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TRAFICANTES DESTINO(S) NA AMÉRICA 1521 1575 Foz do Zaire Portugueses Lisboa, Sevilha, Brasil, São Tomé

2.4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Esse capítulo teve a intenção de apresentar um panorama geral da história sociolinguística do português no Brasil. Assim, nesse momento, traz-se à cena um questionamento: como se explicaria, por conseguinte, a configuração atual do PB em face da matriz europeia?

Diante do exposto, entende-se que chegar a tal resposta não é tarefa simples e não é aqui passível de ser apresentada. Contudo, expor-se-ão aspectos que se julgam relevantes a essa busca.

Acredita-se, dessa forma, que o estado de uma língua não pode ter a sua estrutura caracterizada por apenas um elemento: não se pode restringir as investigações que visam à obtenção de tais respostas ao âmbito da morfologia flexional, a qual, via de regra, tem servido de foco às prerrogativas desses estudos. Há de se abrir o leque dos trabalhos, contemplando, além dos dados da sintaxe, aspectos morfológicos, fonético-fonológicos e discursivos, que tanto se prestam a caracterizar uma língua ou uma variedade de língua, como, podem interferir no primeiro nível de análise apontado.

Enfatiza-se que cada um dos fenômenos estudados deve ser encarado sob uma ótica própria: são únicos, apresentam demandas diferentes e são merecedores de análise. É necessário, no intento de esclarecê-los, amalgamar informações de ordem social, histórica e cultural, aos dados relativos à própria estrutura linguística, não atribuindo uma proeminência

14 Segundo Lucchesi (2017), de 1930 até os dias atuais, o PB vive um processo de nivelamento linguístico: a industrialização e a urbanização teriam, em certa medida, promovido o apagamento de marcas mais profundas do contato nas normas vernaculares e trazido modificações para as normas cultas, que lhes diferenciam, amplamente, do padrão lusitano.

maior a uma das duas dimensões, mas objetivando estabelecer o encaixamento das duas, na busca de soluções.

Caberia, assim, aos estudos sociolinguísticos variacionistas e dialetológicos, não apenas recolher dados15, submetendo-os ao tratamento estatístico, quantificando-os, muitas vezes dissociando os valores obtidos da realidade concreta da comunidade de falantes (aspectos sociais, históricos e culturais).

Não faz necessário somente apresentar números, gráficos e tabelas, indicando a maior ou menor relevância de uma determinada variável independente – por vezes escolhida somente através de grupos de fatores já consagrados pelos trabalhos na área – sobre um aspecto linguístico, confinando as explicações ao nível das generalizações (por exemplo, “as mulheres seriam mais conservadoras do que os homens”) ou apresentando uma leitura linear dos dados obtidos. É preciso partir desse dado sincrônico, confinando-o a realidades peculiares.

A esse propósito, é importante retomar alguns fatores sócio-históricos, que se acredita serem de importância crucial na lida com tais situações.

Primeiramente, é necessário tomar como pauta de comparação não somente o PE contemporâneo, mas também o português quinhentista, uma vez que a língua peninsular seguiu o seu próprio curso ao longo dos séculos, a exemplo do que afirma Lucchesi (2009, p.41):

[...] sabe-se que, na virada do século o português europeu passou por profundos processos de mudanças fonológicas, com uma violenta redução das suas vogais átonas, que também teve fortes implicações no plano da morfossintaxe, como a fixação da ênclise como colocação pronominal praticamente categórica.

É preciso, igualmente, percorrer, quando possível e necessário, as demais variedades da língua portuguesa, estabelecendo cotejos, principalmente, aquelas que estiveram (e estão) em contato com as línguas do subgrupo banto, a exemplo do português de Angola e Moçambique, uma vez que, consoante ao que já se demonstrou, foram essas predominantes nos séculos de tráfico negreiro.

