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A Hierarquia dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos no Direito

CAPÍTULO II A APLICABILIDADE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE

2.3 A Hierarquia dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos no Direito

Concomitantemente à intensa ratificação, pelo Brasil, de inúmeros tratados internacionais protetivos dos direitos humanos, deu-se início ao processo de redemocratização do Estado Brasileiro, que teve na promulgação da Constituição Brasileira de 1988 seu marco decisivo. Trata-se do primeiro texto constitucional brasileiro a trazer expressamente (art. 4º) os princípios pelos quais o Brasil deve se reger nas suas relações externas.

Dentro de um cenário internacional marcadamente humanizante e protetivo, a dignidade da pessoa humana e a prevalência dos direitos humanos foram erigidos pela Constituição de 1988 a princípios fundamentais da República Federativa do Brasil. E esses novos princípios jurídicos vêm oferecer fundamento axiológico a todo o sistema normativo nacional, devendo sempre ser considerados na interpretação de quaisquer normas do ordenamento jurídico pátrio.

Nesse contexto é que deve ser interpretado o § 2º, do art. 5º, da Constituição Brasileira, que, seguindo a tendência do constitucionalismo contemporâneo, veio inserir no rol dos direitos e garantias os decorrentes dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte, permitindo a abertura do nosso sistema jurídico ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos.

Tratando sobre esse modelo aberto de proteção dos direitos e garantias fundamentais, Loureiro (2004, p. 80) preleciona:

A inovação constitucional, conforme se destacou anteriormente, está na parte final do § 2º do art. 5º. Institui-se assim, na Carta de 1988, um sistema de integração entre as normas de direito constitucional e as normas de direito internacional dos direitos humanos, através de uma cláusula aberta para proteção dos direitos e garantias fundamentais. Não se trata, porém, como se vem pronunciando parte majoritária da doutrina constitucional pátria, de mais um dispositivo anódino, surgido apenas para aumentar ainda mais o já desesperadoramente extenso rol dos direitos e garantias fundamentais.

E prossegue concluindo:

Nessa mesma tendência, no modelo brasileiro inscrito na segunda parte do § 2º do art. 5º, as normas protetoras de direitos e garantias fundamentais, integrantes de tratados internacionais de direitos humanos, devidamente ratificados pela República Federativa do Brasil, passam a ter o mesmo

status constitucional que aquelas normas assecuratórias de direitos e

garantias fundamentais, previstas expressa ou implicitamente, ao longo do texto constitucional (2004, p. 80).

Como já ficou dito, a Constituição de 1988 atribuiu aos tratados internacionais de direitos humanos, expressamente, a condição de fontes do sistema constitucional de proteção de direitos. Assim, por força do art. 5º, §§ 1º e 2º, da Carta de 1988, aos direitos constantes dos tratados internacionais de direitos humanos foi conferida hierarquia constitucional. Neste sentido:

A hierarquia constitucional dos tratados de proteção dos direitos humanos decorre da previsão constitucional do art. 5º, § 2º, à luz de uma interpretação sistemática e teleológica da Carta, particularmente da prioridade que atribui aos direitos fundamentais e ao princípio da dignidade da pessoa humana. Essa opção do constituinte de 1988 se justifica em face do caráter especial dos tratados de direitos humanos e, no entender de parte da doutrina, da superioridade desses tratados no plano internacional, tendo em vista que integrariam o chamado jus cogens (direito cogente e inderrogável) (PIOVESAN, 2013b, p. 58-59).

Acerca do tema, assinala Trindade (1991, p. 139-140):

Por meio desse dispositivo constitucional, os direitos humanos consagrados em tratados de direitos humanos em que o Brasil seja parte incorporam-se

ipso facto no direito interno brasileiro, no âmbito do qual passam a ter

‘aplicação imediata’ (art. 5 (1)) da mesma forma e no mesmo nível que os direitos constitucionalmente consagrados. A intangibilidade dos direitos e garantias individuais é determinada pela própria Constituição Federal, que inclusive proíbe expressamente até mesmo qualquer emenda tendente a aboli-los (art. 60 (4) (IV)). A especificidade e o caráter especial dos tratados de direitos humanos encontram-se, assim, devidamente reconhecidos pela Constituição Brasileira vigente.

Na mesma linha, o pensamento de Weis (2010, p. 45):

Novamente faz-se questão de frisar a posição desta obra quanto ao reconhecimento da materialidade constitucional dos tratados de direitos humanos [...] Trata-se da coexistência de dois sistemas normativos paralelos, ambos vigentes no País, mas que têm mecanismos próprios e estanques de criação, modificação ou extinção de suas previsões, afastando os problemas que surgem quando se pretende a fusão de ambos. Como sistemas jurídicos paralelos, ambos são aptos a gerar direitos subjetivos para as pessoas submetidas à soberania brasileira. E, sobrevindo eventual conflito quanto ao sentido e alcance de um dado direito, no caso concreto, conforme se busque sua previsão num ou noutro sistema, tal se resolve não pela indagação de qual seja a norma ‘superior’, mas, sim, da que promova de forma mais ampla e eficaz o direito em questão, na forma preconizada pelas regras de interpretação dos direitos humanos, previstas nos respectivos tratados.

De fato, tem a doutrina pátria mais abalizada entendido que, com a previsão do § 2º, do art. 5º, a Constituição expressamente declara o conteúdo constitucional dos direitos constantes dos tratados internacionais firmados pelo Brasil.

