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Impossibilidade da persecução penal concomitante com o lançamento de

CAPÍTULO II A APLICABILIDADE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE

3.5 A Garantia do Princípio do Non Bis In Idem Tributário e a Exigência de Multa

3.5.3 Impossibilidade da persecução penal concomitante com o lançamento de

Após esboçar o entendimento de que a conversão de um ilícito administrativo tributário (formal ou material) “em um ilícito penal tributário é mera questão de política criminal, a partir do momento que para a ocorrência dessa metamorfose

basta que o legislador converta o "tipo administrativo" em "tipo penal"”, o autor (2007, p. 19), transcreve a prescrição de sanções pela prática de infrações tributárias, inseridas no art. 44, da Lei nº 9.430/96, acima mencionada, e que dispõe o seguinte:

Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas, calculadas sobre a totalidade ou diferença de tributo ou contribuição:

I - de setenta e cinco por cento, nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, pagamento ou recolhimento após o vencimento do prazo, sem o acréscimo de multa moratória, de falta de declaração e nos de declaração inexata, excetuada a hipótese do inciso seguinte:

II - cento e cinqüenta por cento, nos casos de evidente intuito de fraude, definido nos arts. 71, 72 e 73 da Lei n° 4.502, de 30 de novembro de 1964, independentemente de outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis.

(...)

§ 2° Se o contribuinte não atender, no prazo marcado, à intimação para prestar esclarecimentos, as multas a que se referem os incisos I e II do caput passarão a ser de cento e doze inteiros e cinco décimos por cento e de duzentos e vinte e cinco por cento, respectivamente.

Percebe-se que os incisos I e II, do art. 44, da Lei nº 9.430/96 estão assentados em premissas absolutamente distintas. A multa de 75% (setenta e cinco por cento) é fruto da aplicação da teoria da responsabilidade objetiva, em que, independentemente de dolo ou culpa, o contribuinte responderá pelo cometimento do ilícito administrativo fiscal. Já o inciso Il, a rigor, reclama a demonstração pelo agente fazendário de fatos estereótipos de evidente intuito de fraude, revelador da presença concreta do reprovável animus agendi do contribuinte, como nexo de causalidade entre a sua participação volitiva e o resultado material dela decorrente (TAVARES, 2007, p. 19).

Em outros termos, presente o intuito de fraude, a um só tempo, a autoridade administrativa aplica a multa de ofício qualificada (150%), ex vi do inciso II do art. 44 da Lei nº 9.430/96, dando início à fase contenciosa do processo administrativo fiscal, bem como formaliza a respectiva representação fiscal para fins penais pela prática, em tese, de ilícito penal tributário (Lei n° 8.137/90, arts. 1° e 2°); representação esta que, após o exaurimento do processo administrativo, impositivamente sujeita o contribuinte ao percurso das raias de outra via de repressão do contribuinte, qual seja, o processo penal (TAVARES, 2007, p. 19).

Tal o cenário que os estudiosos vêm considerando ilegítimo ou sistematicamente intolerável, à luz do princípio do non bis in idem e de seu corolário

lógico-natural, representado pelo princípio da consunção (ou absorção), sempre que, com a intenção dolosa de reduzir tributo devido, ou de anulá-lo, o contribuinte ou responsável vier a praticar ato ou omissão fraudulentos, falseando a verdade para ludibriar ou enganar a Fazenda Pública (TAVARES, 2007, p. 19).

No concernente ao tema, veja-se o percuciente entendimento coligido abaixo:

Com efeito, em que pese o princípio do non bis in idem não se encontrar expresso em nenhum diploma legal interno sob esta denominação específica, ninguém ignora sua marcante influência implícita na Lei n° 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro), podendo também ser observada sua receptividade nas entrevozes das disposições que tratam da individualização da pena (arts. 59 e seguintes do Código Penal), assim como em construções doutrinárias concernentes ao concurso aparente de normas.

(...)

