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A Culinária e o Design industrial

No documento Propriedade Intelectual e a Alta Cozinha (páginas 72-75)

Capítulo 4 – Propriedade Intelectual e as Relações com a Alta Cozinha

4.3. A Culinária e os demais modos de proteção legal

4.3.3. A Culinária e o Design industrial

Segundo o Código da Propriedade Intelectual, o desenho ou modelo designa a aparência da totalidade, ou de parte, de um produto resultante das características de, nomeadamente, linhas, contornos, cores, forma, textura ou materiais do próprio produto e da sua ornamentação. “O registo do design industrial protege, assim, tanto o aspeto tridimensional de um objeto – a forma que o define – quanto o seu aspeto bidimensional, ou seja, o padrão gráfico de linhas e cores que, aplicados à sua superfície, torna possível diferenciá-lo de outros”.

No que respeita aos requisitos de registabilidade, a serem apreciados pelo INPI, o mesmo esclarece:

“1- Gozam de proteção legal os desenhos ou modelos novos que tenham caráter singular.

2- Gozam igualmente de proteção legal os desenhos ou modelos que, não sendo inteiramente novos, realizem combinações novas de elementos conhecidos ou disposições diferentes de elementos já usados, de molde a conferirem aos respetivos produtos carácter singular. […]

4- Considera-se que o desenho ou modelo, aplicado ou incorporado num produto que constitua um componente de um produto complexo, é novo e possui carácter singular sempre que, cumulativamente: a) Deste se puder, razoavelmente, esperar que, mesmo depois de incorporado no produto complexo, continua visível durante a utilização normal deste último; b) As próprias características visíveis desse componente preencham os requisitos de novidade e de carácter singular” (Art. 176.º).

O CPI esclarece ainda o que se entende por “carácter singular”:

“1- Considera-se que um desenho ou modelo possui carácter singular se a impressão global que suscita no utilizador informado diferir da impressão global causada a esse utilizador por qualquer desenho ou modelo divulgado ao público antes da data do pedido de registo ou da prioridade reivindicada” (Art.178.º).

O ponto importante deste tópico é, mais uma vez, segundo Medrado, em que medida a figura do design industrial poderia servir à proteção do aspeto visual de criações culinárias. A originalidade em criações culinárias é algo quase imprescindível. E tratando-se agora de desenhos industriais estaremos, contudo, “diante de uma previsão legal específica que define originalidade como resultado de uma configuração visual distintiva, quando comparada com criações anteriores, ainda que tal configuração decorra

da combinação de elementos já conhecidos. A definição de originalidade, relativa aos desenhos industriais e decorrente da lei da propriedade industrial, não destoa necessariamente da originalidade presente em criações culinárias”. Todavia, recorda novamente Medrado (2016: 97), “a conclusão pela aplicabilidade de proteção legal via design industrial a criações culinárias exige-nos, ainda, a verificação da conformidade dos demais requisitos de registabilidade de desenhos industriais, quais sejam: novidade e aplicação industrial”.

No que concerne à novidade (acima citada pelo CPI), parece, a esse respeito, bastante difícil que, ao se tratar de criações culinárias, algo seja efetivamente novo, no sentido da lei, o que, em todo o caso, pode até vir a ocorrer. Medrado (Ibidem: Idem) nota que “a amplitude do que se reconhece ser o estado da técnica torna particularmente difícil aferir, de um ponto de vista objetivo, a novidade de criações culinárias, que poderiam conflituar com criações iguais ou similares servidas por chefs aos seus clientes em restaurantes localizados nos mais diversos países”.

Se tomarmos como referência o ponto número 2 do artigo 176.º acima citado, e tomarmos como válidas as afirmações de parte dos chefs portugueses, no que concerne à novidade de pratos por eles criados, há chefs que afirmam ter pratos únicos (unicamente seus), como é o caso do chef Rui Paula, “[…] por acaso eu acho muito sinceramente, sem poder errar, que hoje em dia, eu não tenho nenhum que não seja mesmo mesmo meu…”30, por outro lado, outros assumem ter como base pratos já existentes, afirmando que fazem muitas alterações criando assim um novo prato com uma identidade e visual diferentes:

“[…] o chef pode pegar numa criação de uma outra pessoa, pode reinterpretar à sua maneira, utilizar produtos da sua terra ou da sua localidade, ou eventualmente do local onde está, consegue conferir uma outra apresentação, uma outra apreciação por parte de quem está a degustar essas mesmas receitas, sem desvirtuar a criação original, mas ao mesmo tempo tendo algo completamente diferente, ou seja, podem haver ali traços em que podem lembrar uma determinada preparação, um determinado prato de alguém, mas sendo completamente diferente…” (chef Luís Pestana)31.

30 Entrevista concedida à autora em 15 de março, 2019. 31 Entrevista concedida à autora em 29 de março, 2019.

“[…] a questão da originalidade, a questão da atualidade, vem com a interpretação, vem com a nossa irreverência […] estamos preocupados em manter a nossa identidade…” (chef Pedro Lemos)32

Tratando-se aqui da aplicação industrial, nota Medrado a necessidade de se notar que a “atividade de um chef num restaurante é, por definição, um trabalho manual, não passível de reprodução numa escala fabril. Ainda que a execução de um prato nem sempre seja realizada pelo próprio cozinheiro-autor, pressupõe-se que aquele que o executa realize as receitas individualmente, reforçando a exclusividade do serviço prestado.

Vale referir que os exemplares do bem reconhecido como design industrial sejam exatamente iguais entre si para que estejam de acordo com os requisitos de industriabilidade, o que à partida nunca ocorrerá com criações culinárias de chefs de cozinha. Assim sendo, a produção em escala, “não se coaduna com a realidade da cozinha de um restaurante”. Ou seja, ao conferirmos os requisitos legais exigidos para o registo de desenhos industriais com as características das criações culinárias, pode afirmar-se que “a originalidade geralmente estará presente, a novidade eventualmente, mas nunca a aplicação industrial” (MEDRADO, 2016: 98-99).

Pode concluir-se assim que “em virtude de se tratar de pratos preparados individualmente, pouco antes de serem servidos, e a despeito da apresentação original e diferenciada que os caracteriza (a qual, conforme demonstrado no item anterior, poderá ser, juntamente com elementos relacionados ao ambiente e ao serviço, objeto de proteção como trade dress), o aspeto visual de pratos não poderá ser objeto de proteção enquanto design industrial” (Cf. MEDRADO, 2016: 98-99). Nota-se que, embora o design industrial não se aplique à criação de pratos culinários, isso não significa que o design industrial não possa vir a ser utilizado para a proteção do aspeto ornamental de produtos alimentícios. Pelo contrário, “desde que atendam aos supramencionados requisitos legais, o design industrial será plenamente aplicável a alimentos, tais como biscoitos, sorvetes e chocolates, etc. Não obstante, como o próprio termo “industrial” indica, os alimentos aos quais a figura do design industrial pode ser aplicada, além de atenderem aos requisitos de originalidade e novidade, também se adequam ao requisito de produção em série. Tal condição, que pode claramente incluir salgadinhos industrializados ou comidas

congeladas, não se verificará na cozinha de um restaurante”, para o qual não constitui uma forma de proteção (MEDRADO, 2016: 99-100).

No documento Propriedade Intelectual e a Alta Cozinha (páginas 72-75)