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Os antepassados da cozinha em Portugal

No documento Propriedade Intelectual e a Alta Cozinha (páginas 32-35)

Capítulo 1 Uma pequena história global dos antepassados da cozinha

1.6. Os antepassados da cozinha em Portugal

A presente dissertação aborda o tema da propriedade intelectual e da alta cozinha. Contudo, mesmo que de modo sempre bastante sucinto, importa referir aqui alguns aspetos da evolução da culinária em Portugal, tendo em consideração que a nossa amostra para a futura análise qualitativa se foca unicamente nos chefs portugueses.

Roby Amorim (1987: 9) diz-nos que existem períodos históricos sobre os quais não existe informação sobre a forma como se alimentaram os portugueses ao longo de séculos. E, se, “para algumas épocas, os documentos descrevem como se banqueteavam soberanos e grandes deste mundo, raras vezes algum cronista se lembrou de anotar como era a mesa

8 Quanto ao requinte das antigas casas aristocráticas, reencontramo-lo nos restaurantes de luxo dos grandes

boulevards de Paris. É lá que se fazem receitas outrora elaboradas e codificadas por Antonin Carême e depois pelos seus sucessores-Duglére, Urbain Dubois e Escoffier.

dos camponeses, dos operários e do ascendente burguês. Restam assim os documentos tabeliónicos, as disposições reais, as tabelas dos impostos, os versos dos poetas, pois nem mesmo os pintores são suficientemente naturalistas, uma vez que quando representam uma mesa servida, anotam algumas peças de alimento, mas raramente com a intenção de explicarem como se desenrolava a refeição”. O mesmo autor continua referindo que, com “os Descobrimentos, os portugueses sofreram influências de todos os múltiplos povos que passaram por este verdadeiro “Carrefour” do Globo”. Os Descobrimentos vieram introduzir novos alimentos (não só em Portugal, mas um pouco por todo o mundo), como as bananas, o ananás, a mandioca e algumas especiarias.

Já na Idade Moderna, em 1680, Domingos Rodrigues preparou um livro de receitas que seria um sucesso com várias reedições, Arte da Cozinha. Rodrigues nasceu em Lamego (1637) e começou a trabalhar nas cozinhas por volta de 1651, servindo os marqueses de Valença e de Gouveia, e os reis Pedro II e João V. A respeito da mencionada (elogiada) obra dizem o seguinte:

“O glutão ingere, devora, sacia-se sem o deleite de apreciar. Uma batata comida por um glutão não equivale a uma batata saboreada por uma pessoa de paladar apurado. Um enche-se ao máximo; o outro alimenta-se com delicadeza e as suas digestões são tão bem preparadas como a cozinha que escolheu. É como os bebedores: uns ingerem vinho. Para eles só há um fito: encher o estômago, sentir a tontura. Os que amam realmente o néctar não bebem zurrapas, analisam o tom, a cor, os reflexos da luz nos copos antes da absorção, lenta, vagarosa, condicionada. Nem todos sabem comer e beber, embora toda a gente coma e beba. Há um abismo entre os engorgitadores e os essenciados” (MARTINS, apud AMORIM, 1987: 177-178).

Segundo Roby Amorim, Rocha Martins terá ainda comentando que Domingos Rodrigues, cozinheiro de sua majestade real, sabia preparar os pratos para os dois géneros de comedores. Analisando esta perspetiva de Rocha Martins, pode já ver-se o que nos vem interessando nesta dissertação; os momentos passados onde começaram a surgir noções de culinária mais “sofisticada” não só no que respeita à sua preparação, mas sim à posição do comensal que a ingere, ou neste caso, a aprecia, pois uma conclusão a que podemos facilmente chegar é que a alta cozinha não passa só pela diferenciada e sofisticada confeção de pratos, mas sim pela atitude de apreciação e degustação da pessoa que a ingere.

com os nomes dos pratos em francês, uma “inovação” que não agradou a todos, inclusive ao próprio D. Miguel. Tendo prolongado no tempo, esta moda introduzida pelo Sr. Barabim (proprietário do hotel, continuou a desagradar a ilustres figuras como Camilo Castelo Branco, Júlio Dinis e Eça de Queirós (AMORIM, 1987: 214). Já o escritor Alberto Pimentel, que prefacia João da Mata (cozinheiro chef e proprietário do Grande Hotel de Lisboa, ao Largo do Calhariz):

“No hotel do Mata começastes talvez a atemorizar-vos mais com o francês do prato que com o indigesto do conteúdo. “Gateau! Isto de gateau cheira a bicharia; talvez superlativo de gato. Shoking! Se vos disserem que é pastelão já ficareis tranquilos. Embirrais com ver no menu a palavra dessert. Mas excelentíssimas pessoas, a cozinha é uma arte, e infelizmente as ciências e as artes entre nós não podem dispensar tecnologia francesa, não só por deficiência da nossa língua, como para nos fazermos entender dos estrangeiros, entre os quais o idioma francês é moeda corrente. De mais a mais nosso Vatel não se quesilará se vós traduzirdes dessert por sobremesa ou por pospasto ou finalmente por postres. Deste modo, todos haverão entendido, e cada um haverá traduzido consoante sua língua e… paladar. “É preciso, ó lusitanas pessoas, sermos do nosso tempo” (AMORIM, 1987: 215-216).

Já em meados do século XIX, diz-nos Amorim, e não é surpresa para ninguém, que os intelectuais e os políticos preferiam o café a qualquer outro ponto de reunião:

“O café é uma das feições mais características de uma terra. O viajante experimentado e fino chega a qualquer parte, entra no café, observa-o, examina-o e tem conhecido o país que está, o seu governo, as suas leis, os seus costumes, a sua religião” (GARRET, apud AMORIM, 1987: 226).

Referimos já o garum, que era produzido, em Setúbal e em Vila Real de Santo António. No que diz respeito às conservas, a sardinha foi a pioneira seguindo-se o atum, e nos últimos anos tentaram abrir e diferenciar o seu leque, estendendo-se às lulas, berbigão, cavala, anchovas e bacalhau. A seguir à Segunda Guerra Mundial, e para rematar este breve inventário, surgia em Portugal o peixe congelado assim como uma gama de produtos frigorificados prontos a usar (AMORIM, 1987: 238).

No documento Propriedade Intelectual e a Alta Cozinha (páginas 32-35)