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As normas sociais no contexto português

No documento Propriedade Intelectual e a Alta Cozinha (páginas 102-105)

Capítulo 5 – A Opinião dos chefs sobre a Aplicação do Direito de Autor nas Criações Culinárias

5.1. Análise Qualitativa das Entrevistas

5.1.7. As normas sociais no contexto português

A sétima questão da entrevista foi pensada a partir do material de investigação que foi possível recolher graças a Emmanuelle Fauchart e Eric von Hippel, autores que abordámos no quarto capítulo. Recordando, esses autores fizeram uma investigação na qual também realizaram entrevistas com chefs franceses e concluíram que em França existem normas sociais no ambiente da alta cozinha e, embora sejam informais, elas de facto vigoram. Como vimos anteriormente, essas normas são as seguintes: (1) um chef nunca deve copiar integralmente uma receita inovadora de outro chef; (2) se um chef voluntariamente revela um segredo profissional a um colega, este não poderá repassar a informação a terceiros sem a sua permissão; e (3) um chef deve dar crédito aos criadores de receitas ou técnicas culinárias. O não cumprimento destas regras traria consequências, de entre as quais: a recusa em fornecer informações (ao plagiador); uma diminuição da reputação, e em casos extremos o plagiador poderá ser condenado ao ostracismo.

Era assim pertinente perceber se esse tipo de normas se impunha em território português, uma vez que muitos chefs fizeram a sua formação no exterior, e podiam assim trazer com eles essa uniformização. Porém, ao contrário ao cenário francês, em Portugal não existe nenhum tipo de normas sociais. Também foi perguntado aos chefs se achavam que essas normas deveriam existir, ao que as respostas não foram unânimes. Vamos ver os seus motivos mais em detalhe.

O chef Rui Paula, quando questionado, dá a seguinte resposta:

“É muito difícil… nunca ninguém me fez estas perguntas, é engraçado… Isso é uma pergunta muito pertinente, sabes. Cá não existe. Mas sabes a que é que isso obriga? Isso obriga a sermos todos unidos, que é uma coisa que cá em Portugal…. Os chefs não têm união suficiente para traçar uma diretriz e um objetivo, e se calhar começava por essas coisas”.

Esta resposta permite-nos constatar que se não existem normas sociais, também não parece ser um assunto abordado com frequência. Contudo, o chef Rui Paula mostra um certo desejo de ver uma maior união entre os chefs, e considera que a existência de normas poderia ser um caminho que levasse a essa união. Henrique Sá Pessoa também afirma não haver nenhum Código de Ética, nem regras sociais, todavia, também considera essa hipótese:

“Deveria haver, mas isso tem a ver com a educação de cada chef […] Devia haver um Código de Ética, e infelizmente não é respeitado por todos, porque todos os chefs querem ser estrelas e querem ser originais, mas deveria haver um Código de Ética. Mas não há. Há chefs que têm esse bom senso, e outros que não, é a vida”.

O facto que o chef Henrique Sá Pessoa aponta, de haver chefs que têm bom senso e outros não, é a opinião da maioria dos chefs entrevistados. Mesmo se não existem normas mais ou menos explícitas, ao invés do caso francês, alguns chefs apontam nesse sentido. Como podemos ver, António Loureiro diz: “não. Há um acordo de cavalheiros, acho eu, que é, a malta faz pratos, divulga, participa em eventos e as pessoas veem-nos a fazer pratos e…. Acho que há um acordo de cavalheiros digamos assim, não há nenhum acordo escrito, não há nada legal. […] Eu acho que a ética é isso mesmo. É as pessoas ter integridade suficiente para não copiarem aquilo que viram fazer outros colegas, percebes? Isso para mim acho que é ética”, opinião semelhante à de Ricardo Costa: “Esse Código de Ética existe quase de forma verbal, a determinado nível, num determinado campeonato, quando as pessoas são grandes. Quando as pessoas são mais pequeninas isso não acontece. Isso deveria haver, mas acho que, talvez não na parte das receitas, mas talvez na parte das contratações, que há muita falta de ética. E se calhar também na parte das receitas…”, bem como à de Óscar Gonçalves: “É assim, acho que isto, como em todas as profissões é um bocado o respeito que se tem entre chefs. É óbvio que quando olho para uma receita de um colega de profissão, posso não a replicar, mas tiro ideias. E não há nenhum Código, há uma conduta social de respeito mútuo”. Também Pedro Lemos refere que é algo que tem a ver com a educação e a formação da própria pessoa, que é uma questão de conduta, ou seja, podemos perceber que todos os pontos que foram mencionados até aqui não têm a ver com a profissão em si, mas sim com uma consciência que à partida é inerente a todo o ser humano. João Oliveira é mais um exemplo disso, e considera ainda que a implementação dessas regras não traria nenhuma mudança positiva significativa. Como se pode ler na entrevista: “primeiro, não há normas, e segundo acho que é o bom senso, acho que tem de perdurar o bom senso de cada um, só isso, acho que, como em tudo na vida, tem que haver bom senso e respeito, a partir daí tudo se resolve, acho que não é preciso criar regras nem nada disso”.

