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Consequências da hegemonia do Capital no Campo: Territorialização e desterritorialização

CAPÍTULO 01 TERRITORIALIZAÇÃO DO CAPITAL NO

1.3 Consequências da hegemonia do Capital no Campo: Territorialização e desterritorialização

Como consequências desta territorialização hegemônica do capital são nitidamente visíveis os impactos sócio-ambientais com bruscas alterações de ecossistemas. Podemos citar o aumento da concentração de terras; o alto desmatamento em regiões de florestas com expansão pecuária em áreas de reserva e possivelmente com posterior produção de celulose; a diminuição da biodiversidade; o aumento de concorrência por áreas férteis e logisticamente bem localizadas, no ímpeto de extrair-se maior renda da terra.

Esta hegemonia do agronegócio no campo, se territorializa de diferentes formas construindo, destruindo e reconstruindo no ímpeto de manter sua dominação e superar suas diferentes expressões de crise. O fato de impulsionar o trabalho assalariado desde as grandes processadoras dos produtos agrícolas, de integrar comunidades inteiras ao processo produtivo de alguma empresa (por exemplo, no caso da produção de leite e carnes), acaba também subordinando e subsumetendo à sua lógica a agricultura camponesa e outras formas não capitalistas de produção (indígenas, quilombolas, etc.).

Sobre a crescente desterritorialização dos povos do campo e destruição da agricultura campesina, François Houtart afirma que:

Hemos asistido los últimos 40 anos una aceleración de la destruición de la agricultura campesina en la que han intervenido muchos factores. El uso de la tierra para actividades agrícolas ha disminuido ante la rápida urbanización e industrialización. Por lo tanto, la población rural ha disminuido de forma relativa. En el año de 1970 había 2400 millones de personas en las zonas rurales frente a 1300 millones en las urbanas. En 2009, eran 3200 millones frente a 3500 millones, respectivamente” […]. “Al mismo tiempo la adopción de tipos de agricultura basadas en el monocultivo ha provocado enorme concentración de tierras, una verdadera contrarreforma agraria, que se ha visto acelerada en estos últimos años por el nuevo fenómeno de apropiación de tierras, estimado entre los 30 y los 40 millones de hectáreas en los continentes del hemisferio sur, con 20 millones en África solamente. (HOUTART In ACOSTA, 2011, p. 158).

Conforme o autor, outros fatores que possibilitam destruição da agricultura campesina são os monocultivos, a introdução de defensivos químicos e organismos geneticamente modificados, que assim como a apropriação das sementes pelas empresas transnacionais, fortalecem um modelo produtivista de agricultura e acumulação de capital. “La agricultura se convierte una nueva frontera del capitalismo, especialmente con la caída de la rentabilidad del capital productivo y la crisis del capital financiero”. (HOUTART In ACOSTA, et all, 2011, p.162).

O capital produz a lógica da descartabilidade e do consumo exacerbado, produzindo inclusive a necessidade artificial para estimular o consumo de mercadorias. No caso do campo estas questões podem nitidamente ser visualizadas (desde os diferentes dados já mencionados), na apropriação dos recursos naturais como a água27, na mineração (base da indústria bélica e de eletrônicos), e nos monocultivos para agrocombustíveis, celulose e soja.

Em tempos que apontam uma grave crise estrutural do sistema capitalista, muitos são os mecanismos que buscam amenizar ou reverter suas consequências, se reconfigurando numa re-territorialização de dominação que envolve aspectos econômicos, militares, ideológicos e culturais. Essa premissa foi nos últimos anos se aprimorando, conforme aponta Ceceña (2007), com os acordos de livre comércio na América Latina28, os já mencionados megaprojetos de infraestrutura integrada para transporte de produtos, de modos que diminua o custo e acelere a circulação29, e, a constituição e ampliação do número de bases militares estadunidenses no continente latino americano com a finalidade de reprimir, vigiar e controlar os possíveis levantes e insurgências em contraposição ao desenvolvimento do capital. Entretanto há diferentes resistências camponesas e dos povos do campo, um exemplo destas resistências está sendo levado a cabo pela Via Campesina.

Estes aspectos nos remetem à necessidade de refletir sobre as formas de organização da produção camponesa e do trabalho na América do Sul, região a qual se foca o tema desta pesquisa. Esta questão está vinculada aos conceitos de trabalho-classe-consciência na dinâmica da luta de classes no campo, conceitos estes que de uma forma ou de outra estão relacionados intrinsecamente.

É o trabalho, ou força de trabalho como mercadoria, que é o motor do sistema. Esta, sob a “gerência territorial” do capital, é dinamizada numa “plasticidade” ampla e sem precedentes, movendo-se e instalando-se nas mais diferentes formas. No caso do campo, pode expressar-se na forma de trabalho assalariado (na colheita, preparo da terra ou trabalho em agroindústrias, etc.), ou na subsunção de formas de trabalho camponês, familiar ou comunitário à sua gestão (inclusive impondo ou introduzindo sutilmente o que o pequeno produtor deve plantar para o “satisfazer o mercado”). E mesmo na subsunção quase

27 Ver filme La Guerra del Água.

28 Como Tratado de Livre Comercio na América do Norte (TLCAN), Plan Colombia, Plan Puebla-Panamá, Tratado de Livre Comercio de Centro-América e República Dominicana (CAFTA-RD).

naturalizada do trabalho ao capital produzindo alienação e estranhamento30, reside também no

trabalho toda a potencialidade da emancipação humana.

