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ORGANOGRAMA 1 – A organização do Sistema Único de Assistência Social

3.3 A ASSISTÊNCIA SOCIAL: DE 1988 AOS TEMPOS ATUAIS

Com a Constituição Federal de 1988 e a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei n° 8.069) de 1990 - começa a configurar-se a efetiva descentralização da execução dos serviços ao nível dos Estados e uma nova forma de organização nesse setor.

Retomando um ponto importante, o sistema foi unificado em 1977, com a criação do Sistema Nacional de Assistência e Previdência Social (SINPAS) e que compreendia, além do INPS, o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) e o Instituto Nacional de Administração da Previdência Social (IAPAS). Nesse mesmo ano, foi regulamentada a Previdência Privada. Ao mesmo tempo, 40 milhões de brasileiros não tinham nenhum acesso a serviços médicos, consolidando-se a desigualdade: o setor privado para os ricos, os planos de saúde para um grupo seleto de assalariados e classes médicas, os serviços públicos para pagantes de previdência e aí, para os pobres, a caridade, feita, em geral, por entidades municipais ou filantrópicas com apoio estatal. É um arranjo tecnocrático político do sistema na busca de legitimidade e de modernização do modelo getulista.

A Política de Financiamento Habitacional, do então criado Banco Nacional da Habitação (BNH), serviu ao governo para reativar a economia e financiamentos para que as classes médias tivessem acesso à casa própria.

Esse modelo repressivo, centralizado, autoritário e desigual foi sendo implementado com um complexo assistencial-industrial-tecnocrático-militar. Controlado pela gestão tecnocrata, não veio a se constituir como um projeto universal de cidadania; era a continuidade de um modelo fragmentado e desigual de incorporação social da população em extrato de acesso, conforme os arranjos do bloco no poder, para favorecer grupos privados ou particulares, conquistar e impulsionar certos setores economicamente influentes, obter lealdades e dinamizar a acumulação.

A ruptura com o regime militar foi gradualmente se dando com a anistia, em 1979, que possibilitou perdão aos torturadores e concedeu direitos políticos e civis aos considerados inimigos internos ao regime de segurança nacional. Em 1982, houve eleições para governadores, e, em 1984, a luta pelas eleições diretas para presidência da república resultou eleições indiretas e a convocação de Assembléia Nacional Constituinte em 1986, com os mesmos congressistas eleitos para a legislatura nacional.

A conjuntura econômica já se demarcava pela inflação, a dívida pública acentuada, mas a sociedade emergiu com forças inusitadas dos porões da

repressão com manifestações de rua, formação de comitês, a articulação de organismos, elaboração de abaixo assinados e paralisação de lobbies. Fizeram-se ouvir as vozes de mulheres, índios, negros, além de empresários, setores específicos de empresas, ruralistas, evangélicos, na disputa por seus interesses na assembléia nacional constituinte. Houve mais de 383 grupos ou lobbies atuantes.

A ala conservadora do congresso articulou um bloco chamado de Central, em oposição às pressões por direitos sociais e para a defesa dos interesses dominantes. Cada artigo da carta constitucional foi objeto de muita disputa em negociação entre os blocos de forças. Em linhas gerais, a Constituição se colocou como liberal democrática universalista, expressando as contradições da sociedade brasileira e fazendo conviver as políticas estatais com as políticas de mercado nas áreas da saúde, da previdência e assistência social.

Conseguiu-se, no entanto, num plano econômico a defesa de certos monopólios estatais como do petróleo, das comunicações, do transporte de cabotagem, dos portos; no plano social, o avanço dos direitos das mulheres, das crianças, dos índios e a inclusão do conceito de seguridade social que compreende direitos universais da saúde, direito à previdência e assistência social. Depois de quase 50 anos de sua implementação na Inglaterra, esse conceito é consagrado no Brasil, contrariando tendências neoliberais que vê no mercado a resposta as necessidade das políticas sociais. A saúde e assistência social passaram a ser direito do cidadão e dever do Estado. A regulação da previdência social não alterou, entretanto, os benefícios diferenciados do judiciário, do legislativo, dos servidores públicos do executivo e dos militares.

Houve uma ampliação da incorporação dos trabalhadores rurais aos direitos trabalhistas e previdenciários, ao obter o pleno acesso à previdência social, com benefícios não inferiores a um salário mínimo, sendo o mais vasto programa social aprovado, de fato, que consistia de uma renda mínima, apenas parcialmente financiada pela comercialização agrícola. Dessa forma, são os trabalhadores urbanos que financiam a previdência rural, configurando uma distribuição horizontal da renda entre trabalhadores.

À medida que o congresso incorporava direitos e definia o conceito de cidadania, na prática, o governo Sarney promovia o desmonte das políticas sociais

federais reduzindo os programas de habitação, sucateando a saúde, controlando as verbas da educação e distribuindo cargos para se manter no poder por cinco anos, e não por quatro, como estava previsto quando assumiu o governo, em 1985, após a morte do presidente eleito Tancredo Neves, de quem era vice.