Os chefs Luís Pestana e Vítor Matos são mais enfáticos nas suas opiniões, pelo que é pertinente analisá-las. Vítor Matos diz o seguinte:

“Não existe nenhumas normas, não existe nada disso. […] Acabo por não ter resposta para isso, não existe nada escrito, não existe nada. Agora, se nós conseguíssemos ser unidos em Portugal, e se houvesse, como já houve, na altura, no centro do Norte, uma Associação dos Cozinheiros. Existe a Associação dos Cozinheiros, mas os cozinheiros não fazem parte, nenhum cozinheiro faz parte da Associação dos Cozinheiros, porque não há nenhum trabalho, não é meritório o trabalho que se faz lá. Acho que falta mais união. Agora se me diz assim: ‘Vou ser eu… Ei meus amigos! Aqui chegou o salvador… o salvador da pátria vamo-nos unir todos!’. Não vou ser eu…. Acho que não devo ser eu. Acho que poderá ser a próxima geração de chefs”.

A união, tal como referiu o chef Rui Paula, é um fator que necessitaria de ser trabalhado em Portugal. E embora individualmente cada chef se considere “unido” aos seus colegas, há um conjunto de fatores que parecem estar em falta. O chef Luís Pestana também faz referência à Associação dos Cozinheiros, e a opinião vai muito ao encontro da de Vítor Matos:

“Escrito não existe, que eu saiba. Existe às vezes um pouco o chamado ‘compromisso de cavalheiro’, que pode ser respeitado ou não. […] Se deveria de estar escrito ou não, isso leva-nos a outro pensamento que é: há muitas coisas que estão escritas, nomeadamente a lei, em que têm outras leituras. Lá está, temos os especialistas, os advogados, em que na lei conseguem descobrir ali, dependente da interpretação legal, etc… e osdecretos-lei, enfim, depende da aplicação, depende da perceção, porque a lei não é bem clara aqui, não é bem clara ali, ou se é clara existe um outro artigo que condiciona ou põe ali algumas reticências. E havendo isso escrito, na minha opinião, vai assemelhar-se um pouco ao que existe na nossa lei, no nosso Código Penal português que é: vão haver sempre brechas, partes que nunca estarão bem específicas, bem claras, e haverá sempre uma segunda interpretação dessas mesmas escritas. No final vamos andar todos a fazer mais ou menos a mesma coisa, só que existe uma lei que se calhar não é bem respeitada ou os colegas vão encontrar formas de controlar essa lei. […]. Mas depois isso faz-me lembrar um bocadinho aqui à parte, não tem a ver com os chefs Michelin mas faz-me lembrar a Associação de Cozinheiros e Pasteleiros de Portugal, em que depois alguém do Norte resolveu criar o núcleo do Norte porque não concordava com as diretivas nacionais e depois alguém decidiu no Algarve criar o núcleo do Algarve porque acham que, enfim, têm que seguir uma outra filosofia. No final, só faz sentido no final, temos várias coisas escritas, vários conceitos, e depois temos outros núcleos que não vão estar bem de acordo e vão querer criar outras filosofias que entendem que a região necessita de uma outra filosofia no caso do Algarve, no caso do Norte porque são regiões distintas, e acabamos por todos estar a dizer a mesma coisa com uma linguagem diferente, com protecionismos diferentes, com reivindicações diferentes, e a criar muros ao fim ao cabo, não querendo ser consensual, mas estamos a criar muros, não diria virtual, mas estamos a criar muros entre todos, estamos a tentar falar a mesma linguagem entre todos, mas todos entendemos essa linguagem de forma diferente e queremos ter o nosso reino”.

Para Luís Pestana é bem claro que há uma lacuna numa real união dos chefs; além dessa lacuna ele não considera que a existência de normas fosse um caminho para aumentar essa união, uma vez que as compara a leis que podem ter diversas interpretações, ou seja, cada chef iria continuar a agir da mesma forma (caso quisesse copiar) e encontrar uma lacuna para contornar os seus atos.

Em síntese, dos dez entrevistados, todos referem que, em Portugal, não existem normas sociais aceites, ao invés do que acontece em França. No entanto, quando questionados se acham que essas regras, ou outras similares, deveriam ser implementadas em Portugal, as opiniões divergem, havendo três chefs com opinião favorável (Rui Paula, Henrique Sá Pessoa e Vítor Matos, embora este último considere que seja uma ação para a próxima geração de chefs), cinco chefs que não têm uma opinião vincada se seria um caminho a ser percorrido ou não (António Loureiro, Ricardo Costa, Óscar Gonçalves, Cordeiro e Pedro Lemos), e dois chefs que consideram que não seria uma mais valia a criação dessas normas (Luís Pestana e João Oliveira).

No documento Propriedade Intelectual e a Alta Cozinha (páginas 102-105)