• Nenhum resultado encontrado

A conferência mundial sobre direitos humanos de Viena de 1993

CAPÍTULO I MARCOS HISTÓRICOS DA PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS

1.1 O Processo de Formação do Sistema Internacional de Proteção dos Direitos

1.1.4 A conferência mundial sobre direitos humanos de Viena de 1993

Como já mencionado, no pós-Segunda Guerra proliferaram-se os instrumentos internacionais de direitos humanos, nos planos globais e regionais de proteção, percebendo a sociedade internacional que a questão “direitos humanos” tornou-se um tema de legítimo interesse internacional.

Extrai-se do cenário internacional pós-moderno que essa força expansiva dos direitos humanos

[...] teve como mola propulsora a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos de Viena de 1993, que agregou ao princípio já conhecido da universalidade dos direitos humanos outros três – a indivisibilidade, a interdependência e a inter-relacionariedade –, conforme se depreende do § 5º de sua Declaração e Programa de Ação (MAZZUOLI, 2010, p. 22).

A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos foi realizada em Viena, no ano de 1993, sob o sistema da Organização das Nações Unidas, onde mais de 180 dos Estados-membros presentes reafirmaram os termos universais da Declaração dos Direitos do Homem. Portanto, quase quarenta anos após a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a Conferência de Viena veio consagrar e reafirmar o compromisso universal datado de 1948 (FACHIN, 2009, p. 71-72).

É de se notar que a Conferência de Viena pôde contar com a experiência acumulada nos últimos anos na operação dos órgãos de supervisão internacionais, tendo como finalidade avaliar esta experiência, examinar os problemas de coordenação dos múltiplos instrumentos de proteção e as formas de aperfeiçoá-los e dotá-los de maior eficácia (TRINDADE, 1997, p. 178).

Segundo se colhe da informação de Fachin (2009, p. 75):

A Declaração de Viena de 1993 exigiu da comunidade internacional, ‘ter em mente’ particularidades históricas, religiosas, nacionais e regionais na implementação dos direitos humanos universais. Lida de modo literal essa ordem não excepcional. Todo indivíduo humano, todo grupo humano, toda nação, todo Estado é particular, e possui uma história particular e um caráter particular. O imperativo do respeito pela pessoa humana, que é a base da doutrina dos direitos universais, exige de nós ‘ter em mente’ que todo indivíduo humano vive em grupos sociais e nações, e dentro da jurisdição dos Estados, quando as soluções para os problemas práticos de implementação dos princípios dos direitos humanos em circunstâncias sociais reais são trabalhadas.

No campo dos direitos humanos internacionais, a Conferência de Viena de 1993 trouxe várias conquistas através de sua respectiva Declaração e Programa de Ação, destacando Mazzuoli (2010, p. 26):

[...] a) a reafirmação dos propósitos da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e de que a universalidade dos direitos humanos é imune a dúvidas; b) a complementação do princípio da universalidade com os princípios da indivisibilidade, interdependência e inter-relacionariedade; c) o reconhecimento da superioridade da visão universalista em relação à visão relativista, entendendo-se que as particularidades nacionais e regionais, bem como os diversos contextos históricos e culturais de um país devem

ser levados em consideração, mas sem prejudicar a proteção dos direitos humanos; d) a reiteração de que os conceitos de democracia e

desenvolvimento devem andar juntos e se complementam mutuamente; e e) a reafirmação de que o desenvolvimento é sim um direito, que tem como destinatário final o ser humano.

Tais pontos fundamentais, reconhecidos na Conferência de Viena, já podem ser considerados como os novos paradigmas do direito internacional público pós- moderno.

No que se refere às obrigações dirigidas aos Estados, a Conferência de Viena de 1993 trouxe ainda significativo avanço, ao introduzir na sua Declaração e Programa de Ação que incumbe aos Estados o provimento de recursos internos “capazes de reparar as violações de direitos humanos, assim como o fortalecimento de sua estrutura de administração da justiça à luz dos padrões consagrados nos instrumentos internacionais de direitos humanos” (TRINDADE, 2002, p. 647).

Merece ainda destacar que, na medida em que confirmou o conteúdo da Declaração das Nações Unidas sobre o Direito ao Desenvolvimento de 198611, veio

11

Em 1986 foi aprovada a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento pela Assembleia Geral da ONU, por meio de sua Resolução nº 41/128, a qual reconheceu que “o desenvolvimento é um

a “inserir, definitivamente, no universo conceitual do Direito Internacional dos Direitos Humanos o direito ao desenvolvimento” (TRINDADE, 2002, p. 647).

