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A Atuação da Delegação Brasileira na COP-15

4. A PARTICIPAÇÃO BRASILEIRA NA 15ª CONFERÊNCIA DAS PARTES DA

4.2 O DESENROLAR DAS NEGOCIAÇÕES

4.2.1 A Atuação da Delegação Brasileira na COP-15

A atuação da delegação brasileira foi marcada por diferentes elementos e momentos. Primeiramente, destaca-se o trabalho do Embaixador Luiz Figueiredo Machado, bastante requisitado por diferentes delegações durante o evento. O Embaixador, além de representar o país nas negociações, foi o Vice-Presidente do AWG-LCA, juntamente com Michael Zammit Cutajar (Malta). Tal grupo de trabalho tinha por objetivo produzir um texto-base do acordo de Copenhague. De fato, era uma posição de prestígio no âmbito da UNFCCC, que deu credibilidade à diplomacia brasileira.

Ambos se esforçaram no sentido de reduzir o grande volume do documento oficial obtido nas reuniões preparatórias da COP e buscavam corrigir inúmeros problemas. Pretendiam também desviar a atenção dos diversos documentos não-oficiais. Ainda em relação à Figueiredo, segundo Abranches (2010a), corriam sérios boatos de que o mesmo poderia ser o próximo Secretário Executivo da Convenção, por sua habilidade política e por saber separar as funções institucionais da COP da representação do Brasil nas negociações.

A chegada do Presidente Lula repercutiu positivamente entre as delegações presentes no evento. Seu discurso, em tom mais sensível, num ambiente de grandes desconfianças e desânimo no que tange à possibilidade de chegar a um bom acordo para o clima, foi bastante aplaudido. Como era de se esperar, o elemento central de seu discurso (Figura 2) girou em torno dos compromissos nacionais voluntários de redução de emissões de gases de efeito estufa, apresentado como uma posição bastante ousada do Brasil, com estimativa de gastos da ordem de U$16 milhões por ano. Nota-se que tais recursos viriam de fontes domésticas, porém não foram especificadas, o que mais uma vez demonstrava a jogada política do anúncio dos compromissos.

Figura 2 – Discurso do Presidente Lula durante o segmento de alto nível da COP-15 (2009)

Fonte: Stuckert (2009)81.

Relacionado à questão dos compromissos voluntários centrava-se um dos pontos- chave da política das mudanças climáticas e, logo, dos impasses entre países desenvolvidos e em desenvolvimento – o financiamento. Acerca da questão, o Presidente Lula afirmou (BRASIL, 2009a):

A questão não é apenas dinheiro. Algumas pessoas pensam que apenas o dinheiro resolve o problema. Não resolveu no passado, não resolverá no presente e, muito menos, vai resolver no futuro. O dinheiro é importante e os países pobres precisam de dinheiro para manter o seu desenvolvimento, para preservar o meio ambiente, para cuidar das suas florestas. É verdade. Mas é importante que nós, os países em desenvolvimento e os países ricos, quando pensarmos no dinheiro, não pensemos que estamos fazendo um favor, não pensemos que estamos dando uma esmola, porque o dinheiro que vai ser colocado na mesa é o pagamento pela emissão de gases de efeito estufa feita durante dois séculos por quem teve o privilégio de se industrializar primeiro. Não é uma barganha de quem tem dinheiro ou quem não tem dinheiro. É um compromisso mais sério, é um compromisso para saber se é verdadeiro ou não o que os cientistas estão dizendo, que o aquecimento global é irreversível. E, portanto, quem tem mais recursos e mais possibilidades precisa garantir a contribuição para proteger os mais necessitados.

Verifica-se neste trecho do discurso do então Presidente do Brasil a ênfase na responsabilidade histórica dos países e na obrigatoriedade dos países desenvolvidos em financiar medidas em países mais pobres – estes entendidos como sinônimo de países em desenvolvimento, em geral. Associa-se ao princípio do poluidor-pagador, ou seja, de que os países ricos não estavam fazendo caridade ao contribuir com recursos financeiros frente à questão, mas sim pagando por terem emitido maiores quantidades de gases de efeito estufa ao longo da história. Em outro trecho, a defesa do CBDR é feita diretamente:

Todos nós sabemos que é preciso, para manter o compromisso das metas e para manter o compromisso do financiamento, a gente, em qualquer documento que for

81 Disponível em: <http://www.cop15.gov.br/pt-BR/index4d9c.html?page=noticias/discurso-lula-transcria- aao_cop15>. Acesso em: ago.2015.

aprovado aqui, a gente tem que manter os princípios adotados no Protocolo de Kyoto e os princípios adotados na Convenção-Quadro. Porque é verdade que nós temos responsabilidades comuns, mas é verdade que elas são diferenciadas (BRASIL, 2009a).

