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CAPÍTULO II A APLICABILIDADE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE

3.2 Revisitando o Princípio da Capacidade Contributiva à Luz dos Tratados

3.2.1 Delimitação conceitual de capacidade contributiva

Internacionais de Direitos Humanos

3.2.1 Delimitação conceitual de capacidade contributiva

Segundo o entendimento de Grupenmacher (2004, p. 14), “Nos Estados ao que ocorre à Democráticos de Direito, contrariamente ao ocorre nos Estados Totalitários, é na Constituição que se estabelecem as limitações à atividade estatal”, dentre elas regras de observância dos direitos fundamentais do homem, tais como a interdição de arbitrariedade, a igualdade, a legalidade, a previsibilidade da ação estatal, dentre outras que realizam a segurança jurídica.

Dos direitos fundamentais mencionados ressalta o Princípio da Igualdade, no entender de Godoi (1999, p. 183):

A consideração moderna do tributo, pois, envolve necessariamente o respeito ao princípio da igualdade, que aliado ao princípio da legalidade tributária conformam os dois itens fundamentais das garantias dos contribuintes contra a opressão fiscal.

E somente existirá igualdade onde o privilégio não medrar. No concernente ao tema, Castro (2005, p. 434) elucida:

No âmbito da tributação, o tratamento isonômico se traduz através das normas e princípios constitucionais que visam garantir distribuição equânime e proporcional da carga tributária entre os particulares, seguindo orientação que retoma e expande o conteúdo de princípios igualitários já antes implantados na Constituição de 1946, e que em certa medida restaram prejudicados pela regressividade impositiva e injustiça das políticas fiscais perpetradas ao tempo do regime militar pós-64. Assim, restaura-se o princípio da personalização e graduação dos impostos segundo a efetiva capacidade econômica do contribuinte (art. 145, § 1º), ao mesmo tempo em que se veda

“tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos” (art. 150, II). Especificamente em relação ao

imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, a Constituição exige que a exação tributária seja “informada pelos critérios da generalidade, da

universalidade e da progressividade, na forma da lei” (art. 153, § 2º, I). Na lição de Grupenmacher (2004, p. 14-15):

Decorrência do princípio da isonomia tributária são os princípios da capacidade contributiva e o da vedação do confisco, os quais estabelecem os limites mínimo e máximo de tributação, respectivamente.

O Estado Democrático está, portanto, adstrito aos compromissos de liberdade e igualdade materiais, objetivando uma vida digna para todos. Nesse contexto, a observância dos citados princípios impõe que o tributo deixe de ser apenas uma fonte de renda e passe a ser um instrumento de realização de justiça. A igualdade no tratamento tributário deixa de ser apenas formal passando a ser materialmente um instrumento de redistribuição de riquezas.

O princípio da capacidade contributiva, por seu turno, tem como principal consequência propiciar a realização da justiça fiscal, onerando aqueles que manifestem maior capacidade contributiva e desonerando a renda utilizada para fazer frente às despesas necessárias à vida digna. Por isso mesmo, a chamada "renda consumida" há de ser excluída para fins de aferição de capacidade contributiva. Trata-se, da intributabilidade do mínimo existencial referida por Francesco Moschetti, que afirmou:

“(...) a capacidade contributiva é dada por aquela parte de potência econômica, da riqueza de um sujeito, que supera o mínimo vital. Com efeito, se capacidade significa aptidão, possibilidade concreta e real, não pode existir capacidade de concorrer para com os gastos públicos quando falte ou se tenha apenas o necessário para as exigências individuais”.

Quanto ao fundamento do referido mínimo existencial, Torres (1999, p. 141- 164) esclarece que:

A proteção do mínimo existencial no plano tributário, sendo pré- constitucional como toda e qualquer imunidade, está ancorada na ética e se fundamenta na liberdade, ou melhor, nas condições iniciais para o exercício da liberdade, na ideia de felicidade, nos direitos humanos e no princípio da igualdade. Não é totalmente infensa à ideia de justiça e ao princípio da capacidade contributiva.

(...) O direito ao mínimo existencial está implícito também na proclamação do respeito à dignidade humana, na cláusula do Estado Social de Direito e em inúmeras outras classificações constitucionais ligadas aos direitos fundamentais. (...)

Há um direito às condições mínimas de vida de existência humana digna que não pode ser objeto de intervenção do Estado e que ainda exige prestações estatais positivas. O direito ao mínimo existencial não tem dicção constitucional própria. (...)