No Governo Sarney, início da Nova República, foi criada a Secretaria Especial de Ação Comunitária – SEAC, vinculada diretamente ao gabinete do presidente. Sua função principal foi repassar recursos, na área social, com características fundamentalmente políticas. Essa secretaria deu origem à Secretaria Especial de Habitação e Ação Comunitária, resultando no Ministério da Habitação e Bem-Estar Social, ao qual a FLBA esteve vinculada.

Diante da crise do sistema, em 1985, o INAMPS passa para o Ministério da Saúde, buscando integrar-se às ações municipais, estaduais e federais no âmbito da saúde. Pela Constituição, o papel do governo federal é de coordenação das políticas sociais e o sistema de saúde passa a configurar o Sistema Único de Saúde24(SUS).

A discussão sobre os direitos inscritos na Constituição, repudiada pelos conservadores, contribuiu para fazer emergir a consciência dos direitos do trabalhador no bojo das lutas sociais. Contribuiu também para a construção de um novo pacto federativo com a descentralização de responsabilidades para os níveis estadual e municipal e maior aporte de recursos para eles, sem, contudo, compensar todas as responsabilidades a eles atribuídas.

As políticas sociais de educação, da infância, assistência social, fórum municipal, foram instituído com controle social previstos para os conselheiros respectivos do direito da criança e do adolescente, de assistência, de educação, de saúde. Os conselhos devem ser paritários, com o mesmo número de representantes escolhidos pela sociedade e pelo poder público. Em 1999, pelo menos 50% dos municípios organizaram conselhos, mas, freqüentemente, há predominância do poder do prefeito. Vive-se um processo de conflito entre os modelos de garantia de direitos, descentralizado e participativo e uma política clientelista, de distribuição de favores, cooptadora e fragmentada, que usa os recursos públicos para fins privados.

24Saiba mais sobre o SUS em: ANDRADE, Luiz Odorico Monteiro de; BARRETO, Ivana Cristina de Holanda Cunha . SUS passo a passo: história, regulamentação, financiamento, políticas nacionais. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo (SP): Hucitec, 2007. 1193p.

O sistema prevê dualidade e a desigualdade de acesso à saúde e a educação por intermédio tanto de empresas privadas como do setor público, fragilizando-se a cidadania. O regime de participação da previdência continuou estratificado em camadas de acesso, por exemplo, por tempo de serviço (para salários mais altos) ou por idade (para salários mais baixos), para professores (menos tempo de serviço) e não professores, para militares, juízes. Era tolerada pelo governo a sonegação de pagamentos da previdência social por parte dos empregados, com seguidas anistias a seus devedores.

Somente no final de 1993 é que foi aprovada a Lei Orgânica da Assistência Social25 (LOAS), que regulamenta a Constituição e torna, efetivamente, assistência social um dever do Estado e um direito do cidadão. A política de mínimos sociais, nela prevista, foi implementada através de benefícios continuados de um salário mínimo para idosos e portadores de deficiência (renda familiar de um quarto do salário mínimo per capita), uma vez que a lei previdenciária havia cortado a renda vitalícia para os idosos. A LBA, o INPS e o INAMPS foram extintos no contexto da descentralização e foi criado o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS).

Em 1994, o presidente Itamar Franco conseguiu o controle da inflação através da adoção de uma nova moeda, o real. Para controlar a inflação fez conviver com a velha moeda, por um período de quatro meses, a unidade real de valor (URV) que era atualizada diariamente com cruzeiros reais e que se tornou formalmente o real. A inflação caiu de 48% no mês de julho para 8% em agosto e o então ministro da fazenda, Fernando Henrique Cardoso26, gestor da mudança, candidatou-se a presidência da república e foi eleito com a bandeira da estabilização da economia e das reformas da Constituição.

A economia mundial mudou a partir da crise capitalista dos anos 1970 e da crise do socialismo na União Soviética no final dos anos 1980, consolidando a hegemonia americana no mundo, com a afirmação do dólar como moeda forte universal. Os EUA articularam um movimento de controle de seus déficits e de aumento de suas exportações, provocando crises nas moedas nacionais de várias

25 Para saber mais sobre a implementação da LOAS ver: MARTINS, Valdete de Barros; PAIVA, Beatriz Augusto de . A implantação da Lei Orgânica da Assistência Social: uma nova agenda para a cidadania no governo Lula. Serviço Social & Sociedade, São Paulo , v.24, n.73 , p. 46-74, mar. 2003. 26Mais sobre o tema ver: CARDOSO, Fernando Henrique. A arte da política: a história que vivi. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

partes do mundo, conforme seus interesses. As grandes firmas realizaram fusões e aumentaram o comércio entre si. Os Estados nacionais perdem a hegemonia diante do poder americano e do capital financeiro internacional, que passou a ter um papel central no mercado especulativo das bolsas e das moedas, entrando e saindo dos países sem maiores controles e em benefícios de poucos grupos especulativos.

