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O Direito à Não-Autoincriminação na Constituição Brasileira

CAPÍTULO II A APLICABILIDADE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE

3.4 O Direito à Não-Autoincriminação Frente as Declarações e Informações

3.4.1 O Direito à Não-Autoincriminação na Constituição Brasileira

3.4.1.1 Breve Síntese do Entendimento Doutrinário

Na lição de Canotilho (1999 apud PONTES, 2004, p. 81), Estado de Direito é um Estado de direitos fundamentais, significando que “os direitos fundamentais representam o instrumento de realização concreta do processo de juridicização das relações entre o Estado e cidadão no mundo contemporâneo”, sendo possível dizer, como base em Pontes, que tais direitos encarnam o anseio de justiça próprio das sociedades modernas, dentre os quais a defesa das liberdades individuais frente ao poder estatal representa o chamado “núcleo intangível” daqueles direitos.

Alinha-se o direito constitucional brasileiro, assim, à tradição ocidental no

sentido de assegurar a todo imputado o direito de permanecer calado diante de qualquer manifestação sua que possa acarretar-lhe prejuízos à própria liberdade. Neste sentido, o artigo 5°, LXIII, da Constituição Federal de 1988, garante ao preso

Com vistas à não mitigação do direito ao silêncio, cabe a compreensão do sentido do termo “preso”, consoante a lição de Nucci (2003 apud PONTES, 2004, p. 85), que afirma:

[...] é preciso dar ao termo 'preso' uma interpretação extensiva para abranger toda pessoa indiciada ou acusada da prática de um crime, pois se o preso possui o direito, é evidente que o réu também o tenha. O direito ao silêncio é formulado, constitucionalmente, sem qualquer condição ou exceção, de modo que não pode o legislador limitá-lo de qualquer maneira.

No entendimento de Pontes (2004, p. 81), a garantia contra a autoincriminação constitui uma conquista dos povos ocidentais. “O silêncio do acusado, melhor seria dizer do imputado, representa instrumento de defesa contra acusações que possam representar restrições aos direitos e liberdades individuais”.

Não é por outra razão que a antiga redação do art. 186, do Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689/1941), que estabelecia: “Antes de iniciar o

interrogatório, o juiz observará ao réu que, embora não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas, o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa”, teve sua redação alterada pela Lei nº 10.792/2003,

passando a dispor que:

Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.

Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.

Assim, “o exercício do direito ao silêncio não poderá traduzir-se em gravame para a esfera de liberdade do indivíduo que opta por utilizar-se desta garantia constitucional para impedir que contra ele sejam dirigidas imputações de caráter

penal” (PONTES, 2004, p. 85).

3.4.1.2 O Entendimento Jurisprudencial

Após dizer que são vários os julgados proferidos pelo Supremo Tribunal Federal reconhecendo o direito ao silêncio como um direito público subjetivo de todos os indivíduos submetidos a processos que conduzam à imputação de medidas

restritivas de direitos e liberdades individuais, Pontes (2004, p. 86) cita o seguinte:

Qualquer indivíduo que figure como objeto de procedimentos investigatórios policiais ou que ostente, em juízo penal, a condição jurídica de imputado, tem, dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer calado. Nemo tenetur se detegere. Ninguém pode ser constrangido a confessar a prática de um ilícito penal. O direito de permanecer em silêncio insere-se no alcance concreto da cláusula constitucional do devido processo legal, e nesse direito ao silêncio inclui-se até mesmo por implicitude, a prerrogativa processual de o acusado negar; ainda que falsamente, perante a autoridade policial ou judiciária, a prática da infração penal (STF, HC n° 68.929/SP, reI. Min. Celso de Mello).

Na sequência, esclarece o mesmo autor que o Pretório Excelso reconhece o direito ao silêncio não apenas ao preso (como uma interpretação literal da Constituição Federal poderia concluir), mas "a qualquer pessoa, que, na condição de testemunha, de indiciado ou de réu, deva prestar depoimento perante órgãos do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou do Poder Judiciário", citando como exemplo desse entendimento o seguinte acórdão:

Comissão Parlamentar de Inquérito - Privilégio contra a Auto-incriminação - Direito que assiste a Qualquer Indiciado ou Testemunha - Impossibilidade de o Poder Público impor Medidas Restritivas a quem exerce, regularmente, essa Prerrogativa - Pedido de Habeas Corpus Deferido.

O privilégio contra a auto-incriminação - que é plenamente invocável perante as Comissões Parlamentares de Inquérito - traduz direito público subjetivo assegurado a qualquer pessoa, que, na condição de testemunha, de indiciado ou de réu, deva prestar depoimento perante órgãos do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou do Poder Judiciário.

