• Nenhum resultado encontrado

A Culinária e a Marca Registada

No documento Propriedade Intelectual e a Alta Cozinha (páginas 66-69)

Capítulo 4 – Propriedade Intelectual e as Relações com a Alta Cozinha

4.3. A Culinária e os demais modos de proteção legal

4.3.1. A Culinária e a Marca Registada

Como questiona Medrado (2016: 88), “o nome atribuído por um chef a um prato ou menu da sua criação podem ser objeto de registo como marca?” O chef Cordeiro assegura que se consegue registar tudo o que se quiser: “Consegue, consegue registar o que quiser”23. Porém para tentar responder a esta questão vamos debruçar-nos um pouco sobre o que é uma marca registada.

Além do copyright e das patentes, a marca registada constitui um pilar das leis de propriedade intelectual. As leis presentes no Código da Propriedade Industrial, quer nos Estados Unidos quer em Portugal, são semelhantes, por isso seguiremos com o caso específico de Portugal.

Segundo o Código da Propriedade Industrial (Lei nº.16/2008), o registo da marca tem como objetivo conferir “ao seu titular o direito de impedir terceiros, sem o seu

consentimento, de usar, no exercício de atividades económicas, qualquer sinal igual, ou semelhante, em produtos ou serviços idênticos ou afins daqueles para os quais a marca foi registada, e que, em consequência da semelhança entre os sinais e da afinidade dos produtos ou serviços, possa causar um risco de confusão, ou associação, no espírito do consumidor” (Art.258º.). A marca é assim definida:

“1- A marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais suscetíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respetiva embalagem, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.

2- A marca pode, igualmente, ser constituída por frases publicitárias para os produtos ou serviços a que respeitem, desde que possuam caráter distintivo, independentemente da proteção que lhe seja reconhecida pelos direitos de autor” (Art.222º.).

Assim, ao analisarmos a conceção da marca podemos, como destaca Medrado (2016:89 e sq.), concebê-la de 4 formas:

“a) Nominativa: é aquela formada por palavras, neologismos e combinações de letras e números.

b) Figurativa: constituída por desenho, imagem, ideograma, forma fantasiosa ou figurativa de letra ou algarismo, e palavras compostas por letras de alfabetos como hebraico, cirílico, árabe, etc.

c) Mista: combina imagem e palavra.

d) Tridimensional: pode ser considerada marca tridimensional a forma de um produto, quando é capaz de distingui-lo de outros produtos semelhantes”.

Assim sendo, o registo da marca tem como finalidade a “identificação da origem e da qualidade relativa do produto ou serviço por ela identificado”. Existem alguns princípios que são empregados às marcas, dentre os quais, sempre segundo Medrado (2016: 90-91), “vale mencionar os princípios da especialidade, da anterioridade e da distintividade. O autor refere que de acordo com o princípio da especialidade, a exclusividade de um signo esgota-se nas fronteiras do género de atividades que ele designa […] Pelo princípio da anterioridade, a marca registada prevalece sobre pedidos de registo posteriores, aplicados para signos distintivos idênticos semelhantes aos da marca já requisitada ou registada, e para identificar produtos ou serviços equivalentes ou

afins àqueles por meio dela pleiteados. Por fim, refere-se ao princípio da distintividade, o registo de marca que corresponda a expressão de uso comum, genérico ou vulgar ou a um termo técnico relacionado com um produto ou serviço”.

Voltando assim à questão anterior, a saber se o nome atribuído por um chef a um prato ou menu da sua criação podem ser objeto de registo como marca, a resposta para ambos os casos deverá ser positiva. Conforme referido, uma marca protege palavras ou símbolos usados para identificar determinados produtos ou serviços.

“[...] O nome de restaurantes, o nome de pratos individualmente considerados e frases de efeito podem servir como marcas registadas. chefs podem, inclusive, registar como marcas seus próprios nomes, os quais podem então ser licenciados para seus próprios restaurantes, para outros restaurantes, ou para a divulgação de alimentos embalados, utensílios de cozinha ou outros tipos de produtos” (STRAUS, 2012, apud MEDRADO, 2016: 91).

Assim, pode afirmar-se que, pelo menos “do ponto de vista teórico, as duas expressões (nome de restaurante de chef) preenchem os requisitos de registabilidade, uma vez que não são de uso comum para a identificação de criações culinárias, nem tampouco necessárias, guardando a exigida distintividade do nome ou marca. Imprescindível, é que se realize o enquadramento de tais expressões dentre as classes de marcas disponíveis na classificação adotada pelo INPI para, em seguida, se efetuar a procura de anterioridades. Verificada a inexistência de marcas já depositadas ou registadas, nas classes a serem pleiteadas, e para expressões idênticas ou similares, as marcas estão livres para registo”.

A marca constitui, portanto, “o instrumento mais adequado para a proteção de um importante elemento de uma criação culinária: o nome atribuído por um chef a um prato ou menu de sua criação. Frise-se, contudo, que um chef que pretenda proteger como marca o nome de um prato ou de um menu da sua criação deverá arcar com o custo das taxas oficiais devidas ao INPI em virtude do pedido de registo apresentado, e das taxas oficiais decorrentes da sua manutenção, caso se verifique a concessão da marca” (MEDRADO, 2016: 91-92).

Em Portugal, se alguns chefs pensam ser bastante dispendioso fazer uso desta proteção, há por outro lado chefs que optam por ela, seja para pratos seja para menus. No primeiro caso, temos o exemplo do chef António Loureiro, que embora ache ser uma proteção totalmente provida de sentido, não acha que seja um método muito sustentável:

“Tu podes registar o prato se quiseres, percebes? Só que nós fazemos tantos pratos, se fossemos registar todos os pratos não ganhávamos dinheiro suficiente porque os registos já são caros, não é uma coisa propriamente barata registar uma marca, registar alguma coisa”24.

Já os chefs Óscar Gonçalves e João Oliveira preferem recorrer ao registo de algumas criações, pelo menos aquelas que lhes são mais distintivas, como é o caso do menu Mar

e a Sustentabilidade (criado com peixes menos nobres), e do evento gastronómico Mar Adentro, ambos do chef João Oliveira25. O chef diz usar este tipo de proteção para impedir que terceiros usem os mesmos nomes em atividades ou pratos que em nada têm a ver com os originais, o que como vimos acima, pode induzir o consumidor em erro. O chef Óscar Gonçalves está por sua vez no processo de registo dos seus pratos Rocher de Alheira e da “falsa” Bola de Berlim recheada com Queijo Terrincho e Presunto de Porco Bísaro26, ambos criados com alimentos típicos da região de Bragança.

No documento Propriedade Intelectual e a Alta Cozinha (páginas 66-69)