Esta política provocou a crise do México em 1995, a asiática em 1997, a russa e a brasileira em 1998, com ganhos de bilhões de dólares para os especuladores. O Plano Real manteve estagnada a desigualdade de renda no Brasil, já que os salários passaram para a URV pela média, e os preços pelo pico. A população passou a ter acesso a preços estabilizados, favorecendo-se os mais pobres, mas, as compras a prazo embutiam juros exorbitantes. O real foi mantido como moeda sobrevalorizada, facilitando, entre outros objetivos, a reeleição do presidente e as importações, estruturando a indústria nacional e reduzindo as exportações. Esta política provocou o maior índice de desemprego jamais visto no país e, favoreceu o aumento da violência.

No governo Fernando Henrique Cardoso, sua política de reforma da Constituição estava pautada em três eixos: maior abertura da economia aos capitais internacionais, inclusive eliminando os monopólios estatais, privatização do patrimônio público e redução dos direitos sociais com a desregularização das leis trabalhistas. Diante da crise, o governo se submeteu ao monitoramento do FMI, com a perda de autonomia de decisão do próprio país sobre si mesmo. O modelo político foi o de maior fortalecimento do mercado de redução do Estado, priorizando os que vivem da especulação em detrimento dos que vivem do trabalho.

A reforma da previdência social, que propunha, inclusive, o fim do direito à assistência social, com a volta dos auxílios sociais (o que foi rejeitado pelo parlamento), levou quatro anos para ser aprovada devido às resistências da própria base do governo e dos setores, grupos, sindicatos e lobbies na luta pela garantia dos direitos sociais. Manteve-se a previdência pública e regime de repartição.

Para se ter direito à aposentadoria, agora, são necessários trinta anos de contribuição para as mulheres e de 35 para os homens. Aos 65 anos (homens) e aos 60 anos (mulheres), é garantida uma aposentadoria, nos termos da lei, que, em 1999, prevê o mínimo de 108 meses de contribuição (e esse mínimo aumentado

progressivamente até 180 meses) para os trabalhadores inscritos na previdência social urbana até 24 de julho de 1991 e para os inscritos na previdência rural.

O regulamento da previdência social, com 381 artigos, levando em conta as modificações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 20, foi estabelecido pelo decreto 3048, publicado no Diário Oficial da União, em 12 de maio de 1999.

As centrais sindicais votaram e viram aceito no congresso, por apenas um voto, o critério de ausência de idade mínima para aposentadoria, por considerar que o trabalhador brasileiro ingressa muito cedo no mercado de trabalho. A cobertura de acidentes do trabalho ficou aberta também a iniciativa privada. A idade mínima para trabalhar passou a ser de 16 anos. O salário família ficou restrito aos que ganham mensalmente menos de um salário mínimo. O Conselho Nacional de Previdência Social passou a ter: seis representantes do governo federal, três dos aposentados e pensionistas, três dos trabalhadores em atividade e três dos empregadores.

O regime de aposentadoria dos funcionários públicos, menos os militares, passou a exigir a introdução dos critérios de idade de tempo de contribuição (60 e 35 para homens e 55 e 30 para mulheres). Não existem mais aposentadorias proporcionais ao serviço público. Em janeiro de 1999, após quatro rejeições anteriores, o congresso nacional aprovou a contribuição dos inativos para a previdência sobre a pressão do mercado e do FMI para se fazer o ajuste fiscal.

Em 29 de novembro de 1999 foi promulgada a lei nº 9.876 que introduz o fator previdenciário27, que penaliza (com valores menores) os trabalhadores que se aposentaram com idade abaixo das expectativas estabelecidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e facilita ingresso de autônomos no seguro previdenciário público.

Também é importante notar que a existência de ministérios (com várias denominações, mas atuando no campo da assistência social), e mesmo de secretarias nacionais, teveram, na prática, o efeito de dividir o comando e multiplicar

27Com o Fator Previdenciário, um trabalhador urbano que possui 60 anos de idade e 25 anos de contribuição, e quiser se aposentar por idade, não receberá o valor integral de sua aposentadoria. Para recebê-lo, terá que trabalhar mais alguns anos para completar o tempo de contribuição mínimo. Irá se aposentar aos 70, sendo que a expectativa de vida média do brasileiro é 71 anos, segundo o

IBGE. Veja tabela do fator previdenciário em:

os programas e projetos de assistência social, pulverizando os recursos e enfraquecendo a ação governamental. Somados aos programas assistenciais das demais instituições federais, formam um quadro tão complexo quanto desarticulado.

Essa situação torna-se ainda mais dramática quando considerada no conjunto dos órgãos governamentais federais, estaduais e municipais e das entidades privadas com atuação na área de assistência social.

Esse modelo se esgota, basicamente, pela perda de organicidade do conjunto de instituições atuando na área, pelo agigantamento dos problemas, pela desmoralização, devida ao uso político dos recursos, pela insuficiência dos recursos destinados à área da assistência social e pelos movimentos sociais em defesa da cidadania, que buscavam maior controle social.