Tal princípio assegura, de per si, que ninguém será perseguido penalmente mais de uma vez por um mesmo fato. Mas não para por aí a força de sua benigna extensão! Segundo profícua lição do Professor espanhol Zornoza Pérez,

‘(…) éste és el principio general del derecho que excluye la posibilidad de que un mismo hecho sea sancionado en la via penal y en la administrativa, en los casos en que se aprecie la identidad del sujeto, hecho y fundamento, sin existencia de una relación de supremacía especial de la Administración’. No mesmo sentido, ao manifestar-se sobre o art. 66 do Código de Normas e Procedimentos Tributários de Costa Rica, Adrián Torrealba pontifica: ‘Esta norma regula el non bis in idem en un doble sentido: en primer lugar, prohíbe sancionar penal y administrativamente por unos mismos hechos y, en segundo lugar, plante la idea de preferencia de las actuaciones penales sobre las sancionadoras administrativas, paralizando el procedimiento ya incoado o impediendo cualquiera ulterior.’

Revelam-se inapeláveis as lições retro, pois não nos parece forçoso admitir que aplicar de forma conjunta uma gravosa sanção administrativa (multa de ofício qualificada em 150% sobre o valor do tributo devido) e outra penal, em detrimento de um mesmo pressuposto fático (supressão total e/ou parcial de tributo decorrente de expediente ardil ou fraudulento), afigura-se manifestamente atentatório ao postulado constitucional do non bis in idem, o qual proíbe a sobreposição de sanções (uma administrativa e outra penal) quando presentes três requisitos: a) identidade de sujeito, b) mesmo pressuposto fático, e c) mesmo fundamento (TAVARES, 2007, p. 20).

Aliás, na hipótese da instauração das paralelas vias de repressão dos contribuintes (procedimento administrativo e processo penal) ou, mais especificamente, mormente na hipótese da sujeição do contribuinte não só à multa de ofício qualificada (150%), como também às intempéries de um processo penal, por obra da realização de uma mesma conduta comissiva – supressão total ou

parcial do tributo mediante expediente ardil ou fraudulento –, salta aos olhos a

vulneração ao magno princípio do non bis in idem, máxime pelo "princípio da unidade do injusto penal tributário" e pelo já denunciado fato inequívoco de que conversão de um ilícito administrativo tributário (formal ou material) em um ilícito

penal tributário é mera questão de política criminal, bastando que o legislador converta o "tipo administrativo" em "tipo penal"(TAVARES, 2007, p. 21).

Deflui dessa assertiva a consideração de que inexistem razões jurídicas válidas e sistematicamente sustentáveis que permitam estabelecer diferenças entre a causa petendi administrativa e a penal, quando da hipótese da supressão total ou parcial do tributo decorrente da fraude, fato este que desafia o princípio do non bis in

idem e entra em rota de colisão com o princípio da consunção (ou absorção)

(TAVARES, 2007, p. 21).

No dizer de Mirabete (2000 apud TAVARES, 2007, p. 21), o princípio da consunção, "consiste na anulação da norma que já está contida em outra: ou seja, na aplicação da lei de âmbito maior, mais gravemente apertada, desprezando-se a outra, de âmbito menor".

Lembra o autor acima citado que (2007, p. 21):

O Tribunal Constitucional Espanhol, em franco prestígio ao princípio do non

bis in idem, demarcando claramente o seu espectro de abrangência, já teve

a oportunidade de deixar assentado o seguinte entendimento:

‘EI principio general del derecho conocido por non bis in idem supone, en una de sus más conocidas manifestaciones, que no recaiga duplicidad de sanciones - administrativa y penal - en los casos en que se aprecie la identidad del sujeto, hecho y fundamento sin existencia de una relación de supremacía especial de la Administración - relación de funcionario, servicio público, concesionario etc. - que justificase el ejercicio del ius puniendi por los tribunales y a su vez de la potestad sancionadora de la Administración.

