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O segredo comercial na cozinha de autor em Portugal

No documento Propriedade Intelectual e a Alta Cozinha (páginas 92-96)

Capítulo 5 – A Opinião dos chefs sobre a Aplicação do Direito de Autor nas Criações Culinárias

5.1. Análise Qualitativa das Entrevistas

5.1.4. O segredo comercial na cozinha de autor em Portugal

A quarta questão prende-se com o segredo comercial, e questiona se os chefs têm contratos de confidencialidade com os seus chefs ajudantes/equipa. Parece aqui importar estabelecer uma relação entre esta questão e a primeira questão, pois faria sentido que os chefs que foram positivos em relação à proteção das criações culinárias, fossem mais propensos à utilização desta forma de proteção “suplementar”.

Os chefs António Loureiro, Ricardo Costa e João Oliveira foram rápidos a afirmar que usam esse tipo de proteção. O chef António Loureiro explica em que medidas exerce esse contrato:

“[…] eles não podem à partida reproduzir coisas que se fazem aqui. Tudo o que se faz aqui, podem reproduzi-lo em casa, podem adaptá-lo para outras… pegar naquelas bases e fazer outras coisas, reinventar, fazer o que quiserem. Agora reproduzir exatamente a mesma coisa não. Ou sair daqui… ou estar aqui a trabalhar e por exemplo dar uma assessoria a outro restaurante, isso… não é permitido.”

Os termos deste contrato parecem bastante coerentes com os depoimentos dados anteriormente, uma vez que permitem a adaptação e recriação de pratos, fatores esses que foram previamente tomados como a originalidade necessária para uma criação não ser considerada uma cópia. O chef Ricardo Costa (que em parte concordou com a existência de uma proteção de direito de autor em pratos realmente únicos) afirma ter contrato de exclusividade e, de certa forma, de confidencialidade também, e diz que nesse sentido tenta manter “o máximo possível as nossas receitas, o que nós fazemos cá dentro”; admite contudo existir “sempre alguma fuga de informação”, mas refere que “há determinados pratos que só determinadas pessoas os fazem, outros não têm esse conhecimento”. Isto deve-se, como veremos na questão seguinte, à forma hierarquizada de trabalho no The Yeatman. O chef João Oliveira também diz ter uma parte de confidencialidade e explica que:

“[…] na minha cozinha nós não utilizamos telemóvel, ninguém pode tirar fotografias, há um dossier que é confidencial, de receitas, pratose isso tudo. E assinam só numa base de não passarem informações pessoais do hotel, ou outras informações que depois cria… é tentar evitar que passem algumas informações que não são as melhores”.

As cláusulas deste contrato não parecem relacionadas unicamente com as criações culinárias (o que se torna mais consonante com a resposta negativa em relação à necessidade de proteção pelo direito de autor), mas mais com uma “filosofia”, pois o chef explica também que tem uma prática de exposição dos pratos em meios sociais (de dois em dois meses), mas uma vez que o restaurante está integrado num hotel, o contrato terá que ser mais abrangente. Neste ponto de vista, mais centrado no “negócio”, por assim dizer, encontra-se também o contrato de confidencialidade do chef Pedro Lemos. O chef, que na primeira questão respondeu não achar necessária a proteção de direito de autor nas criações culinárias, diz possuir este contrato, mas por questões financeiras, passando a citar:

“O contrato laboral de todos os meus funcionários tem uma cláusula de confidencialidade. […] o que acontece numa empresa, até o que me preocupa mais é mais no que diz respeito à parte empresarial do negócio […] eu não proíbo ninguém de fazer nada, parte-se do princípio de que há esse respeito, nunca tive de utilizar isso. Dependendo da função e da responsabilidade de cada funcionário aqui, por exemplo o diretor do restaurante, obviamente o contrato dele é muito mais rígido e severo do que um dos outros porque ele

tem acesso a informação que mais ninguém tem, estamos a falar da parte contabilística, da parte financeira do espaço”.

Pode assim ver-se que estes chefs distinguem bem aquilo que é uma criação culinária daquilo que é um negócio, uma marca.

Os chefs Rui Paula, Vítor Matos e Óscar Gonçalves declaram que não têm contratos de confidencialidade, mas, após questionados, dizem ser uma hipótese a considerar. Rui Paula diz mesmo “ainda não cheguei aí, mas não quer dizer que não seja de hoje para amanhã que não seja preciso”, especificando em que caso poderia adotar esse contrato: “Mas não quer dizer que de hoje para amanhã isso não se consiga fazer, e não tenha um contrato de confidencialidade porque vou fazer isto, isto e é uma coisa muito sigilosa e só tu é que sabes e a tua funcionária aqui… e ver como é que isso se faz em termos contratuais. Não tenho, mas não fica fora de hipótese”. Não parece assim que o chef adotasse este tipo de contrato no seu quotidiano (talvez por não achar necessária a proteção pelo direito de autor), mas sim na execução de algum prato de maior sigilo. O

chef Vítor Matos, embora seja a favor da partilha, e, por conseguinte, não ache necessária

a proteção das criações culinárias, admite pensar num contrato de confidencialidade. No entanto, pela forma como pensa nele, parece olhá-lo tal como Pedro Lemos e João Oliveira – numa questão de negócio, de marca, e não aplicado às criações culinárias como podemos ver:

