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A possibilidade do direito de autor aplicado às criações culinárias

No documento Propriedade Intelectual e a Alta Cozinha (páginas 84-88)

Capítulo 5 – A Opinião dos chefs sobre a Aplicação do Direito de Autor nas Criações Culinárias

5.1. Análise Qualitativa das Entrevistas

5.1.1. A possibilidade do direito de autor aplicado às criações culinárias

À primeira questão “As receitas culinárias não são protegidas pelo Código do Direito de Autor. O chef acha que as receitas deviam ser protegidas pelo Direito de Autor, sendo consideradas obras “originais “nos termos desse direito?”, podemos notar que as

opiniões divergem. Se por um lado temos os chefs Rui Paula, Vítor Matos, Henrique Sá Pessoa e João Oliveira convictos que a resposta é negativa, por outro temos os chefs Cordeiro, António Loureiro e Óscar Gonçalves convictos do contrário. Os chefs Rui Paula e Henrique Sá Pessoa estão ainda em sintonia num ponto que ambos abordaram nesta questão, e que tem a ver com as receitas culinárias. Ambos acham que uma mesma receita executada por diferentes pessoas vai ter um resultado final diferente, não sendo a receita o componente mais importante. O chef Rui Paula diz assim que “a comida é uma coisa muito pessoal, tu podes dar uma receita e a receita ser minha e é a outra pessoa a fazê-la, mas tu vais a comer a da outra pessoa e pode não ser a mesma coisa”, uma opinião muito semelhante à de Henrique Sá Pessoa: “acho que isso não é importante, acho que o importante é a experiência que tens no restaurante e o que comes, e o que comes no restaurante, não é por uma receita”. Embora recorrendo a palavras diferentes, entende-se que ambos dão primazia ao “ato” da experiência, não sobrevalorizando assim uma “receita” que depois se traduz numa criação culinária. Ainda do mesmo lado (respondentes “não” à pergunta), os chefs Pedro Lemos e Vítor Matos dizem não achar ser necessária a proteção pelo direito de autor, pois consideram a culinária uma atividade de partilha.

Por outro lado, como já mencionado anteriormente, temos os chefs Cordeiro, António Loureiro e Óscar Gonçalves, os quais defendem que o direito de autor devia atuar nas criações culinárias. O chef António Loureiro defende essa posição pois acha que “se copia muita coisa”, contudo não sabe qual seria o processo ou a melhor forma de o implementar, opinião essa que vai ao encontro da do chef Cordeiro:

“Como é que nós vamos fazer isso? É muito difícil. Eu entendo a razão pelo qual ainda não é protegido pelo Código de Direito de Autor, as receitas. Eu entendo perfeitamente, porque a abertura é tão grande… eu faço uma receita e ponho 100 gramas de farinha, se houver alguém que troque para 101 gramas de farinha, automaticamente já não pode ser protegido pelo Código, portanto, ele está dentro da lei, e eu não. A pessoa que está a fazer a cópia está dentro da lei, portanto pode fazer a cópia, não está igual”

O chef Óscar Gonçalves defende que “da mesma forma que um músico, da mesma forma que um escritor, da mesma forma que um artista plástico, veem os seus direitos protegidos. Um escritor quando escreve um livro, um músico quando edita uma letra musical, também nós cozinheiros, algumas receitas sendo originais, sendo pensadas

demoram bastante tempo até chegar ao ponto ótimo de servir a um cliente”, e por isso acha que deveriam ser protegidas. O chef Óscar Gonçalves partilha assim da opinião de Jassens (2013) já acima citada:

“Por que deveriam estes chefs receber um tratamento diferente do conferido a Tolstói ou Van Gogh? Será que eles também não planeiam, compõem, imaginam e apresentam uma ampla série de sensações (de sabor) comparáveis às sensações que se sente ao ler ou admirar os dois homens ilustres acima mencionados?” (JASSENS, 2013: 2).

Pode assim continuar a consolidar-se o tema que abordámos no terceiro capítulo, e que se prende com a culinária ser arte ou não. O chef João Oliveira, que, embora defenda que a culinária não deveria ser protegida pelo Código do Direito de Autor, concorda em parte com Óscar Gonçalves quando diz que a atividade culinária pode ser considerada uma arte; contudo, de forma indireta porque “a cozinha indiretamente pode ser considerada uma arte, mas diretamente não, porque é um bem que se pode alterar todos os dias, não é uma coisa, um registo fixo. Nunca se consegue fazer todos os dias a mesma coisa. O caso de um pintor ou assim, no caso de uma obra de arte…, mas faz, regista e mantém aquilo, não faz nenhuma cópia sobre isso. Um cozinheiro, ou um chef de cozinha, ou quem quer que seja, faz, elabora, no dia seguinte repete, e depois repete e vai melhorando, e vai melhorando e nunca fica perfeito”.