Em outras palavras, a capacidade contributiva começa além do mínimo necessário à existência humana digna e termina aquém do limite destruidor da propriedade.

Extrai-se desta lição que a proteção do mínimo existencial está ancorada no princípio da dignidade da pessoa humana, que, por sua vez, compõe o princípio internacional pro homine25, regra de interpretação que determina a primazia da

25

Mazzuoli esclarece que “no direito interno, o princípio internacional pro homine compõe-se de dois conhecidos princípios jurídicos de proteção de direitos: o da dignidade da pessoa humana e o da

prevalência dos direitos humanos. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana é o

primeiro pilar (junto à prevalência dos direitos humanos) da primazia da norma mais favorável”

norma mais favorável ao ser humano. Conforme destaca Mazzuoli (2010, p. 206), o princípio da dignidade “é um princípio aberto, que chama para si toda a gama dos direitos fundamentais, servindo, ainda, de parâmetro à interpretação de todo o sistema constitucional”.

Por isto mesmo, concordamos com o entendimento de Grupenmacher (2004, p. 15-16) de que, à luz do princípio da dignidade humana e dos direitos fundamentais do cidadão, só seria possível a tributação incidente sobre as manifestações de capacidade contributiva, não se permitindo a incidência tributária indiscriminada sobre a capacidade econômica, significando que a manifestação de potencialidade econômica, de per si, não é bastante a autorizar a tributação das pessoas. Em respeito ao princípio da capacidade contributiva devem ser afastados da tributação os recursos mínimos necessários para a manutenção da pessoa e de sua família. Além disso, assevera a citada autora que a capacidade contributiva tem como limite mínimo “o mínimo existencial”, vinculado à dignidade da pessoa humana, e como limite máximo a vedação da cobrança de tributo com efeito de confisco, garantia esta decorrente do direito de propriedade. De modo que na aplicação do princípio da capacidade contributiva, fica vedada a tributação do mínimo existencial.

Ademais, não pode ser olvidado que a Constituição estabelece como dever do Estado o assegurar a todos o direito à saúde, educação, moradia, previdência e assistência social, etc. Prestações que tais configuram verdadeiros deveres do Estado, e na lição de Grupenmacher (2004, p.17), “quando suportadas pelo contribuinte deveriam ser integralmente dedutíveis do imposto sobre a renda devido, haja vista que a tributação incidente sobre estes custos traduz-se em concreta afronta ao princípio da capacidade contributiva”.

Entretanto, no Brasil, constata-se um sistema de tributação em que a concretização do princípio da capacidade contributiva se dá por técnicas legalmente regradas de modo a não favorecer, na generalidade dos casos, a garantia do mínimo existencial.

Tratando sobre o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, assevera Sarlet que ele se constitui em limite à atuação dos poderes estatais,

um “valor-guia” para todo o sistema constitucional, no qual se incluem os direitos fundamentais. Como princípio dotado de eficácia jurídica, impõe um dever de respeito e proteção por parte do Estado, que deve, ao exercer tal múnus, atuar de forma negativa, não intervindo na esfera privada dos indivíduos, e de forma positiva, para proteger esta esfera privada da

atuação de terceiros, bem como criar meios para que essa dignidade seja concretizada e respeitada (1998, p. 106-111).

De fato, no atual Estado Constitucional e Humanista de Direito, o respeito ao mínimo existencial como garantia de uma vida humana digna se mostra como uma diretriz negativo-positiva em relação ao Poder Institucionalizado, a partir da premissa de que os indivíduos de uma sociedade, qualquer que seja ela, têm direito a determinadas condições mínimas de existência, que lhes conferem o status de pessoa humana. Assim, na fixação do conteúdo dos direitos humanos, deve-se ter em vista a inserção do homem em um ambiente natural, social, político e cultural suficientemente adequado para promover não somente a sua vida, entendida como mera sobrevivência no tempo, mas também determinados conteúdos mínimos de vida, aptos a garantir um patamar superior derivado da noção de dignidade (DIAS, 2007, p. 159-188).

À luz do exposto, não basta que a Constituição Brasileira garanta ao cidadão e a sua família uma vida digna. A efetividade dessa garantia demanda uma atuação negativa do Estado, uma não interferência estatal na esfera privada dos indivíduos, de modo que, para tanto, as leis infraconstitucionais que instituem os tributos devem excluir de seu âmbito de incidência a já referida "renda consumida" (mínimo existencial) com as despesas necessárias para uma vida com dignidade.

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