Concluindo com Tavares (2007, p. 22),

[...] ante a genuína relação de subordinação (= existência de um nexo de dependência) entre as condutas tipificadoras das infrações tributárias e o núcleo das figuras penais descritas na Lei n° 8.137/90 que, em se tratando de típicos crimes de conteúdo, refletem a imagem de espécies delituosas que dependem da configuração de uma irregularidade fiscal, não há como sustentar, sem sinceros maus tratos aos princípios do non bis in idem e da consunção, que uma mesma pessoa, pela prática de uma só conduta legalmente desautorizada (supressão total ou parcial de tributo mediante fraude), seja apenada na esfera administrativa com a multa de ofício qualificada (Lei nº 9.430/96, art. 44, II) e ainda tenha que se sujeitar a uma das sanções penais previstas nos arts. 1 ° e 2° da Lei n° 8.137/90.

No entanto, inobstante a pujança e clareza dos argumentos coligidos acima, demonstrando a impossibilidade da persecução penal concomitante com o lançamento de multa de ofício qualificada, frente ao princípio do non bis in idem, os Tribunais pátrios, principalmente o Superior Tribunal de Justiça – STJ, responsável

pela interpretação da legislação infraconstitucional brasileira, têm mantido decisões condenatórias (condenações dúplices, pelo mesmo ilícito) em evidente violação àquele princípio, sob a alegação de independência das esferas cível (tributária, no caso) e criminal, consoante se vê do julgado abaixo colacionado:

RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA.CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. JUSTA CAUSA PARA APERSECUÇÃO PENAL. AÇÃO AJUIZADA NA ESFERA CÍVEL EM QUE SE DISCUTE ODÉBITO FISCAL. INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS CÍVEL E CRIMINAL. RECURSOPARCIALMENTE PROVIDO. 1. Nos crimes contra a ordem tributária, a constituição definitiva do crédito tributário configura condição objetiva de punibilidade. Inteligência da Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal. 2. O ajuizamento de ação ordinária em que se pretende discutir o débito fiscal, perante o Juízo cível, não interfere na persecução penal, em razão da independência das esferas cível e criminal. 3. Considerando que já havia sido constituído definitivamente o crédito tributário, bem como por não ser o caso de aplicação do art. 93 do Código de Processo Penal, mostra-se escorreita a decisão do Juízo de primeiro grau que recebeu a denúncia e determinou o prosseguimento do curso da ação penal instaurado contra os recorridos. 4. Considerando que o Tribunal de Justiça, ao reconhecer a falta de justa causa para a ação penal, por óbvio, não adentrou no exame dos pedidos subsidiários veiculados pela defesa no writ ali impetrado, tais como a inépcia da denúncia, a nulidade do inquérito, entre outros, é de rigor o envio dos autos para que a Corte Estadual proceda à análise dos demais pedidos formulados. 5. Recurso parcialmente provido.

(STJ - REsp: 962087 PR 2007/0140232-1, Relator: MIN. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 06/03/2012, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/03/2012) - Disponível em: http://www.stj.gov.br. Acesso em 29.06.2013.

Ocorre, todavia, que tal entendimento peca, na medida em que seu fundamento (de independência das esferas cível/tributária e criminal – previsto em legislação infraconstitucional) não se sustenta quando confrontado com outro instrumento normativo hierarquicamente superior, como o são os tratados internacionais de direitos humanos.

Nessa conformidade, tal injusta situação, em que as autoridades fazendárias, pela prática de um mesmo pressuposto fático (não-pagamento de tributo decorrente de fraude), estimem que a referida conduta, além de incorrer na multa de ofício qualificada (Lei nº 9.430/96, art. 44, II), igualmente se subsuma a uma das figuras penais tributárias plasmadas nos arts. 1 ° e 2°, da Lei n° 8.137/90, pode ser judicialmente afastada, sob o pálio dos tratados internacionais de direitos humanos, como se verá a seguir.

3.5.4 O princípio do non bis in idem que irradia dos tratados internacionais de

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