A subsunção de formas não capitalistas de produção ao capital que citamos acima não é a única forma de subsunção. Poderíamos citar outro exemplo que é o trabalho doméstico da mulher31 como um trabalho não produz diretamente mercadoria com extração de

mais valia, mas é realizado para manter e reproduzir a força de trabalho assalariada, ou seja, um trabalho subsumido ao trabalho assalariado, submetido à lógica de produção e reprodução social da força de trabalho comprada pelo capitalista. No campo, o trabalho doméstico inclui além do cuidado com a casa, as crianças e os idosos, também a produção de hortaliças, raízes e pequenos animais para subsistência da família.

Este debate remete indubitavelmente à discussão da conformação das classes sociais no campo. Neste campo há muito debate realizado e muito ainda a ser feito32. Somente para situar de maneira breve este tema, menciona-se aqui duas questões que permearam e ainda permeiam os debates na esquerda: Seria então o camponês uma classe, ou parte da classe universal trabalhadora? O camponês pode ser considerado um sujeito revolucionário na luta pela transformação social? Ou seja, com potencial de impulsionar a destruição da forma de produção capitalista? Esta questão permeou a construção de diferentes lutas e de diferentes táticas e estratégias na luta pela transformação social.

Neste debate, concordamos com o posicionamento de Thomaz Junior que entende “o campesinato como integrante da classe trabalhadora”33 completamente submerso no

metabolismo social do capital que expropria e subjulga sob sua égide. Em se tratando de classe social, podemos apontar alguns indícios para sua definição, que desde a concepção marxiniana, está instrinsicamente vinculada ao trabalho, à posição nas relações sociais de produção, à propriedade privada dos meios de produção.

Entretanto, seria muito simplista analisar que a conformação de classe social se dá somente pela posição social que se ocupa na pirâmide da sociedade. Pensar classe social não é uma formula matemática onde se calcula quem tem ou não dos meios de produção e daí automaticamente se forjam as classes que vão lutar entre si. Estes elementos são fundamentais como afirmado acima, porém não são os únicos. Uma classe social, por si só, não se reconhece como tal de maneira mecânica e automática, ela se efetiva na medida em que vai

30 Conforme reflexões realizadas por Jesus Ranieri em seu texto: A atualidade da categoria estranhamento e o seu lugar na forma contemporânea de exploração do trabalho pelo capital.

31 Não nos referimos aqui ao trabalho de diaristas ou domésticas.

32 De maneira breve, apontamos alguns elementos deste debate. Pretendemos em outros estudos posteriores aprofundar este tema.

tomando consciência de si mesma, de seus limites e potencialidades em relação à classe oposta através da luta, assim sendo, o conceito de classe é indissociável da luta de classes.

Para Thompson (1977), classe é uma categoria histórica, e, portanto implica um largo processo para forjar-se como tal. Subentendemos parte deste processo inclusive as próprias lutas particulares ou corporativas e sindicais com vistas à resolução de um problema específico, por exemplo, problema da terra, o problema dos salários, o problema de habitação, etc.

Quando digo que classe e consciência de classe são sempre o último estágio de um processo real, naturalmente não penso que isso seja tomado no sentido literal e mecânico... A questão é que não podemos falar de classes sem que as pessoas, diante de outros grupos, por meio de um processo de luta (o que compreende uma luta em nível cultural), entrem em relação e em oposição sob uma forma classista, ou ainda sem que modifiquem as relações de classe herdadas, já existentes (THOMPSON, 1977, p. 3).

Podemos afirmar que classe e a consciência de classe poderia ser a síntese de uma larga tentativa de (des) estranhamento, de (des) fragmentação das próprias identidades diversas nas quais assumem os diferentes sujeitos da classe trabalhadora, a partir da particularidade de seu trabalho, de sua função neste sistema totalitário. (Des) fragmentar as múltiplas lutas particulares que se forjam nos mais diferentes espaços e territórios de dominação do capital que atua de maneira desigual, mas sempre combinada e circunscritas na totalidade de sua dominação material e imaterial.

Quando neste trabalho propomos inscrever a Via Campesina Internacional como organização social que faz enfrentamento às consequências do capital no campo, buscamos analisar desde seu projeto estratégico de suas práticas organizativas, de suas ações que buscam unidade entre os diferentes sujeitos do campo (sejam camponeses, trabalhadores assalariados, indígenas e comunidades afrodescendentes). Esta diversidade também é marcada pelas circunstancias particulares que cada organização social vive em seu país, assim como a diversidade político- organizativa das mesmas.

CAPÍTULO 02