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A Ascensão da Alta Cozinha e a sua Mediatização

No documento Propriedade Intelectual e a Alta Cozinha (páginas 57-60)

Capítulo 4 – Propriedade Intelectual e as Relações com a Alta Cozinha

4.1. A Ascensão da Alta Cozinha e a sua Mediatização

Nos Estados Unidos, diversos estudiosos apontam para a necessidade da instituição de proteção legal para as criações culinárias. Como já foi acima referido, embora seja uma questão que divide opiniões, boa parte dos autores chama a atenção para a falta de proteção jurídica no ramo, criticando o facto de os chefs não disporem de garantias legais equivalentes àquelas concedidas a outros criadores intelectuais, como podemos ver através da opinião de Jassens, acima citada.20

Os autores que se debruçam sobre este dilema da presente dissertação reconhecem que o tema ter-se-á tornado relevante nos Estados Unidos a partir da explosão de interesse por criações culinárias, surgida na sociedade americana em meados do século XX, quando milhares de livros de receitas foram disponibilizados a um público ávido por novidades, como pode ser o caso dos guias (de restaurantes) que surgiram no início do século XX.

20 Dois dos melhores estudos sobre esse ponto são também Buccafusco, 2007 e Broussard, 2016, tal

Refere Broussard (2016: 8) que O Guia Michelin da França, publicado pela primeira vez em 1900, e o Inquérito Zagat dos Estados Unidos, publicado pela primeira vez em 1979, são dois dos guias de restaurantes mais populares hoje em dia e os jornais distribuídos nacional e localmente apresentam regularmente artigos e avaliações sobre restaurantes. E ele acrescenta sobre esta “nova moda” que, devido ao surgimento da literatura culinária e da programação da televisão, passa a ser possível o “entretenimento com as alegrias do jantar e da preparação de alimentos antes e depois das refeições” (Idem, Ibidem). No entanto, foi só no início dos anos 90 que o valor de entretenimento da comida e do jantar foi usado pelo setor de televisão na forma de um canal inteiro dedicado ao assunto – a

Food Network. A Television Food Network foi fundada em 23 de novembro de 1993 por

Joe Langhan, que desenvolveu esse novo formato quando trabalhava para a Providence

Journal Company.

A ideia do chef celebridade tem as suas origens no nascimento e desenvolvimento da culinária televisiva, resultante do potencial único do meio de expor a arte da culinária e da gastronomia ao público de massa pela primeira vez na história. Tal como viria a suceder em Portugal, nos Estados Unidos os programas de televisão que inicialmente se focavam no ensino de práticas culinárias adaptáveis ao ambiente doméstico foram-se sofisticando até atingirem o atual modelo de reality shows, muitos dos quais exibidos em horário nobre. Os cozinheiros vencedores destas competições, tal como também Portugal, além de receberem prémios e promissoras oportunidades de trabalho, acabaram por se transformar em celebridades.

Tudo isto levou a uma crescente relevância social e económica em torno das criações culinárias, fazendo emergir a temática da sua proteção legal. Por vezes também, estas transformações no setor gastronómico podem acabar por exacerbar a rivalidade entre os chefs, incentivando muitos deles a considerar com seriedade a possibilidade de defender juridicamente a propriedade intelectual das suas receitas (BUCCAFUSCO, 2007: 26).

Um exemplo usualmente apontado é o caso da controvérsia relacionada com criações culinárias que envolveu Rebecca Charles, chef e proprietária do Pearl Oyster Bar, de Nova Iorque, e o seu antigo sous-chef Edward McFarland que, supostamente, teria imitado, no seu Ed’s Lobster Bar, o menu, as receitas, a apresentação dos pratos e

até mesmo a decoração do estabelecimento de uma sua ex-empregadora. Em 26 de junho de 2007, Rebecca Charles, proprietária e chef executiva do Pearl Oyster Bar (Pearl) na baixa de Manhattan, entrou com uma queixa no tribunal federal contra o chef Edward McFarland. Ela alegou que McFarland "pirateou todo o menu do Pearl e todos os aspetos da apresentação dos pratos do restaurante (Pearl)" quando ele abriu o Ed’s Lobster Bar, apenas algumas semanas depois de sair da sua posição no Pearl. O caso Charles/McFarland ganhou muita atenção na media, bem como em blogs de comida e refeições pela Internet. Muitos dos que publicaram comentários on-line nesses "foodie Blogs" simpatizaram com a frustração de Charles, mas eles permanecem céticos de que os conceitos de propriedade intelectual podem ou devem ser invocados para proteger os itens de menu apresentados pelos restaurantes (Cf. BROUSSARD, 2016: 3 e sq.).

Muito embora as violações praticadas por McFarland tenham envolvido elementos respeitantes a diferentes institutos de propriedade intelectual, entre os quais o design e o

trade dress, foi o copyright que, neste caso, representou o elemento central da

controvérsia. Conforme relata Cunningham:

“[...] o detalhe que declaradamente mais teria irritado Charles teria sido um prato do menu de McFarland intitulado ‘Ed's Caesar’. De acordo com Charles, McFarland teria copiado a sua receita de salada Caesar, feita com croutons de muffin inglês e ovos coddled e que, segundo Charles, seria uma receita de autor do Pearl” (CUNNINGHAM, 2009, apud MEDRADO, 2016: 59).

Rebecca Charles acabou por propor uma ação contra McFarland, cuja foi encerrada por meio de um acordo judicial cujos termos não chegaram a ser divulgados (cf. SMITH, 2014; STRAUS, 2012; CUNNINGHAM, 2009; BROUSSARD, 2008, apud MEDRADO, 2016, para os detalhes do caso). Mas, como ressalta Broussard (2016: 4), algumas questões ficaram em aberto. Charles teria que recorrer a uma reivindicação de

trade dress, a fim de proteger os seus pratos? Será que uma reivindicação de violação de

direitos de autor, em vez do trade dress, é mais apropriada no que diz respeito aos interesses legais que ela estava a tentar proteger? A lei de direitos de autor deve fornecer proteção para os pratos originais dos chefs?

Este foi um dos vários exemplos que nos faz ver que a controvérsia persiste, exigindo assim uma explanação sobre a aplicabilidade ou não da legislação norte- americana do copyright na proteção de criações culinárias. A legislação dos Estados

Unidos no que diz respeito ao copyright é semelhante a aspetos da legislação portuguesa do direito de autor, pelo que os contornos serão muito similares em ambos os países, o que de certa forma nos ajudará a fazer ilações a partir das informações que se seguem.

No documento Propriedade Intelectual e a Alta Cozinha (páginas 57-60)