O exercício do direito de permanecer em silêncio não autoriza os órgãos estatais a dispensarem qualquer tratamento que implique restrição à esfera jurídica daquele que regularmente invocou essa prerrogativa fundamental. Precedentes.

O direito ao silêncio - enquanto poder jurídico reconhecido a qualquer pessoa relativamente a perguntas cujas respostas possam incriminá-la (nemo tenetur se detegere) - impede, quando concretamente exercido, que aquele que o invocou venha, por tal específica razão, a ser preso, ou ameaçado de prisão, pelos agentes ou pelas autoridades do Estado. Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado. O princípio constitucional da não-culpabilidade, em nosso sistema jurídico, consagra uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados definitivamente por sentença do Poder Judiciário. Precedentes. (HC 79.812, reI. Min. Celso de Mello)

Na área de competência do Superior Tribunal de Justiça o entendimento não é diferente, colacionando o autor o seguinte escólio:

RHC. Constitucional. Processual Penal. Indiciado. Acusado. Silêncio. O indiciado, ou o acusado não pode ser compelido a trazer elementos para a sua condenação. Tem o direito a 'permanecer calado'. (CF, art. 5°, LXIII). (RHC n° 6.756/SP, reI. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro)

Segundo Pontes (2004, p. 87), o desrespeito ao direito ao silêncio é causa de completa nulidade do procedimento de imputação conduzido pela autoridade, conforme sói reconhecer a jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal, nos termos do seguinte acórdão:

Habeas Corpus. Juizados Especiais Criminais. Lei nº 9.099/95. Art. 72. Audiência Preliminar. Desnecessidade de Oferecimento Prévio da Denúncia. Declarações do Acusado. Direito ao Silêncio.

1. O comparecimento do paciente ao Juízo para a audiência preliminar não depende do oferecimento de denúncia, mas, como é próprio do sistema dos Juizados Especiais Criminais, ocorre antes dela. As declarações prestadas pelo paciente nessa audiência não se confundem com o interrogatório de que trata o art. 81, caput da mencionada lei.

2. Não tendo sido o acusado informado do seu direito ao silêncio pelo Juízo (art. 5°, inciso LXIII), a audiência realizada, que se restringiu à sua oitiva, é nula. 3. Pedido deferido em parte. (HC 82.463, reI. Min. Ellen Gracie).

Por fim, cumpre coligir, ainda, o seguinte acórdão do Supremo Tribunal Federal, que ratificou, à época, a não recepção da antiga redação do art. 186 do CPP, pela Constituição Federal:

INTERROGATÓRIO - ACUSADO - SILÊNCIO. A parte final do artigo 186 do Código de Processo Penal, no sentido de o silêncio do acusado poder se mostrar contrário aos respectivos interesses, não foi recepcionada pela Carta de 1988, que, mediante o preceito do inciso LVIII do artigo 5º, dispõe sobre o direito de os acusados, em geral, permanecerem calados. Mostra- se discrepante da ordem jurídica constitucional, revelando apego demasiado à forma, decisão que implique a declaração de nulidade do julgamento procedido pelo Tribunal do Júri à mercê de remissão, pelo Acusado, do depoimento prestado no primeiro Júri, declarando nada mais ter a acrescentar. Dispensável é a feitura, em si, das perguntas, sendo suficiente a leitura do depoimento outrora colhido.

(RE 199570/MS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Julgamento: 16/12/1997, Órgão Julgador: Segunda Turma, Publicação: DJ 20-03-1998 PP-00017, EMENT VOL-01903-06 PP-01069).

Segundo Albano (2010),

Nos dias atuais, mormente no sec. XXI, o direito à não-autoincriminação, ou

nemo tenetur se detegere, ou privilege against self-incrimination, seja como

for, tornou-se um princípio merecedor de tutela das garantias processuais, evoluindo para abranger as mais diversas situações:

a) CPI – o depoente que comparecer ao interrogatório não é obrigado a responder quaisquer perguntas que lhe sejam prejudiciais26, ou seja, que importem em sua autoincriminação, pelo que tem o direito de permanecer calado, não implicando seu silêncio em confissão ou meio de prova 27;

b) obtenção de provas técnicas: padrão gráfico28, padrão de voz29,

participação em reprodução simulada de crime30e teste de

alcoolemia31;

c) Juizados Especiais Criminais32 – necessidade da informação do

direito ao silêncio inerente ao acusado em audiência;

d) prisão preventiva e dosimetria da pena – o direito do sujeito de não colaborar com suas informações no processo não pode ser utilizado para fundamentar a prisão preventiva33, nem para justificar acréscimo ao cálculo da pena34;

e) utilização de gravação clandestina35, sem o prévio consentimento, para obter confissão.

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