• Nenhum resultado encontrado

4 BASES TEÓRICAS PARA A INVESTIGAÇÃO

4.1 A DIALETOLOGIA E A GEOGRAFIA LINGUÍSTICA: O EIXO DIATÓPICO 1 Breve histórico da disciplina e principais preocupações

4.1.2 Os estudos dialetais no Brasil

Apresentadas questões gerais tangentes à empreitada dialetológica, expõe-se, a partir daqui, um breve panorama dos estudos dialetais no Brasil. Procura-se demonstrar as distintas contribuições feitas pelos trabalhos realizados nesse campo, no Brasil, acerca da Língua Portuguesa.

Os primeiros comentários referentes à realidade do português em terras brasileiras de diferenças entre o PB e o PE e datam do século XVIII. Trata-se dos comentários tecidos por D.

Jerônimo Contador de Argote, em 1725. O clérigo português afirmava que o léxico do PB seria detentor de muitos itens oriundos das línguas nativas e do português antigo.

Os primeiros dados sistematizados no que tange à descrição do PB, com base em visões do seu léxico, ainda na perspectiva de cotejá-lo ao PE, aparecem no século XIX. Constam tais observações, de autoria do Visconde de Pedra Branca (Domingos Borges de Barros), na Introdução ao Atlas Etnographique du Globe (1826), de Adrien Balbi: “Trata-se de uma lista de palavras que apresenta um rol de oito nomes que mudam de significação e outro de cinquenta nomes usados exclusivamente no Brasil.” (CARDOSO, 1999, p. 234).

Ainda que se trate de observações pontuais, esses testemunhos impulsionaram a produção de investigações posteriores.

Diante desses novos trabalhos e das diferentes perspectivas estabelecidas por eles, formularam-se algumas propostas de periodização da Dialetologia no Brasil. A exemplo dessas, citam-se62:

(i) a proposta de Nascentes (1953), que determina duas grandes fases (a primeira iniciada em 1826, estendida até 1920, e a outra iniciada a partir desse ano);

(ii) a de Castilho (1972-1973), que delimita, também, duas etapas, sendo a primeira iniciada em 1920 e a segunda em 1958;

(iii) a de Brandão (1991), que estabelece dois períodos, tomando como marcos os anos entre 1957 e 1959, em que ocorreu uma série de congressos voltados à língua falada, como um limite;

(iv) e, por fim, a de Ferreira e Cardoso (1994), que retomam e complementam a proposta do primeiro autor.

Três fases são propostas por essas últimas autoras, no que é referente aos estudos dialetais no Brasil. Essa delimitação foi complementada, mais recentemente, por Cardoso e Mota (2006), com a inserção de uma quarta etapa.

A primeira fase, que se estende de 1826 a 1920, é marcada por estudos assistemáticos, voltados ao léxico do PB. A segunda fase, situada entre 1920 e 1952, delimita-se pela existência de trabalhos monográficos dedicados à descrição de falares regionais, considerando aspectos, principalmente, do léxico e da fonética. Nesse momento, os estudos ainda não contavam com sistematização ou rigor metodológico das análises. Citam-se, como exemplares, O dialeto

caipira, de Amaral (1920), e A Língua do Nordeste, de Marroquim (1934).

62 Deve-se entender, porém, que as três primeiras propostas citadas não são tradicionalmente utilizadas em trabalhos da área, por isso a opção pelas fases estabelecidas por Ferreira e Cardoso (1994) e Cardoso e Mota (2006), nesta tese.

Devem-se destacar como produções relevantes nesse segundo momento, igualmente, as propostas de divisão dialetal do Brasil, dentre as quais sobressai a de Nascentes (1953), já citada.

A terceira fase tem como marco o ano de 1952 e o início do interesse pela aplicação do método da Geografia Linguística ao PB. O Decreto 30 643 de 1952 e suas repercussões são apontados como estopim para o surgimento dessa intenção. A referida lei estabelecia a criação da Casa de Rui Barbosa e propunha como função principal de sua Comissão de Filologia a elaboração de um atlas linguístico do Brasil.

Questões de ordem científica – referentes, sobretudo, à ausência de pesquisadores formados para tal fim, àquela altura – e aspectos atinentes à situação socioeconômica do Brasil, em meados da década de 1950, (vasta dimensão territorial e associada à ausência de meios de transporte e de comunicação), postergaram a elaboração do atlas nacional, tendo importantes nomes da Dialetologia brasileira advogado em prol da elaboração de atlas regionais.

