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CAMPESINA NA AMÉRICA DO SUL

3.1 Cursos livres ou informais e atividades de formação política:

3.1.1 Curso para militantes de base da região cone sul (itinerante):

O Curso para Militantes de Base Cone Sul surgiu no ano de 1998 tendo como objetivo principal capacitar militantes de base para o fortalecimento da unidade na luta pela transformação social, avaliando suas práticas, intercambiando experiências de formação, de

46 A descrição de cada curso, atividade ou escola se deu a partir da quantidade e do nível de informação disponível e sistematizada em documentos, entrevistas, vídeos, declarações, etc., sobre as mesmas. Neste sentido, algumas destas experiências encontram-se pouco mais detalhadas que outras.

produção e cooperação agrícola, experiências históricas, culturais e políticas de suas organizações e países, e estudando temas pertinentes aos mesmos.

Os primeiros passos deste curso foi um intercâmbio realizado entre Brasil e Paraguai desde uma articulação do Movimento dos Trabalhadores sem terra - MST no estado do Mato Grosso do Sul com movimentos do Paraguai. Neste período havia uma forte discussão sobre os chamados “brasiguaios”, trabalhadores brasileiros que iam procurar emprego no campo Paraguaio, ou vice versa. Era necessário aprofundar as reflexões sobre este assunto assim como estreitar a relação com os movimentos sociais campesinos do Paraguai, em especial, neste momento, com o Movimento Campesino Paraguaio – MCP.

Estes passos foram inicialmente levados por um grupo de militantes do MST, mas com o decorrer do tempo veio necessidade de envolver outros países da região na discussão dos problemas comuns dos camponeses do Paraguai, do Brasil, Argentina, Chile, Uruguai. Neste mesmo período vai se constituindo a articulação da Coordenadoria Latino-americana de Organizações do Campo – CLOC.

O Curso Cone Sul, inicialmente era organizado sob uma metodologia que combinava estudo e trabalho de base junto às comunidades de onde era realizado. Posteriormente foi inserido na metodologia o elemento da organicidade – a saber, uma forma de possibilitar a participação mais efetiva dos e das militantes na construção cotidiana do curso a partir de núcleos de base, equipes e coordenação geral.

Temas como historia, filosofia, economia política, questão agrária, comunicação, temas organizativos, oratória e a própria linguagem estiveram presentes desde o inicio. No caso da linguagem, por exemplo, as coordenações dos cursos tinham o desafio de trabalhar com camponeses que ainda não eram alfabetizados, assim como encontrar metodologias que pudessem possibilitar a comunicação entre militantes que falavam em português, espanhol, guarani47 e mapuche48.

Como afirma Albuquerque da PJR em um depoimento publicado em website de sua organização49:

47 Língua dos indígenas de etnia Guarani do sul da America do Sul. No Brasil foi praticamente extinta, entretanto, hoje uma língua muito presente em pequenas comunidades no Paraguai. Inclusive com diversas escolas que trabalham a alfabetização bilíngue (guarani e espanhol).

48 Mapuche significa na língua mapudungun gente da terra. Língua dos povos indígenas localizadas na região centro-sul do Chile e no sudoeste da Argentina, o povo mapuche.

49 ALBUQUERQUE. Kleitinho. Curso cone sul: uma experiência transformadora, 09.06.2012. In: PJR. Disponível em: <http://www.pjr.org.br/teste/index.php?option=com_content&view=article&id=162:curso- cone-sul-uma-experiencia-transformadora&catid=38:artigos&Itemid=58>. Acesso em: 15 de fevereiro de 2013.

As dificuldades com a língua, vista no primeiro momento desapareciam com a luz do sol de cada dia, que muitas das vezes não aparecia dando lugar ao frio. Ali sentíamos o verdadeiro espírito de companheirismo, as afinidades de realidades tão distintas e tão parecidas ao mesmo tempo, afloravam nas conversas, no fazer diário e no estudo. (ALBUQUERQUE, 2012, não paginado).

No decorrer das turmas deste curso foram inseridos outros temas relevantes para os movimentos sociais, tais como agroecologia, juventude, relações de gênero e feminismo. Como afirma Nívia Regina numa breve matéria na página do MST-RJ50 a respeito da participação das mulheres na luta: “[...] para alguns o primeiro contato mais profundo sobre o tema, permitindo trazer reflexões acerca da luta geral das mulheres, mas também o papel da mulher nos seus movimentos e organizações”.

