CAPÍTULO II A APLICABILIDADE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE
3.1 A Aplicabilidade dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos em
Ficou devidamente demonstrado no Capítulo II deste estudo a abertura do ordenamento jurídico pátrio à integração dos tratados internacionais de direitos humanos ao direito interno, sendo analisado o processo de incorporação desses tratados e o impacto jurídico no direito interno de tais compromissos internacionais.
Cumpre, agora, o exame da aplicabilidade dos tratados internacionais de direitos humanos especificamente em matéria tributária.
Como os tratados internacionais afetos ao presente trabalho têm por escopo a proteção dos direitos humanos, à primeira vista certamente imaginar-se-ia não se aplicarem a matéria tributária.
Impressão incorreta, porém, por vários motivos, cabendo, atento às finalidades e limitações do presente trabalho, elencar os seguintes:
Primeiro, porque, conforme aponta a doutrina mais abalizada, os tratados internacionais de direitos humanos possuem princípios que se projetam sobre o ordenamento jurídico como um todo, inclusive sobre as relações entre o fisco e o contribuinte (face à multidimensionalidade do direito tributário e à interdependência e indivisibilidade dos direitos humanos), tais como a garantia de justiça, igualdade, liberdade, devido processo legal, etc. Nesse sentido:
Hoje, o Direito Tributário não pode ser visto isoladamente, nem no ordenamento jurídico brasileiro, nem fora dele, daí falarmos em multidimensionalidade. Afinal, plenamente aplicado, o direito tributário agrega o conteúdo axiológico de direitos fundamentais de todas as dimensões, em plano integrado financeiro-administrativo e conjugado à ordem internacional (MOREIRA, 2010, p. 123). Grifou-se.
Os tratados e convenções internacionais (...) contêm princípios genéricos que se projetam para o campo das relações entre fisco e contribuinte, tais como, entre outros, os da legalidade, igualdade, proibição da prisão por dívida, sigilo profissional. Têm especial importância a Declaração Universal
dos Direitos do Homem (1948), o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ONU – 1966) e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (San José da Costa Rica – 1960) (TORRES, 1999, p. 27). Grifou-se.
Os Direitos Humanos podem ser estendidos à tributação, tema incipiente, mas que começa a ser objeto de reflexão no Brasil. Por Direitos Humanos temos a concepção jurídico-filosófica que privilegia o respeito aos valores e coloca novamente o homem no centro do Direito. O positivismo jurídico — mero respeito às leis — dá lugar, de forma prudente e moderada, à finalidade do sistema jurídico: a proteção do homem. Para alcançar seu objetivo de proteção do ser humano, notadamente frente ao Estado, o Direito volta sua atenção a valores como a dignidade da pessoa, o respeito à individualidade e à privacidade (BECHO, 2009, p. 2-3). Grifou-se.
Segundo, porque, no dizer de Troianelli (1999, p. 50), “os tratados sobre direitos humanos são interpretados de modo extensivo, de modo a admitir a maior amplitude possível a tais direitos”. Isso é o que estabelecem, expressamente, o Pacto de São José da Costa Rica (art. 29), o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (art. 5º, 1), e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (art. 5º, § 1º), quando dispõem que:
PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA:
Art. 29. Nenhuma disposição desta Convenção pode ser interpretada no sentido de:
a) permitir a qualquer dos Estados-Partes, grupo ou pessoa, suprimir o gozo e exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá- los em maior medida do que a nela prevista;
b) limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos de acordo com as leis de qualquer dos Estados-Partes ou de acordo com outra convenção em que seja parte um dos referidos estados; c) excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorram da forma democrática representativa de governo; e
d) excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza.
PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS Artigo 5.º
1. Nenhuma disposição do presente Pacto poderá ser interpretada no sentido de reconhecer a um Estado, grupo ou indivíduo qualquer direito de dedicar-se a quaisquer atividades ou praticar quaisquer atos que tenham por objetivo destruir os direitos ou liberdades reconhecidos no presente Pacto ou impor-lhes limitações mais amplas do que aquelas nele previstas. PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS
Artigo 5º
§ 1. Nenhuma das disposições do presente Pacto poderá ser interpretada no sentido de reconhecer a um Estado, grupo ou indivíduo qualquer direito de dedicar-se a quaisquer atividades ou de praticar quaisquer atos que tenham por objetivo destruir os direitos ou liberdades reconhecidos no presente Pacto ou impor-lhes limitações mais amplas do que aquelas nele previstas.
Terceiro, porque, como adiante será demonstrado, o direito humano ao mínimo existencial e o direito humano ao desenvolvimento devem balizar o princípio da capacidade contributiva, impondo um campo de limite à tributação estatal. No mais, a atividade tributária implica, necessariamente, a transferência da propriedade das pessoas para o Estado. Ora, incluindo-se o direito de propriedade entre os direitos humanos, deve-se protegê-lo de todos os modos de agressão, inclusive a decorrente de ato tributário. Pelo exposto, exsurge extreme de dúvidas a aplicabilidade de tais pactos em matéria tributária.
Sobre o tema, salienta Bustamante (1990 apud TROIANELLI, 1999, p. 50):
Otro derecho humano que se encuentra directamente vinculado con la tributación es el derecho a poseer y conservar la propiedad.
( ... )
Siendo el tributo una detracción de la riqueza de los particulares éste afecta al derecho a la propiedad....
Quarto, porque a suprarreferida aplicabilidade consta expressamente de um dos mais importantes tratados de direitos humanos, vale dizer, o Pacto de São José da Costa Rica, como se extrai do seu artigo 8°:
Art. 8° [...] direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. (Grifos adicionados).
Se a matéria tributária é expressamente mencionada em um dos artigos do Pacto, preleciona Troianelli (1999, p. 51), “mostra-se clara a intenção de incluí-la no âmbito deste, não havendo motivo razoável para excluí-la em outros artigos que não a discriminem expressamente, desde que, é claro, tais artigos sejam aptos a gerar alguma consequência de índole tributária”.
Por fim, porque, sob a força propulsora dos tratados internacionais de direitos humanos, o direito tributário, norteado pelo princípio hermenêutico internacional pro
homine, poderá ser utilizado como instrumento “para minimizar os efeitos da
desigualdade, principalmente em um país como o Brasil, onde a liberdade é razão e limite da tributação” (MOREIRA, 2010, p. 123).
Tais, em breve síntese, os assuntos que serão analisados nos itens que se seguem.
3.2 Revisitando o Princípio da Capacidade Contributiva à Luz dos Tratados