Destacam-se, a esse respeito, o próprio Antenor Nascentes, Celso Cunha e Serafim da Silva Neto, alegando, esse último, a necessidade da formação de uma “mentalidade dialetológica” no Brasil. Para esse autor, os estudos brasileiros deveriam seguir métodos já testados e certificados em países europeus, considerando, porém, as peculiaridades de cada região a ser estudada (SILVA NETO, 1958, p.34).

Foi Nelson Rossi, dialetólogo carioca, instalado em 1955 na UFBA, o responsável pelos trabalhos que desencadearam a publicação do primeiro atlas linguístico do Brasil, o APFB, em 1963.

Após a realização de estudos preliminares e inquéritos experimentais, bem como a realização de treinamentos com os futuros inquiridores, procedeu-se a tarefa de documentar a fala de informantes de 50 localidades do interior da Bahia. Esse trabalho foi desenvolvido pelo próprio pesquisador, com o auxílio de investigadores recém-formados da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Duas delas, Dinah Maria Isensee (hoje, Dinah Callou) e Carlota Ferreira, por terem acompanhado os trabalhos para o atlas até a sua publicação, figuram como colaboradoras principais do trabalho.

O APFB se constitui de um volume introdutório e de um conjunto de 198 cartas linguísticas, sendo 44 delas resumos das anteriores. Acompanham, também, 11 cartas introdutórias, que retratam aspectos geográficos da Bahia, bem como questões relativas ao próprio atlas.

A maior parte das cartas tem como enfoque a diversidade lexical. Todavia, na medida em que os dados são apresentados, na maior parte, em transcrição fonética, torna-se possível, a

observação de aspectos fônicos, como os que são revelados na Carta 01 (nasalização em lua), apresentada anteriormente, ou a averiguação da ditongação diante de <S>, como se demonstrará no Capítulo 6.

Atualmente, incluindo o APFB, o Brasil conta com dez atlas regionais publicados. Seguindo a ordem cronológica de publicação, apresentam-se, brevemente, características desses atlas.

O Estado de Minas Gerais foi a área mapeada pelo segundo atlas regional publicado no país. Pensou-se, inicialmente, na elaboração e publicação de quatro volumes para o Esboço de

um Atlas Linguístico de Minas Gerais (EALMG) (RIBEIRO et al, 1977), nos quais constariam

informações sobre resquícios do quimbundo em falares de Minas, dentre outras questões. Contudo, conta-se apenas com a publicação do primeiro volume.

São públicos, portanto, a descrição da metodologia adotada, dados sobre as 116 localidades pesquisadas e sobre os informantes inquiridos, nativos das cidades, com idade entre 30 e 50 anos, homens e analfabetos, em sua maioria. Além disso, o atlas é composto de cartas lexicais (em número de 21), fonéticas (24 cartas) e de isófonas e isoléxicas.

Para a obtenção dos dados, aplicou-se um questionário com 415 perguntas, previamente testadas na região da Zona da Mata Mineira. Somem-se a esses dados colhidos in loco os inquéritos realizados através de correspondência em 672 localidades. Nem todas as informações obtidas, porém, foram cartografadas no primeiro volume do atlas.

O Atlas Lingüístico da Paraíba (ALPB) (ARAGÃO; MENEZES, 1984) é o terceiro empreendimento publicado pela Geolinguística no Brasil.

Há dois volumes publicados dos três inicialmente previstos. O primeiro deles é introdutório e traz, além da caracterização das localidades e dos informantes, dados acerca das variantes registradas no atlas. O segundo é o volume de cartas, elaboradas a partir das respostas dos informantes inquiridos em 100 localidades paraibanas (25 municípios e três cidades satélites, para cada um deles). Os informantes, nesse caso, também são adultos (entre 30 e 75 anos), analfabetos e semialfabetizados, não havendo um controle sistemático do seu sexo.

O Estado de Sergipe é o quarto a ser contemplado com um atlas publicado. O menor Estado do Brasil, atualmente, conta com dois atlas linguísticos. A necessidade de dar continuidade à investigação do falar baiano63, iniciada em 1963, por ocasião do APFB, foi uma das motivações para a elaboração e publicação dos atlas sergipanos.

63 Tal como delimitado por Nascentes (1953), o falar baiano contemplaria os Estados da Bahia, de Sergipe, além do Norte de Minas Gerais e Leste do Estado de Goiás.

Assim, o Atlas Lingüístico de Sergipe (ALS) (FERREIRA et al, 1987) foi desenvolvido sob a responsabilidade da equipe de Dialetologia da UFBA, liderada por Nelson Rossi e, naquele momento, constituída por Carlota Ferreira, Jacyra Mota, Judith Freitas, Nadja Andrade, Suzana Cardoso e Vera Rollemberg.

