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CAPÍTULO II A APLICABILIDADE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE

3.5 A Garantia do Princípio do Non Bis In Idem Tributário e a Exigência de Multa

3.5.2 A natureza específica das multas fiscais

Preleciona o mencionado autor (2007, p. 7) enfatizando que a prática de um fato típico delituoso possibilita ao Estado a aplicação do jus puniendi, que deverá observar o devido processo legal e demais princípios de estilo, vale dizer, a ação penal deduzida em juízo se constitui da exteriorização da pretensão punitiva do Estado. Prosseguindo, aduz que

[...] o simples inadimplemento de uma obrigação tributária (v.g., pagamento de tributo), de per si, não configura crime, embora tipifique um ilícito administrativo tributário (infração tributária material). Por quê? Simplesmente porque somente incorrerá na prática de um ilícito penal tributário ou delito fiscal o contribuinte ou responsável que, mediante a prática de um ato típico que se colore de fraude ou falsidade (= dolo específico), obtenha a supressão, no todo ou em parte, de seu dever jurídico de entregar dinheiro aos cofres públicos a título de tributo. Na feliz síntese de Baleeiro, “o que se pune, no Direito Penal, são antes ações ou omissões desonestas”.

No tocante especificamente à natureza das multas fiscais, estabelece (2007, p. 16-17):

[...] reside na qualidade, por todos reconhecida, de se atribuir à regra jurídica a função dispositiva e impositiva de determinado comportamento humano desejado (um dar, um fazer, não fazer, tolerar etc.). A nota fundamental de uma regra jurídica, indubitavelmente, é o seu conteúdo mandamental: uma ordem, um comando: faça isto, não faça aquilo; permita isto, não tolere aquilo; pague isto, não restitua aquilo etc.

O traço marcante do Direito e, consequentemente, de suas regras jurídicas assenta-se no binômio coercibilidade/exigibilidade. Na feliz síntese de Miguel Reale, "o direito é coercível porque é exigível e é exigível porque é bilateral-atributivo".

A exigibilidade do Direito, uma natural decorrência do caráter bilateral- atributivo das relações jurídicas, como pondera Osvaldo Ferreira de Melo, consiste numa "das garantias individuais mais solenes, a única que não precisa ser declarada expressamente numa Constituição, porque é a razão da existência da própria norma jurídica, nela está subentendida e dela é a principal característica distintiva".

Sobre o tema, enfatiza Becker que

“(...) não é possível pensar em magnetismo sem força (energia) vinculante, também não é possível pensar na relação jurídica sem coercibilidade. A coercibilidade é o vincular continuado da relação jurídica; é a propriedade

lógica da relação jurídica; a relação jurídica é essencialmente bilateral

atributiva, de modo que a coercibilidade resulta como o corolário imediato daquela bilateralidade atributiva”.

Compreendida a questão do teor e alcance do direito de exigibilidade das normas, fácil perceber a íntima relação de causalidade existente entre a

sanção e o ilícito. A sanção jurídica, como bem retrata Paulo Dourado de

Gusmão, "neutraliza, desfaz, anula ou repara o mal causado pelo ilícito, bem como cria uma situação desfavorável para o transgressor".

Na sequência, pontua o autor que a sanção de constitui de um elemento que geralmente acompanha a norma jurídica, tratando-se de elemento estabelecido de antemão (princípio da legalidade da pena) e que não fica, por consequência, sujeito ao arbítrio do Poder Público e nem do Poder Judiciário.

A sanção, considerada por Reale (1986 apud TAVARES, 2007, p. 17) como um "processo de garantia daquilo que se determina em uma regra", destaca-se em nosso sistema por representar um consectário deôntico (dever ser) resultante da inobservância do mandamento veiculado na norma jurídica. Consubstancia-se num elemento inerente à coercibilidade e exigibilidade de toda e qualquer norma legal, a partir do momento em que atua como uma "pena cominada por infração da lei ou inadimplemento do ajuste ou de convenção", na lição de Melo (1978 apud TAVARES, 2007, p. 17).

Segundo atesta Machado (2003 apud TAVARES, 2007, p. 17), "sanção é o meio de que se vale a ordem jurídica para desestimular o comportamento ilícito", ou

seja, é aplicada com o escopo de desestimular (caráter repressivo-intimidativo) e de dificultar a não-sujeição (desrespeitabilidade) à eficácia da norma jurídica. Dito de outro modo, por intermédio da sanção, aplicada coercitivamente, o Direito instrumentaliza a garantia de que os preceitos contidos em suas regras serão observados por seus destinatários.

Nessa esteira de entendimentos, perquire o autor (2007, p. 18): qual é a natureza jurídica específica das penalidades pecuniárias (multas fiscais) impostas aos contribuintes pelo cometimento de infrações tributárias materiais ou formais?

Sob nossa modesta ótica (...) filiamo-nos ao entendimento de que as multas fiscais têm natureza de sanção penal stricto sensu, já que inexistem diferenças ontológicas essenciais entre as sanções penais e as administrativas, máxime pela coexistência de uma unidade substancial: ambas têm como objetivo precípuo sancionar um bem jurídico do infrator com fins retributivos e intimidativos-repressivos, e não propriamente reparar o dano causado ou prover de recursos o Fisco.

Sem embargo, as multas fiscais, independente da denominação utilizada, possuem uma única feição, isto é, encampam uma única natureza jurídica, qual seja, constituem penalidades pecuniárias de caráter punitivo (sancionador).

Lembra Carnelutti, ao tratar das multas fiscais, que as mesmas caracterizam-se como "um evento danoso imposto a quem não cumpre o preceito e, à semelhança da sanção penal, comportam duplo efeito: o intimidativo (psicológico), que visa evitar a violação do direito, e o repressivo, que se verifica após perpetrado o desrespeito à norma fiscal".

E, ato contínuo conclui (p. 19):

As sanções penais e as penalidades pecuniárias aplicadas no âmbito do procedimento administrativo, portanto, a nosso ver, em detrimento dos seus caracteres genuinamente punitivos, afiguram-se como categorias de sanções de natureza penal, cuja principal diferença reside no órgão encarregado de aplicá-las: a Administração Pública, na hipótese do cometimento das infrações tributárias formais ou materiais, e o Poder Judiciário, quando da configuração do ilícito penal tributário e respectiva aplicação das sanções penais.

3.5.3 Impossibilidade da persecução penal concomitante com o lançamento de

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