Sobre o status constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos, Mazzuoli (2011a, p. 819):

Com base neste dispositivo, que segue a tendência do constitucionalismo contemporâneo, sempre defendemos que os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil têm índole e nível constitucionais, além de aplicação imediata, não podendo ser revogados por lei ordinária posterior. E a nossa interpretação sempre foi a seguinte: se a Constituição estabelece que os direitos e garantias nela elencados ‘não excluem’ outros provenientes dos tratados internacionais ‘em que a República Federativa do Brasil seja parte’, é porque ela própria está a autorizar que esses direitos e garantias internacionais constantes dos tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil ‘se incluem’ no nosso ordenamento jurídico interno, passando a ser considerados como se escritos na Constituição estivessem. É dizer, se os direitos e garantias expressos no texto constitucional ‘não excluem’ outros provenientes dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte, é porque, pela lógica, na medida em que tais instrumentos passam a assegurar outros direitos e garantias, a Constituição ‘os inclui’ no seu catálogo de direitos protegidos, ampliando o seu ‘bloco de constitucionalidade’.

E segue ainda enfatizando que, com a disposição do § 2º, do art. 5º, da Constituição Brasileira,

[...] tais tratados passaram a ser fontes do sistema constitucional de proteção de direitos no mesmo plano de eficácia e igualdade daqueles direitos, expressa ou implicitamente, consagrados pelo texto constitucional, o que justifica o status de norma constitucional que detêm tais instrumentos internacionais no ordenamento jurídico brasileiro (MAZZUOLI, 2011a, p. 820).

Na doutrina pátria, Mello (2001, p. 25), defende ainda o status supraconstitucional dos tratados internacionais de direitos humanos, à vista dos princípios internacionais ligados à força expansiva dos direitos humanos e por sua caracterização como “normas de jus cogens internacional”. Tal autor se diz “ainda mais radical no sentido de que a norma internacional prevalece sobre a norma constitucional, mesmo naquele caso em que uma norma constitucional posterior tente revogar uma norma internacional constitucionalizada”.

Intentando solucionar as controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais quanto à hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro, a Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, acrescentou o § 3º ao art. 5º da Constituição Federal, com o seguinte texto:

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Saliente-se que a Constituição, neste dispositivo, não criou nova espécie de emenda constitucional, devendo o tratado continuar a ser aprovado pelo Congresso por decreto legislativo, mas podendo ou não (decisão quanto ao quorum) o Parlamento dar aos tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil a equivalência de emenda12.

Tratando sobre a introdução pela Emenda Constitucional nº 45/2004 do § 3º no art. 5º, magistralmente destaca Trindade (2007, p. 209):

Retrocesso provinciano põe em risco a inter-relação ou indivisibilidade dos direitos protegidos em nosso país (previstos nos tratados que o vinculam), ameaçando-os de fragmentação ou atomização, em favor dos excessos de um formalismo e hermetismo jurídicos eivados de obscurantismo. Os triunfalistas da recente Emenda Constitucional nº 45/2004, não se dão conta de que, do prisma do Direito Internacional, um tratado ratificado por um Estado o vincula ipso jure, aplicando-se de imediato, quer tenha ele previamente obtido aprovação parlamentar por maioria simples ou qualificada. Tais providências de ordem interna – ou, ainda menos, de

interna corporis, – são simples fatos do ponto de vista do ordenamento

jurídico internacional, ou seja, são, do ponto de vista jurídico internacional,

12

Ressalte-se que exatamente deste modo agiu o Congresso Nacional brasileiro ao aprovar os dois primeiros tratados de direitos humanos com equivalência de emenda constitucional depois da EC 45/2004, que foram a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007, aprovados conjuntamente pelo Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008, tendo seus textos sido promulgados pelo Decreto nº 6.949, de 25.08.2009.

inteiramente irrelevantes. A responsabilidade internacional do Estado por violações comprovadas de direitos humanos permanece intangível, independentemente dos malabarismos pseudo-jurídicos de certos publicistas (como a criação de distintas modalidades de prévia aprovação parlamentar de determinados tratados, a previsão de pré-requisitos para a aplicabilidade direto de tratados no direito interno, dentre outros), que nada mais fazem do que oferecer subterfúgios vazios aos Estados para tentar evadir-se de seus compromissos de proteção do ser humano no âmbito do contencioso internacional dos direitos humanos.

Como se vê, a Constituição Brasileira atualmente adota um sistema misto, quanto à hierarquia dos tratados internacionais, veiculando regimes jurídicos diferenciados: um atinente aos tratados de direitos humanos (hierarquia constitucional se aprovados na forma do seu art. 5º, § 3º) e outro aos tratados tradicionais (hierarquia infraconstitucional extraída do seu art. 102, III, b).

Atualmente, à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o entendimento que prevalece é o de que os tratados internacionais, no direito interno, estariam posicionados em três níveis hierárquicos distintos: os tratados comuns no mesmo plano hierárquico da legislação ordinária; os tratados internacionais de

direitos humanos (aprovados sem o quorum qualificado do § 3º do art. 5º da CF) com status supralegal; e, por fim, os tratados de direitos humanos aprovados com tal quorum qualificado, dotados de status constitucional. Acerca do tema:

Temos que admitir, por conseguinte, uma nova pirâmide jurídica no nosso País, segundo o STF: no patamar inferior está a lei, na posição intermediária estão os tratados de direitos humanos (aprovados sem o quorum qualificado do § 3º do art. 5º da CF) e no topo está a Constituição (GOMES, 2009,p. 67).

2.4 O Posicionamento do Supremo Tribunal Federal Quanto à Hierarquia dos

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