• Nenhum resultado encontrado

TRAFICANTES DESTINO(S) NA AMÉRICA 1521 1575 Foz do Zaire Portugueses Lisboa, Sevilha, Brasil, São Tomé

2.3 A ASSUNÇÃO DO PORTUGUÊS COMO LÍNGUA VEICULAR

A assunção do português como língua veicular, no passado, está fortemente atrelada ao desenvolvimento socioeconômico da Colônia, que, à altura dos séculos XVIII e XIX, assistia à intensificação do processo de urbanização e atraía um número, cada vez maior, de portugueses, em decorrência da descoberta do ouro nas Minas Gerais e da manutenção da economia agroexportadora.

Nesse contexto, era a língua metropolitana aquela que atendia às necessidades simbólicas dos senhores de engenho e dos dirigentes coloniais: era preciso trazer o requinte europeu a aquém-mar. A alegada “vitória da língua portuguesa” (SILVA NETO, 1963), começa a se delinear, portanto, no século XVIII, consolidando-se no século seguinte.

Segundo Vitral (2001, p.304-305):

Dois acontecimentos da nossa história colonial são, normalmente, associados ao sucesso da língua lusitana.

O primeiro foi gerado pela política do Marquês de Pombal, que incluiu um decreto, de 1758, tornando obrigatório o uso da língua portuguesa na colônia. Além desse decreto, fez parte da política pombalina a expulsão dos jesuítas do Brasil, cuja presença, nos dois primeiros séculos de colonização, foi determinante para a primazia das línguas indígenas. [...]

O segundo acontecimento é a vinda de D. João VI e da corte portuguesa para a colônia. Sobre o primeiro fato, ressalta-se que não efetivamente a obrigatoriedade legalista do uso do português garantiu a hegemonia, mas proporcionou a existência de um aparato formal para a disseminação da língua. Acerca da outra questão, diz-se que apenas tenha contribuído para a incorporação do modelo de vida metropolitano (incluindo, nesse viés, sua língua e sua cultura) à Colônia, uma vez que essa migração é tardia (início do século XIX) e localizada (permaneceram, sobretudo, no Rio de Janeiro).

Tomando por base os enquadramentos antes descritos, o panorama sociolinguístico do Brasil colonial pode ser sumarizado de acordo com o que mostra Mattos e Silva (2008b, p. 100), somando aos grupos étnicos apresentados pela autora os mamelucos, mulatos e brancos brasileiros:

No cenário colonial, os ‘atores’ linguísticos principais em concorrência seriam: as línguas gerais indígenas, o português europeu e o [...] português geral brasileiro em formação, que teria como falantes principais os indígenas remanescentes que se integraram à sociedade nacional e os africanos e afro-descendentes [...].

Não obstante as considerações apresentadas até então, enfatiza-se que, embora possa servir de norte na reconstituição da narrativa linguística do PB, o contato não deve ser visto como fator exclusivo na conformação presente da língua oficial, tanto no que diga respeito às suas particularidades interiores (diatópicas e diastráticas) quanto no que seja atinente à sua relação desigual com o PE.

Sob o viés sociolinguístico, cabe afirmar que a diversidade e a mudança devem ser entendidas como frutos da ação concomitante de condicionamentos de ordem intra e extralinguística. Assim sendo, aspectos como a escolarização, a demografia histórica, o status assumido pelas distintas línguas ao longo do tempo, além de informações relativas às estruturas das mesmas, como se tentou, aqui, pontuar, no caso das línguas africanas, devem ser concatenados na busca de tais respostas.

Somados todas essas situações e fatores, torna-se inegável que as variedades do português geradas desses encontros, em muito distam da variedade europeia e agregam, em sua essência, uma diversidade imanente, sendo possível concebê-las dentro de uma perspectiva plural e polarizada: “[...] a realidade lingüística brasileira [...] não é apenas variável e heterogênea, mas também é PLURAL, mais precisamente polarizada, podendo-se definir nela dois grandes subsistemas, também eles heterogêneos e variáveis...” (LUCCHESI, 2004a, p. 76).

A polarização sociolinguística do português do Brasil não deve ser vista, todavia, apenas como reflexo do processo sociohistórico passado que condicionou a atualidade da língua, mas sim como fruto de uma rede de situações que culminou na grande desigualdade social hoje existente no país. Essas realidades, passada e presente, permitiram o estabelecimento de sensíveis diferenças entre as normas das elites, com acesso pleno à escolarização e a letramentos múltiplos, e as normas vernaculares, do grosso da população socialmente marginalizada.

Cabe salientar, também, que se esse quadro foi sendo gestado ao longo do período colonial, com a oposição do pequeno contingente de falantes nativos do português, ao lado da maciça leva de aloglotas, encontrou, já nos fins dos séculos XIX e XX eventos que lhe atenuaram:

O fim do tráfico negreiro, a abolição da escravatura e o ingresso no país de milhões de imigrantes europeus e asiáticos, entre o final do século XIX e o início do século XX, foram esmaecendo os matizes étnicos da polarização sociolinguística. E os processos de industrialização e urbanização da sociedade brasileira, que se iniciaram efetivamente a partir de 1930, acabaram por definir os contornos atuais da polarização sociolinguística do país. A industrialização promove a urbanização, com a inserção de largos contingentes da antiga população rural no mercado consumidor e no espaço urbano, o que tem como contraparte linguística a ampla difusão da variedade da língua socialmente valorizada [...]. (LUCCHESI, 2015, p.35).

As características do processo de urbanização do Brasil, conjuntamente às desigualdades no mundo do trabalho e às tensões formadas entre campo e cidade, porém, fizeram com que a difusão de um modelo linguístico culto se limitasse, de certo modo, a pequenas porções da sociedade.

Tem-se, assim, em função do êxodo rural, crescente nas primeiras décadas do século XX, e da posterior difusão da cultura de massa e abertura da educação pública à maioria da

população, a interação constante entre as normas cultas e vernaculares14. Assim, “Nos bolsões

da miséria ao redor das grandes cidades, migrantes rurais preservam, em grande medida, a cultura e a linguagem do campo, ao tempo em que sofrem a avassaladora influência cultural e linguística dos poderosos meios de comunicação de massa.” (LUCCHESI, 2015, p.35).

Dessa forma, delineia-se, no Brasil atual, uma situação sociolinguística altamente complexa, em que convivem normas de naturezas diferentes, em uma situação de polarização e pluralidade. Não obstante, devem ser consideradas variantes no eixo diatópico que sobrepõem, por vezes, as questões sociais, perpassando diferentes normas. Esse, aparentemente, é o caso da ditongação diante de <S>. Cabe entender, todavia, que questões, passadas e atuais, permitiram o seu espraiamento e implementação em determinados dialetos brasileiros e não em outros, como está demonstrado em Silva (2014).