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A Culinária e o Trade Dress

No documento Propriedade Intelectual e a Alta Cozinha (páginas 69-72)

Capítulo 4 – Propriedade Intelectual e as Relações com a Alta Cozinha

4.3. A Culinária e os demais modos de proteção legal

4.3.2. A Culinária e o Trade Dress

O termo trade dress, por si só, não consta no Código da Propriedade Industrial em Portugal, nem no seu semelhante dos Estados Unidos (Lanham Act); contudo, está implícito como sendo a totalidade de elementos sensoriais (essencialmente visuais) presentes em produtos, serviços ou estabelecimentos. Por outras palavras, são todos os elementos que distinguem uma marca das dos seus pares.

O termo trade dress terá sido originário nos Estados Unidos em 1992 aquando do julgamento pelo Supreme Court do célebre caso “Two Pesos vs Taco Cabana”27. A cadeia de fast-food Taco Cabana, aberta em 1978, processou a Two Pesos, que abriu em 1985, e que, segundo a Taco Cabana, adotou motivos muito semelhantes ao seu trade dress mexicano:

“um ambiente festivo para refeições, com áreas internas para refeições e pátio decoradas com artefactos, cores brilhantes, pinturas e murais. O pátio inclui áreas interiores e exteriores, com o pátio interior capaz de ser vedado do pátio exterior por portas de garagem suspensas. O exterior escalonado do edifício é

24 Entrevista concedida à autora em 16 de março, 2019. 25 Entrevista concedida à autora em 03 de abril, 2019. 26 Entrevista concedida à autora em 02 de abril, 2019. 27 “Two Pesos vs Taco Cabana” disponível em:

um esquema de cores festivo e vívido, usando tintas de borda superior e faixas de néon. Toldos brilhantes e guarda-chuvas continuam o tema”28

Segundo a mesma fonte, em 1987, a Taco Cabana processou a Two Pesos no Tribunal Distrital dos Estados Unidos pelo Distrito Sul do Texas por violação de marca comercial sob 43 (a) da Lanham Act, 15 U.S.C. 1125 (a) (1982 ed.), e pelo roubo de segredos comerciais [505 U.S. 763, 766] ao abrigo da common law do Texas. O caso foi julgado por um júri, que foi instruído a devolver o seu veredito na forma de respostas a cinco perguntas propostas pelo juiz. As respostas foram: Taco Cabana é detentora de

trade dress; tomada como um todo, a imagem comercial não é funcional; o trade dress é

inerentemente distintivo; o trade dress não adquiriu um significado secundário no mercado do Texas; e a alegada infração cria um risco de confusão por parte dos clientes comuns quanto à origem ou associação dos bens ou serviços do restaurante. Porque, como foi dito pelo júri, a identidade visual da Taco Cabana era protegida se fosse inerentemente distintiva ou tivesse adquirido um significado secundário. Foi proferida uma sentença que concedia indemnização à Taco Cabana. No curso de cálculo de danos, o tribunal julgou que a Two Pesos tinha intencionalmente e deliberadamente infringido o perfil da Taco Cabana, violando assim direitos seus de propriedade intelectual.

Em Portugal apenas existe um artigo que se refere genericamente a este conceito, sem o concretizar. O art.º 240.º do CPI recusa “o registo de marcas que, nos termos das alíneas b) e c) do nº.1 do artigo 245.º, constituam reprodução ou imitação de determinado aspeto exterior, nomeadamente de embalagem, ou rótulo, com as respetivas forma, cor e disposição de dizeres, medalhas, recompensas e demais elementos, comprovadamente usado por outrem nas suas marcas registadas”. Portanto, quando associado a uma marca, o “trade dress” pode gozar de proteção.

Trespassando este termo “trade dress” para um caso concreto respondente ao tema desta dissertação, dizemos que o mesmo é definido como o conjunto-imagem. Quando um chef, ou qualquer outra entidade, abre um restaurante ou uma cadeia de restauração, em primeiro lugar pensa no conceito que lhe será inerente (e terá uma imagem comercial), quer seja o tipo de comida a servir, a decoração em consonância com a mesma, ou até mesmo o aroma dos ambientadores, a louça onde serve a comida, o empratamento, etc.

Dando um exemplo, o chef Henrique Sá Pessoa é proprietário do restaurante Tapisco, em cujo site é possível ler-se:

“Se por um lado a união faz a força, no Tapisco a partilha faz a mesa. É baseado neste conceito que o chef Henrique Sá Pessoa lança o convite para se conhecer este restaurante que casa os melhores petiscos portugueses e tapas espanholas, mas agora com recriações à moda do Porto.

Inicialmente inaugurado em Lisboa, é agora no número 165 da Rua Mouzinho da Silveira, na Invicta, que o chef instala a sua segunda casa. Na morada nortenha, o conceito permanece inalterado, mas a carta passa a incluir também alguns dos pratos mais tradicionais da cidade. À porta fica a sofisticação fine dining, mas nunca a qualidade, a atenção ao detalhe e o sabor

Sabores ibéricos à moda do chef, em ambiente confortável de taberna moderna e a qualquer hora do dia.”29

Em ambos os restaurantes (no Porto e em Lisboa) servem-se tapas, petiscos e vermutes, a decoração de ambos passa pelos tons pastel entre os castanhos e os beges conjugados com o mesmo tom de pedra mármore, em ambos há a possibilidade de comer à mesa ou ao balcão. Em ambos, os empratamentos chegam ao cliente em pequenos tachos ou panelas, ou então nos tradicionais pratos de louça branca com bordo vermelho que por sua vez também eles se conjugam com os guardanapos de algodão branco também debruados a vermelho. É possível constatar-se assim que o restaurante tem um trade dress bem demarcado, algo que, como o próprio chef diz, “dá trabalho” e por isso deve ser protegido.

Portanto, como refere Elavia (2014: 44), estamos diante de mais uma ferramenta legal disponível para a proteção de um importante conjunto de elementos relacionados às criações culinárias. O trade dress é a imagem comercial (aparência e comportamento) de um produto ou serviço que indica ou identifica a origem do produto ou serviço e o distingue dos demais, podendo incluir a rotulagem e embalagem de um bem, num ambiente em que os serviços são fornecidos ou o design de um produto. Os donos de restaurantes podem confiar na lei do trade dress para proteger o layout do cardápio, a decoração ou o estilo de servir.

No documento Propriedade Intelectual e a Alta Cozinha (páginas 69-72)