A parte operativa II, a mais detalhada do principal documento da Conferência de Viena (correspondente ao Programa de Ação), dedicou-se

[...] à necessidade de maior coordenação e racionalização no trabalho dos órgãos de supervisão internacionais dos instrumentos de direitos humanos nas Nações Unidas; ao aperfeiçoamento do sistema de relatórios, ao maior uso do sistema de petições ou denúncias sob tratados de direitos humanos; ao fortalecimento do sistema de seus relatores especiais e grupos de trabalho; ao uso de indicadores adequados para medir o grau de realização dos direitos econômicos, sociais e culturais; e ao desenvolvimento de mecanismos de prevenção e de seguimento (em relação aos sistemas de petições e relatórios). Por meio de tais mecanismos se haveria de fortalecer os instrumentos existentes de proteção, de modo a assegurar um

monitoramento contínuo dos direitos humanos em todo o mundo

(TRINDADE, 2002, p. 647-648).

À vista do exposto, infere-se a grande influência da Conferência de Viena para o processo de asserção dos direitos humanos, chegando a doutrina a afirmar

processo econômico, social, cultural e político abrangente, que visa ao constante incremento do bem-estar de toda a população e de todos os indivíduos com base em sua participação ativa, livre e significativa no desenvolvimento e na distribuição justa dos benefícios daí resultantes”. Tal Declaração consagrou o direito ao desenvolvimento como direito humano, conceituando-o em seu art. 1º nos seguintes termos: “Um direito humano inalienável, em virtude do qual toda pessoa e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político, a ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados” (trechos extraídos da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento adotada pela Resolução n.º 41/128 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 4 de dezembro de 1986). Tratando sobre o alcance do direito ao desenvolvimento, assevera Lafer (1999) que, no campo dos valores, em matéria de direitos humanos, a consequência de um sistema internacional de polaridades definidas – Leste/Oeste, Norte/Sul – foi a batalha ideológica entre os direitos civis e políticos (herança liberal patrocinada pelos EUA) e os direitos econômicos, sociais e culturais (herança social patrocinada pela então URSS). Nesse cenário surge o “empenho do Terceiro Mundo de elaborar uma identidade cultural própria, propondo direitos de identidade cultural coletiva, como o direito ao desenvolvimento”. A seu turno, preleciona Cardia (2005, p. 57) que, no final da década de cinquenta e início da de sessenta, frente à independência de grande parte das antigas colônias, a questão do desenvolvimento entra definitivamente como um dos pilares da atuação da ONU, pois os grupos do então denominado “Terceiro Mundo”, que constituíam nessa época (e ainda hoje constituem) a maioria na Assembleia Geral da ONU, reivindicavam a independência de outros Estados ainda sob dominação colonial, a ampliação da cooperação internacional justa e o desenvolvimento dos seus povos. Assim, devido à forte pressão dos países de “Terceiro Mundo”, na década de 1960 nasceu o direito ao desenvolvimento como “um programa normativo de cooperação em diversas áreas das relações econômicas, com vistas a superar as profundas diferenças de desenvolvimento existentes entre os povos do mundo”. Ressalte-se que, muito antes da Declaração da ONU sobre Direito ao Desenvolvimento de 1986, a Carta Africana de Direitos de Humanos e dos Povos de 1981 já havia reconhecido expressamente o direito ao desenvolvimento como um direito do ser humano em seu artigo 22º, nºs 1 e 2. Todavia, o reconhecimento definitivo do direito ao desenvolvimento como um direito humano inquestionável levou-se a efeito na Conferência de Viena de 1993 sobre Direitos Humanos, em seu Capítulo I, ponto 10: “A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem reafirma o direito ao desenvolvimento, conforme estabelecido na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, enquanto direito universal e inalienável e parte integrante dos Direitos do homem fundamentais”.

que, a partir dela, os direitos humanos “antes abordados – quando o eram – de forma marginal nos encontros dedicados a assuntos econômicos e sociais, tornaram-se uma espécie de fio condutor das demais discussões”(ALVES, 1997, p. 12), constatando-se uma sensível modificação na sua natureza, que passou a receber novas propriedades, suplementares às que sempre foram atribuídas aos mesmos.

Documentos relacionados