O Presidente Lula também procurou justificar o fato de o Brasil, uma das maiores economias entre os países em desenvolvimento, integrante do BASIC, esforçar-se pela obtenção de financiamento por parte dos países desenvolvidos. Mostrou flexibilidade do posicionamento brasileiro em relação à contribuição financeira para a criação de um fundo internacional:

O que nós precisamos... E vou dizer, de público, uma coisa que eu não disse ainda no meu país, não disse à minha bancada e não disse ao meu Congresso: se for necessário fazer um sacrifício a mais, o Brasil está disposto a colocar dinheiro também para ajudar os outros países. Estamos dispostos a participar do financiamento se nós nos colocarmos de acordo numa proposta final, aqui neste encontro. Agora, o que nós não estamos de acordo é que as figuras mais importantes do planeta Terra assinem qualquer documento, para dizer que nós assinamos documento. Eu adoraria sair daqui com o documento mais perfeito do mundo assinado. Mas se não tivemos condições de fazer até agora – eu não sei, meu querido companheiro Rasmussen, meu companheiro Ban Ki-moon – se a gente não conseguiu fazer até agora esse documento, eu não sei se algum anjo ou algum sábio descerá neste plenário e irá colocar na nossa cabeça a inteligência que nos faltou até a hora de agora. Não sei (BRASIL, 2009a).

Por outro lado, no discurso do Presidente Lula, também ficou clara a recusa de fiscalização das medidas de adaptação e de mitigação em países em desenvolvimento por parte dos países desenvolvidos, de forma a explicitar a defesa de sua soberania:

É verdade que os países que derem dinheiro têm o direito de exigir a transparência, têm direito até de exigir o cumprimento da política que foi financiada. Mas é verdade que nós precisamos tomar muito cuidado com essa intrusão nos países em desenvolvimento e nos países mais pobres. A experiência que nós temos, seja do Fundo Monetário Internacional, seja do Banco Mundial nos nossos países, não é recomendável que continue a acontecer no século XXI. [...] não podem adentrar a soberania dos países – cada país tem que ter a competência de se autofiscalizar [...] (BRASIL, 2009a).

A delegação brasileira apoiou a ideia de registro das ações nacionais realizadas em países em desenvolvimento, que seria uma forma de internacionalização, mas não com fiscalizações externas. O monitoramento, reporte e verificação (MRVs)82 seguiria diretrizes internacionais, mas apenas ocorreria no âmbito interno. Os avanços também seriam apresentados nas Comunicações Nacionais à Convenção, que deveriam se tornar, segundo a delegação, mais frequentes. Evidenciava-se, portanto, uma grande preocupação com a preservação da soberania westfaliana, conforme definida por Krasner (1999), ou seja, um postura realista pautada, sobretudo, na defesa dos interesses nacionais. Tal situação também

vai ao encontro da afirmação de Castro (2005) de que os países continuam a recorrer ao conceito de soberania para a defesa de seus interesses, considerados “questões internas”.

Além dos discursos proferidos, o Presidente Lula estabeleceu diálogos importantes com diversos chefes de Estado e outras lideranças, como Nicolas Sarkozy (França), Barack Obama (EUA), Ângela Merkel (Alemanha), Gordon Brown (Reino Unido) e Wen Jiabao (China). Uma coletiva de imprensa entre Lula e Sarkozy, realizada após uma reunião bilateral com vistas a reduzir os impasses entre as Partes, como a questão do MRV, foi considerada o primeiro ato político dos chefes de governo em Copenhague (ABRANCHES, 2010a). Nesta coletiva, Lula convocou uma reunião extraordinária entre os principais chefes de Estado presentes no evento (Figura 3) para tentar “salvar” o acordo climático (BRASIL, 2009b). Lula e Sarkozy apresentariam um documento elaborado antes da realização da COP, com contribuições dos dois países para as discussões que se dariam em Copenhague. É importante lembrar que tal parceria se justificava na medida em que, para o Brasil, não era interessante a formação de um G2 entre Estados Unidos e China. Contudo, sem a presença de Obama (chegaria no dia seguinte) e de Wen Jiabao, não houve avanços.

Diante de tal contexto, verificou-se uma mudança significativa de posicionamento do ponto de vista político. Corrobora-se com Viola (2010) no sentido de que, o Brasil tendo metas de redução de emissões (ainda que voluntárias), se aproximava do grupo reformista, ao mesmo tempo em que suas posições no processo negociador o aproximavam do grupo conservador, em que pese as diferenças em relação aos mais recalcitrantes. A atuação do Presidente Lula, ainda que evidenciasse elementos inflexíveis do posicionamento brasileiro (princípios da UNFCCC), veio carregada de uma vontade política por cooperação com vistas a não deflagração do fracasso político multilateral. Os compromissos voluntários, a indicação da colaboração financeira para um segundo fundo e a busca pelo diálogo foram muito bem recebidos pelos demais agentes.

No último dia de negociações (18/12/2009), o Brasil e os demais países do BASIC, juntamente com os EUA, se reuniram mais uma vez para tentarem fechar um acordo (Figura 4), o que não foi possível diante da não aceitação de outras Partes da UNFCCC, pelo menos formalmente. Os resultados da COP-15 são apresentados a seguir.

Figura 3 (à esquerda) – Anúncio de reunião extraordinária com lideranças mundiais durante

a COP-15, realizado por Lula e Sarkozy

Figura 4 (à direita) – Última tentativa de “costurar” um acordo climático global em

Copenhague

Fonte: Figura 3 – Blog do Planalto (2009)83 / Figura 4 – Revista Época Negócios (2009)84.