Existem ainda alguns chefs que não têm uma opinião tão vincada, tendendo apenas para um dos lados, como é o caso dos chefs Pedro Lemos e Luís Pestana. O chef Pedro Lemos começa por dizer que o “tema é muito sensível e vago”, mas que “na gastronomia nunca houve esta coisa de dizer que é nosso ou que não é nosso […]. Hoje em dia um

chef, ao criar um prato, pelo menos eu quando crio um prato não penso estar-me a afirmar:

“eu criei este prato”, penso em criar uma satisfação do cliente”, e tal como os chefs Rui Paula e Henrique Sá Pessoa, ele valoriza a experiência gustativa: “não é uma coisa que me preocupa afirmar se o prato é meu ou não, nós não estamos só a pensar no prato mas sim numa experiência, e as pessoas”. O chef Pedro Lemos diz ainda “eu a mim não vejo isto como um fator assim de grande importância, dizer: “Ok criei este prato”, ou: “O Zé criou este prato, isto é, dele, tem os direitos de autor dele”, porque quem faz os pratos é mesmo neste sentido de partilha”, sentido esse de partilha concordante com o do chef Vítor Matos que acha que “que a cozinha existe para haver partilha”. Esta partilha a que

ambos se referem inclui para ambos a partilha de receitas sem segredos:

“Se não houver partilha não há emoção, se não houver partilha não há evolução, se não houver partilha ninguém cresce com isso. Eu acho que, para mim, se me perguntasse há 50 anos atrás, eu dizia-lhe já: “Não, as receitas são minhas, eu não dou a ninguém, não quero mostrar a ninguém.” Eu publico tudo, não fujo a ninguém. Quando alguém me pede uma receita, é claro que se alguém me pede uma receita não vou enviar assim, mas se uma revista me pedir uma receita vou enviar. Com todos os pormenores, com todos os pormenores técnicos. Como é que é uma receita. Não vou enviar meia receita”

(chef Vítor Matos).

Ainda que em resposta a uma questão posterior, o chef Pedro Lemos assume, a mesma atitude: “nós damos tudo, o cliente vem aqui: ‘Olhe envie-me por favor a carta’, nós enviamos, a pessoa tem acesso a tudo, vai em pdf […] a Terrina de foie gras, é o nosso clássico e eu sei que a fazemos de maneira diferente de toda a gente, se eu tivesse pensado numa coisa dessas para protegê-la, mas nós até ao cliente dizemos como fazemos”. Já o chef Luís Pestana diz não saber se deve existir proteção, mas diz que “se tudo passa a ter um direito de autor, não sei até que ponto também os jovens podem, enfim, desenvolver o seu trabalho, visto que todos no início de carreira, quase todos começam com plágio, digamos assim, de muitas receitas que conhecem de chefs, ao fazer estágio, aqui e ali, e eu não sei até que ponto, havendo uma proteção dessa autoria, estamos a proteger ou não o desenvolvimento da carreira em si”.

No quarto capítulo referimos o direito de atribuição e, para o chef Ricardo Costa, existir algum mecanismo de direito de atribuição seria o caminho a seguir. O chef começa por dizer que a culinária deveria ser protegida pelo Código do Direito de Autor, mas só as “receitas mesmo boas” dando o exemplo de pratos típicos como é o caso do Leitão à Bairrada e da Chanfana; no entanto, no decorrer da entrevista o chef esclarece que o que ele queria era “reconhecer quem teve aquela ideia”, e quando lhe foi questionado se ele imaginava para a culinária o que acontece no caso do direito de autor para a indústria literária (impossibilidade de reprodução da obra até setenta anos após a morte do autor), o chef respondeu que não era isso que pretendia (proteção), mas apenas “enaltecer, só”.

De uma forma mais sintetizada, à primeira questão, de dez chefs respondentes, temos quatro chefs que defendem claramente que a culinária não deveria ser coberta pelo direito de autor. Três, por outro lado, defendem, também claramente, que a culinária deveria ser alvo de proteção, e ainda três chefs que não têm uma resposta vincada,

contudo, dois tendem a ser avessos à proteção, e um, ao invés de proteção, preferiria apenas o direito de atribuição.

No documento Propriedade Intelectual e a Alta Cozinha (páginas 84-88)