Estas primeiras turmas eram coordenadas pelo Movimento Sem Terra, mas com o fortalecimento da CLOC – Via Campesina, passou a ser organizado, gestionado e coordenado por esta articulação internacional. Participaram nos Cursos de Militantes do Cone Sul, organizações do Brasil, Paraguai, Argentina, Chile, Equador, Bolívia, Honduras e México. Com a maior incidência de participantes de brasileiros, paraguaios e argentinos. Organizações como MOCASE, CAI, APENOC, SERCUPO, Red Puna, PORIAHU, CSUTCB, FMC, MCP, OLT, MCNOC CONAMURI, ANAMURI, Confederación Sindical El Surco, FENSUAGRO, FENOCIN, MST, PJR, CPT, MAB, MPA, e FEAB estiveram presentes em diferentes turmas. Também visitaram a experiências organizações do México (CIOAC, CNPA) e Guatemala (CONIC).

Sua característica de itinerancia também esteve presente desde o início. As duas primeiras turmas (1998 e 1999) ocorreram em Sidrolândia e Dourados no Estado do Mato Grosso do Sul, a terceira (2000) em Chapecó no Estado de Santa Catarina na primeira estrutura da Escola Nacional do Movimento Sem Terra, a quarta e quinta (2001 e 2002) turma ocorreu novamente no estado do Mato Grosso do Sul no município de Gloria de Dourados, a sexta, sétima e oitava (2003, 2004 e 2005) ocorreram no estado do Paraná, num assentamento no Município de São Miguel do Iguaçu, próximo à fronteira com Paraguai.

O ano de 2006 não foi realizado o curso por dificuldades financeiras (alimentação, passagens de participantes do curso e dos educadores). A nona turma (2007) foi realizada num assentamento em Viamão no Estado do Rio grande do Sul. Já a décima, décima primeira, décima segunda, e décima terceira (2008, 2009, 2010, 2011) no Paraguai, em Assunción. A décima quarta (2012) realizou-se na Argentina, no Município Ojo D’água em Santiago de

50 REGINA, Nívia. CLOC realiza a XIV turma do curso de formação do Cone Sul. 30.05.2012. In: MST. Disponível em:< http://mstrio.casadomato.org/cloc-realiza-a-xiv-turma-do-curso-de-formacao-do-cone- sul/.>Acesso em 15 de fevereiro de 2013.

Estero para que os próprios participantes do curso pudessem contribuir na construção física, através do trabalho voluntário, da universidade campesina de formação política e agroecologica de camponeses e indígenas – UNICAM.

Os critérios para a escolha do local de itinerancia foram diversos e estiveram inicialmente relacionados à localização geográfica que possibilitasse um acesso menos custoso para as organizações. Posteriormente estes critérios foram ampliados e estiveram ligados essencialmente aos elementos conjunturais de cada ano, ou a necessidade de fortalecer os coletivos de formação, bem como os centros e escolas de formação locais.

A estimativa é que nestes 14 anos de curso participaram mais de 1200 militantes destas organizações. Não existe ainda um balanço de onde estão estes militantes, mas muitos deles estão assumindo atividades de direção nas organizações de origem, da CLOC, ou ainda participando de outros cursos e escolas internacionalistas. É o caso de uma das militantes de uma organização paraguaia que participou também da primeira turma do Instituto de Agroecologia Latino-americano – IALA Paulo Freire na Venezuela.

São, portanto, princípios do curso: o internacionalismo; a itinerancia; o estudo de temas pertinentes às necessidades das organizações sociais que nele participam; a busca de analise aprofundada da realidade vivida pelos camponeses, indígenas, comunidades afrodescendentes e trabalhadores/as do campo; o trabalho de base com as comunidades onde o curso é realizado; a organicidade; a participação dos /das militantes na construção do cotidiano do curso através de núcleos de base, equipes e coordenações.

Como afirma Albuquerque seguindo em seu depoimento na pagina da PJR acima mencionada: “[...] Compreendíamos melhor a conjuntura da realidade em que vivemos e nos aproximava em quanto povo, enquanto classe trabalhadora. Com o passar dos dias iríamos identificando e unificando nossas bandeiras comuns de luta”. (ALBUQUERQUE, 2012, não paginado).

As coordenações pedagógicas, a cada curso, eram compostas por diferentes organizações. Um espaço também considerado de aprendizagem e projeção de formadores da Via Campesina. Ainda que considerado pelas avaliações de algumas turmas um elemento de desafio nos aspectos de consolidação de uma equipe com maior experiência que pudesse acompanhar e rotar nas diferentes turmas deste curso.