Os inquéritos preliminares, realizados em quatro localidades, foram executados no ano de 1963 e complementados em 1964, mediante a elaboração de um novo questionário.

Os inquéritos de sondagem tiveram por base um questionário composto de 3 700 perguntas, as quais abarcavam as áreas semânticas TERRA, VEGETAIS, HOMEM e ANIMAIS. Essas questões tomavam por base os resultados encontrados no APFB. Após a análise do material colhido em campo, o questionário foi reconfigurado e aplicado, como nova sondagem, em todos os pontos da rede, chegando, assim, a uma versão final com 687 questões, as quais incluíam todas as que fizeram parte do Extrato de Questionário do APFB.

Entre 1967 e 1968, cerca de cinco anos após o início dos trabalhos, os inquéritos definitivos haviam sido concluídos.

O ALS é, então, o segundo atlas regional concluído no Brasil. Sua publicação, feita em um volume único, no ano de 1987, foi retardada, porém, em função da ausência de financiamento.

A rede de pontos do ALS é constituída de quinze localidades do interior sergipano, tendo sido a sua escolha norteada por aspectos tais como antiguidade, afastamento de grandes centros urbanos e número de habitantes. Ouviram-se dois informantes por localidade, havendo controle sistemático do seu sexo. Perfazem, assim, um total de 30 indivíduos. São todos nascidos nas localidades, analfabetos ou pouco escolarizados. Inova, assim, com relação aos anteriores por ser o primeiro atlas regional brasileiro que contempla, além da dimensão diatópica, a possibilidade de verificação da variação diassexual.

Suas cartas registram variantes fonético-fonológicas e semântico-lexicais. Priorizou-se o que é comum ao APFB. Tendo em vista a amplitude do seu questionário, nem todos os dados coletados estão cartografados no ALS. Os dados não cartografados foram tratados por estudos diversos, permanecendo ainda informações não cartografadas. A exposição dessas em mapas foi alvo do Atlas Lingüístico de Sergipe II (ALS II) (CARDOSO, 2005).

O ALS II, inicialmente, constitui-se na tese de doutoramento de sua autora, defendida em 2002, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O atlas retoma os dados obtidos através das perguntas concernentes à área semântica HOMEM, subdividida em outras áreas temáticas (corpo humano, doenças, crenças, atividades, objetos de uso, alimentação etc.).

Assim como o ALS II, O Atlas Lingüístico do Paraná (ALPR), quinto atlas linguístico foi fruto do projeto de doutorado de sua autora, Vanderci de Andrade Aguilera. Foi publicado em dois momentos distintos: primeiramente, o volume de cartas publicado em 1994 e, depois, o volume de Introdução, em 1996.

O ALPR contempla 65 localidades do Estado do Paraná, estando incluídas, dentre elas, a capital do Estado, Curitiba, e centros urbanos, como Londrina. A escolha dos informantes teve como base os critérios fundamentais da Dialetologia Tradicional. Pertencem a uma faixa de 30 a 60 anos, contudo foram sistematicamente estratificados quanto ao sexo. Ouviu-se, dessa maneira, em cada localidade, um homem e uma mulher.

Os seus questionários abarcam ao todo 325 questões referentes aos campos semânticos TERRA e HOMEM, que abordam temas pertinentes a crenças populares. Foram aproveitadas para a cartografia 19164 perguntas. Produziram-se 92 cartas lexicais, 70 fonéticas, 19 isoléxicas

e dez isófonas.

O Atlas Lingüístico-Etnográfico da Região Sul do Brasil é o primeiro atlas linguístico brasileiro que responde pela investigação dialetal de uma região administrativa brasileira. Foram investigadas 294 localidades (275 rurais e 19 centros urbanos) dos Estados do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Nessas, foram ouvidos, simultaneamente, dois informantes, analfabetos ou de baixa escolaridade, sem controle sistemático de características como sexo e faixa etária.

A elaboração do atlas começou em 1980, mediante a coordenação de equipes estaduais, tendo culminado com a publicação de dois volumes, no ano de 2002. No primeiro volume constam dados sobre os informantes, localidades, seis cartas introdutórias (nas quais se apresentam dados de natureza etnográfica) e dados metodológicos. O outro contém as cartas linguísticas, estando, dentre elas, cartas fonéticas e morfossintáticas. Em 2012, foi publicada uma segunda edição ampliada, contendo as cartas lexicais.