“Às vezes penso nisso aí, penso nisso aí porque, fico zangado um bocado porque, tudo aquilo que se diz sabe-se e passa-se. […]. Nós todos temos que fazer asneiras, fazer uma asneira é uma forma de evoluir. Pá, e uma forma de, de trabalhar com pessoas, como eu é, para já, confiar neles. Para uma marca, sim, mas para uma cozinha, eu não faço isso aí, eu não fecho, não fecho, eu publico todos os dias, eu publico, todos os dias eu publico pratos, não sei, os

chefs em Portugal não publicam nada, pouca coisa, por isso estava-lhe a dizer,

no Facebook […]: Aí sim, quando criamos um produto, também criamos um produto único e exclusivo e queremos ter o registo dele e queremos vender e queremos ser únicos a fazer isso. É essa […] Marca é o negócio. Cozinhar é um estado, é um… Para mim não é um negócio, é a minha vida, é o gosto pessoal…”

O chef Óscar Gonçalves, que gostaria de ver as criações culinárias protegidas pelo Código do Direito de Autor, afirma não ter contratos de confidencialidade, contudo assume que deveria ter, e diz ser uma questão bastante pertinente, o que vai ao encontro da sua opinião quanto à proteção, porque “as pessoas hoje trabalham connosco e amanhã

saem de nossa casa e irão para outras casas”, e relata “casos em Portugal (não vou referir os nomes dos chefs) que toda a equipa assina um termo de responsabilidade confidencial, todos os pratos que são elaborados ali não podem sair dali”.

Os chefs Cordeiro, Henrique Sá Pessoa e Luís Pestana, por outro lado, não têm contratos de confidencialidade, nem parecem fazer questão de os ter. Henrique Sá Pessoa, que não considera necessária a proteção nas criações culinárias, diz mesmo: “não, não porque… ou seja, mais uma vez eu acho que tu podes levar as minhas receitas, mas nunca levas a minha alma”. O chef Luís Pestana é mais extenso e expõe-nos:

“Eu sei que existe esse risco hoje em dia. […] E como acontece muito na área da perfumaria, as composições dos perfumes são guardadas a sete chaves, e faz sentido não é? […] Na área da cozinha eu entendo que, lá está, nenhum outro chef vai apresentar a mesma criação, vai aprender uma base de conhecimentos que pode ter conseguido através de colaboradores meus, no caso do mercado não vou falar do meu caso pessoal. Da mesma maneira que eu também uso informações que obtenho de outros colegas, desde que eu use isso de uma forma responsável, consciente de que não estou a deturpar o trabalho de ninguém, a fazer uma cópia exata do trabalho de ninguém, chamar meu, minha autoria àquilo que de facto não é meu, acho que não tenho esse complexo”.

O chef, que não era a favor da proteção das criações, parece manter a sua opinião e acredita que um colega nunca copiaria na íntegra uma criação sua. Opinião de confiança também partilhada pelo chef Cordeiro:

“Não, nunca tive contrato de confidencialidade com ninguém, eu acredito muito nas pessoas. […] E as pessoas copiam sempre aquilo que gostam, os pratos mais vendidos são sempre os mais copiados, e aquilo que me preocupa, deixa-me mesmo muitas vezes triste é que estejam a copiar e estejam a fazê- lo mal, isso é que me deixa triste. Agora, o outro dizia que o segredo é a alma do negócio, e continua, continua a ser, mas muito menos e só em determinadas coisas já, porque aquilo que a gente dizia antigamente na cozinha: ‘Ah o senhor…’ é tudo treta, alguém viu, acabou, já está. E aquela história dos Pastéis de Belém lá, que eles têm a receita fechada num cofre, é tudo treta, é tudo marketing, as pessoas é que ainda não perceberam. O show off, o show

off na cozinha, na sala, é muito importante para vender, vende imenso, quando

nós fazemos o show off. Só que a maior parte das vezes o show off é feito sobre mentiras, e é isso que eu não quero, não gosto de mentiras”.

O chef Cordeiro, apesar de ser a favor de uma possível proteção das criações culinárias, não possui contrato de confidencialidade e parece ficar desconfortável, não pelo facto de ser copiado, mas no caso de essa cópia ficar abaixo da qualidade da sua criação original. Não obstante, prefere confiar nas pessoas, e manter um trabalho aberto.

Em síntese, há quatro chefs (António Loureiro, João Oliveira, Ricardo Costa e Pedro Lemos) que assumem ter contratos de confidencialidade, embora dois deles sejam mais relacionados com questões financeiras (de negócio) e não tanto como salvaguarda de sigilo em relação a criações culinárias. Três chefs (Henrique Sá Pessoa, Luís Pestana e Cordeiro) não têm contratos e não é algo que esteja nos seus horizontes, e três chefs responderam que não têm contratos, mas admitem essa possibilidade futura, seja para a salvaguarda de proteção de criações nuns casos seja para proteção de marca noutros.

No documento Propriedade Intelectual e a Alta Cozinha (páginas 92-96)