto às famílias camponesas, promovendo a consolidação da transição para o modelo agroecológico. ‘[...] pensá-lo como pedagogo significa entender que ele não está sendo formado em uma escola técnica ou universidade tradicional que promove, direta ou indiretamente, a invasão cultural do capital sobre o campesinato, mas está problematizando sua realidade e elevando seu protagonismo político e social’, [...]. (HOSHINO, 2012, não paginado).

O estudo está fundado na relação entre o conhecimento científico e a sabedoria popular, e se expressa nos momentos de estudo em classe, nos trabalhos de campo, nos trabalhos de base e nas investigações.

Os conteúdos estudados estão conformados em cinco grandes áreas de conhecimento que estão presentes nos diferentes módulos:

71 HOSHINO, Camila. Brasil de fato. Educando para a Libertação. Postado em 13 de julho de 2012. Disponível em: <http://www.brasildefato.com.br/node/10092>. Acesso em março de 2013

a. Ciências Básicas: matemática, física, química, biologia, português, espanhol;

b. Ciências Humanas: filosofia, história geral, historia da América Latina, economia política, geografia, sociologia, psicologia, teoria pedagógica, educação para a cooperação;

c. Produção Vegetal: Diálogo de saberes, princípios da agroecologia, solos, ecologia, botânica, bioquímica, fisiologia vegetal, climatologia, cultivos agroecológicos, plantas forrageiras, topografia, balanceamento energético;

d. Produção animal: anatomia e fisiologia animal, apicultura, nutrição animal, genética básica, melhoramento, genética animal, sanidade, PRV, criação intensiva e integrada; e. Gestão: bioconstruções, máquinas agrícolas, tecnologia de processamento de

alimentos, administração, economia e mercado, projetos.

Os processos de avaliação dos educandos ocorrem em sala de aula, no campo, nos setores de trabalho, na vivencia social (avaliada através dos núcleos em processos de crítica e autocrítica), e ao final de cada tempo comunidade. Como desafios permanecem o avanço da estrutura física da escola, como construção de laboratórios, salas de aula, etc., e a organização de um coletivo de educadores e educadoras que contribua de maneira mais efetiva na escola. A escola também está preparando uma revista interna de experiências pedagógico-produtivas, realizadas no e pelo ELAA. A mesma ainda não se encontra em circulação. A escola realiza também eventos e encontros com camponeses a respeito de temas pertinentes à concepção agroecológica, como por exemplo, o tema da permacultura.

A Ciranda Infantil Curipira é outro componente da escola fundamental para possibilitar condições aos pais e mães que são educandos ou que trabalham na escola em alguma função. Um espaço de educação infantil, dentro das dependências da escola que trabalha a temática da terra, do alimento e da agroecologia desde a infância.

Segundo reportagem72 de 24 de maio de 2010, em depoimentos de Priscila Facina analisa o significado da escola como espaço de intercâmbio, assim como a origem da construção de primeiro curso em agroecologia de nível superior, aos quais transcrevemos abaixo.

72 NÓRCIO, Lucia. Agencia Brasil. Escola Latino-americana de Agroecologia leva novas técnicas a pequenos produtores e incentiva intercambio cultural. In: Ecodebate. Publicada em 24 de 05 de 2010. Disponível em: instituto humanitas unisino: <http://www.ihu.unisinos.br/noticias/noticias-arquivadas/32736-escola-latino- americana-de-agroecologia-leva-novas-tecnicas-a-pequenos-produtores-e-incentiva-intercambio-cultural>

‘É um espaço também de intercâmbio de culturas e saberes. A maior dificuldade inicialmente é o idioma. [...]’, disse Priscila Facina, da coordenação pedagógica da escola, em entrevista à Agência Brasil. Ela lembra que foi no Paraná que surgiu o primeiro curso superior de agroecologia (NÓRCIO, 2010, não paginado).

Ainda na reportagem, mencionam-se depoimentos de dois educandos a respeito da importância do curso, da escola para sua militância. Um destes educandos, Leonel dos Santos, afirma que “[...] Estamos aprendendo uma nova matriz tecnológica para levar aos companheiros campesinos”. Já Luiz Coicue, de uma reserva indígena da Colômbia diz: “[...] que sua comunidade aguarda com ansiedade as novidades que ele levará da escola. Ainda fazemos agricultura artesanal e agora vou levar tecnologia para a comunidade [...]”.