O Atlas Lingüístico-Sonoro do Pará (ALiSPA) (RAZKY, 2004) é parte de um projeto maior, o ALiPA (Atlas Geo-Sociolinguístico do Pará), que visa ao estudo dos falares paraenses, contemplando diferentes níveis de análise linguística (lexical, fonético-fonológico e morfossintático). Adota a perspectiva de averiguação da variação social, além da variação diatópica.

64 As respostas às questões restantes foram utilizadas por Altino (2007), em sua tese de doutorado, Atlas Lingüístico

O ALiSPA é o primeiro atlas linguístico brasileiro que apresenta, além da exposição cartográfica dos dados, a possibilidade de audição65 dos dados linguísticos e da submissão

desses ao tratamento da Fonética Acústica66.

Para esse atlas, foram contempladas dez das 57 localidades integradas à rede de pontos do projeto maior. Em cada uma delas, foram ouvidos quatro informantes estratificados com relação ao sexo (homens e mulheres) e à faixa etária (faixa I: 19 a 33 anos; faixa II: 40 a 70 anos). Todos os informantes possuem até o 1º grau completo.

O Atlas Lingüístico do Mato Grosso do Sul (ALMS) (OLIVEIRA, 2007) volta-se à realidade de 33 localidades do Estado do Mato Grosso do Sul. Partiu-se da aplicação de um questionário que abrange 506 perguntas de caráter semântico-lexical, além de 42 questões de ordem fonético-fonológica.

Em cada localidade, ouviram-se quatro informantes. Eram homens e mulheres, pertencentes a duas faixas etárias (faixa I: 18 a 30 anos; faixa II: 40 a 70 anos). Quanto à escolaridade, eram todos analfabetos ou com escolaridade até a 4ª série do Ensino Fundamental.

O Atlas Linguístico do Ceará (ALECE) (BESSA, 2010) foi o último atlas linguístico regional publicado no Brasil. Todavia, esse atlas se refere a uma iniciativa datada de 1978. Em 2010, foram publicados seus dois volumes.

A pesquisa foi efetivada em 70 municípios cearenses, nos quais se ouviram 280 informantes, homens e mulheres, com idade entre 30 e 60 anos, sendo, equitativamente, analfabetos ou com o primeiro grau completo.

O primeiro volume do atlas apresenta dados históricos sobre o Ceará, além de retratar a orientação teórico-metodológica assumida durante as investigações. No volume de cartas, são apresentados 256 cartogramas que registram dados fonéticos e lexicais, obtidos a partir da aplicação de um questionário constituído de 306 questões, as quais compreendem 583 itens.

Alguns Estados brasileiros contam com teses e dissertações, não publicados, aparte os atlas antes citados. Exemplificam esses trabalhos o Atlas Lingüístico do Amazonas (CRUZ, 2004), o Atlas Fonético do Entorno da Baía de Guanabara (LIMA, 2006), o Atlas

Geolingüístico do Litoral Potiguar (PEREIRA, 2007), o Micro Atlas Fonético do Estado do Rio de Janeiro (ALMEIDA, 2008), o Atlas Lingüístico da Mesorregião Sudeste de Mato Grosso (CUBA, 2009), o Atlas Linguístico de Pernambuco (SÁ, 2013), dentre outros.

65 Entende-se, aqui, todavia, que, embora seja considerado um atlas de terceira geração por parte dos autores que o descreveram, o ALiSPA não apresenta análises dos dados recolhidos agregadas à sua cartografia, descumprindo, todavia, um dos requisitos necessários para o pertencimento a essa categoria.

Somem-se a esses os projetos de atlas ainda em andamento, como o Atlas Linguístico

do Estado do Maranhão, o Atlas Linguístico do Acre e o Atlas Linguístico do Espírito Santo.

Embora esses estudos não possuam a uniformização necessária para o traçado coerente das áreas dialetais brasileiras, fornecendo um conhecimento geral da realidade areal do PB distintos, uma vez que seguem orientações diversas, possibilitam a visualização, com maior pormenor, da diversidade linguística de muitas partes do Brasil.

A quarta fase para os estudos dialetológicos no Brasil, assim, tem como ponto de partida, justamente, o momento de retomada de um projeto de cunho nacional, referente à língua portuguesa, que possibilitaria a visão do conjunto. Hoje, o Projeto ALiB conta com a documentação da fala de informantes, nativos de diversas localidades brasileiras e a publicação de dois volumes, em que constam cartas lexicais e fonéticas (CARDOSO et al, 2014a; CARDOSO et al, 2014b). Acerca de suas particularidades, seus objetivos e histórico, comenta- se mais detidamente no Capítulo 7, referente à metodologia desta tese.