Acerca dessas línguas, afirma-se que é preciso considerar o seu papel de modo mais efetivo, considerando, na interpretação dos fatos, aspectos de suas estruturas. Os africanos e seus descendentes (mestiços ou não), que adquiriram a língua portuguesa em condições precárias e que foram responsáveis pela disseminação da mesma, no espaço brasileiro, eram, inicialmente, falantes nativos de uma delas, pautando-se em dados de suas línguas maternas, em um primeiro momento da aquisição da segunda língua. Assim sendo, é possível, em certa medida, que traços comuns dessas línguas tenham interferido na aquisição do português por esses indivíduos e, consequentemente, nos resultados apresentados no PB.

Ainda no que é relativo à língua em si, é preciso considerar o status assumido pela língua portuguesa ao longo dos séculos de colonização, bem como o estado de língua difundido em cada área. Ao interpretar determinado fato, considerando, por exemplo, áreas diferenciadas, como a Baía de Todos os Santos e seu entorno ou o sertão da Bahia, é preciso compreender que o espraiamento do português, em cada uma dessas porções do território, deu-se de modo distinto, em momentos distintos, por agentes diferentes, refletindo, esse estado de língua, situações de contato díspares.

Nessa observação, há de se contemplar, ainda, a realidade sociodemográfica do Brasil como um todo. De modo geral, vive-se em um país ocupado por uma população de 190.732.69416 habitantes, desigualmente distribuídos, segundo a etnia, entre as suas distintas regiões, conforme demonstra Machado Filho (2007, p. 192), a partir da interpretação de informações disponibilizadas pelo IBGE:

[...] vislumbra-se um País mais branco, com uma população parda cada vez mais expressiva, mas em distribuição hegemonicamente invertida, ou melhor dizendo, um país ao avesso: muito mais branco ao sul e muito mais pardo ou mestiço ao norte. Os índios remanescentes, como se sabe, refugiaram-se entre o Cerrado e a Região Amazônica.

No que tange à escolarização, o país assiste a uma abertura crescente das portas da escola, concomitante a uma precarização do ensino, persistindo uma discrepância, entre as etnias nesse contexto, conforme apontam os dados oficiais.

Tabela 1 - Distribuição percentual das pessoas de 10 anos ou mais de idade, por cor ou raça, segundo o nível de instrução

Grupos de ano de estudo

Distribuição percentual das pessoas de 15 anos ou mais de idade, por cor ou raça (%)

Branca Parda Preta Amarela Indígena

Sem instrução e fundamental incompleto17 40,7 48,7 9 1 0,5 Fundamental completo e médio incompleto18 47,6 43,1 7,8 1,1 0,3 Médio completo e superior incompleto19 51,3 35,4 6,9 1,2 0,2

16 Dado referente às interpretações iniciais do censo demográfico de 2010. 17 De um total de 81 386 577 indivíduos.

18 De um total de 28 178 794 indivíduos. 19 De um total de 39 980 515 indivíduos.

Superior

completo20 73 21 3,8 1,9 0,1

Fonte: IBGE, dados de 2010.

Diante dos valores apresentados, vê-se que quanto maiores os anos de escolarização, menor a presença de pretos, pardos e indígenas. A maior parte desses indivíduos é constituída de analfabetos, semialfabetizados ou cursaram apenas os primeiros anos da educação básica. Vê-se uma primazia dos brancos e amarelos (representados pelos imigrantes asiáticos e seus descendentes) nos bancos das universidades. Para um maior conhecimento da situação é necessário o cotejo com dados do passado, além de uma melhor compreensão de aspectos qualitativos, voltados a esse parâmetro.

Sinteticamente, acredita-se aqui numa interpretação particular de elementos linguísticos e realidades, agregando a dimensão linguística –tanto no correlato à língua portuguesa e suas variedades, quanto no que se filia às línguas do contato –à contraparte sócio-histórica, na busca de evidenciar, a partir de uma visão de fragmentos, o que quer e o que pode o PB.

20 De um total de 971.665 indivíduos.