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OS RESULTADOS DA COP-15 E OS INTERESSES BRASILEIROS

4. A PARTICIPAÇÃO BRASILEIRA NA 15ª CONFERÊNCIA DAS PARTES DA

4.3 OS RESULTADOS DA COP-15 E OS INTERESSES BRASILEIROS

Embora grande parte dos agentes da ordem ambiental internacional sobre o clima visse a COP-15 como o momento ideal para a definição de um tratado vinculante que abarcasse todas as Partes da UNFCCC, estas só conseguiram chegar, no último momento, a um acordo político sem força legal. Contudo, diante da objeção de alguns países frente a tal resultado – Bolívia, Sudão e Venezuela – o texto não pôde ser adotado oficialmente como decisão da COP, segundo os procedimentos da UNFCCC, que requerem consenso. Desde modo, a Convenção decidiu “tomar nota” do chamado “Acordo de Copenhague”, de forma que os países que quisessem se associar a ele deveriam notificar seu Secretariado.

De acordo com Bodansky (2010), em Março de 2010 mais de cem países demonstraram interesse em se associar ao acordo; e muitos deles, como o Brasil, forneceram informações sobre ações de mitigação e se associaram efetivamente. Houser (2010) destaca que os países que tinham se associado até aquele momento contabilizavam cerca de 81% das emissões e 76% da população globais, e que pelo menos 72 deles listaram seus planos nacionais de redução de emissão. Segundo o autor, considerando as promessas anunciadas, previa-se uma redução de emissões entre 49,7 e 51,5 bilhões de toneladas de carbono em

83 Disponível em: <http://blog.planalto.gov.br/reuniao-de-emergencia-e-convocada-em-copenhague-para-salvar- acordo-climatico/#more-6789>. Acesso em: ago.2015.

84Disponível em: <http://epocanegocios.globo.com/Revista/Common/0,,ERT111932-16381,00.html>. Acesso em: ago.2015.

2020, o que seria 7 a 11% abaixo do business as usual85, com possibilidades de redução ainda maiores caso os países desenvolvidos oferecessem apoio real aos países em desenvolvimento.

O Acordo de Copenhague refere-se a um texto de apenas três páginas, que versa sobre conteúdos políticos que precisariam ser detalhados em rodadas posteriores, como visão compartilhada; mitigação para países desenvolvidos e em desenvolvimento; financiamento; transferência de tecnologia; monitoramento, reporte e verificação; entre outros. Como os dois grupos de trabalho (AWG-LCA e AWG-KP) não concluíram seus mandatos, estes foram estendidos (Decisão 1/CP.15) até a COP-16 (UNFCCC, 2009i). Ou seja, os países continuariam a trabalhar em dois trilhos e a ideia de um único acordo abrangente ficou ainda mais distante em meio às desconfianças geradas.

Em relação à visão compartilhada, os países deveriam agir no sentido de garantir que o aumento da temperatura global não excedesse os 2°C, com possibilidade de estreitamento desta meta para 1,5°C, em 2015 (Decisão 2/CP.15). Não houve acordo quanto ao estabelecimento de um pico de emissões, uma vez que não era de interesse dos países em desenvolvimento, como o Brasil. O texto colocou apenas que os países deveriam cooperar para alcançar o pico de emissões globais “assim que possível” e reconheceu que o prazo para tal deveria ser mais amplo para as nações em desenvolvimento, ao considerar a necessidade de desenvolvimento econômico e da erradicação da pobreza (UNFCCC, 2009i).

Quanto à mitigação, segundo o Acordo de Copenhague os países que integravam o Anexo I deveriam, de forma individual ou conjuntamente, se comprometer a implementar metas de redução de emissões para 2020, que deveriam ser submetidas à UNFCCC no início de 2010. Além disso, também colocou que os resultados de redução de emissões e de financiamento seriam passíveis de mensuração, reporte e verificação (MRV) de forma rigorosa, robusta e transparente. O acordo contemplou o fortalecimento do Protocolo de Kyoto, conforme a vontade do governo brasileiro. Por outro lado, segundo Bodansky (2010), esta abordagem bottom-up permitiu que os países desenvolvidos definissem suas próprias metas, ano-base, regras de contabilidade, o que dava margem para uma menor ambição entre as Partes Anexo I. Não houve a definição de uma emenda concreta ao Protocolo de Kyoto, com números efetivos, como o Brasil propôs à UNFCCC.

Os países em desenvolvimento, por sua vez – inclusive os que conformam o grupo BASIC –, não aceitaram a adoção de metas de mitigação. Suas ações nacionais (NAMAS),

85 Estimativa de crescimento de emissões de gases de efeito estufa de 45 bilhões de toneladas em 2005 para 56 bilhões de toneladas em 2020 e 113 bilhões de toneladas em 2100, caso tais planos não fossem implementados (HOUSER, 2010).

tomadas também a partir da perspectiva bottom-up, deveriam ser comunicadas à UNFCCC e seriam avaliadas somente no nível doméstico – ainda que informadas à Convenção a cada dois anos em suas comunicações nacionais para a realização de uma “consulta e análise internacional sob diretrizes definidas” (UNFCCC, 2009i). Apenas as ações que recebessem apoio tecnológico, financeiro e de construção de capacidades por parte dos países Anexo I deveriam ser registradas e estariam sujeitas à avaliação internacional. É importante lembrar que tal questão foi uma das mais polêmicas nesta rodada de negociações, particularmente entre EUA e China, haja vista que o primeiro desejava o mesmo rigor para o MRV em países em desenvolvimento. O Brasil, conforme expresso no discurso do Presidente Lula, também entendia que o MRV poderia interferir na soberania nacional, de forma que ficou satisfeito com este ponto do acordo.

Corrobora-se com Houser (2010) no sentido de que, diante da grande problemática da falta de transparência durante a preparação e realização da COP-15, o fato de os países em desenvolvimento como o Brasil terem se sujeitado a um tipo de MRV, ou seja, a consultas e análises internacionais – ainda que de maneira doméstica com vistas à preservação de sua soberania, constituiu um momento importante para atenuar as diferenças entre países desenvolvidos e em desenvolvimento e um passo importante para a mitigação. Contudo, as diretrizes para tal processo de consulta ainda deveriam ser definidas, de forma que tais discussões, possivelmente, conduziriam a impasses.

No tocante ao financiamento, os países finalmente chegaram a números importantes. O Acordo de Copenhague destacou o compromisso coletivo dos países desenvolvidos em prover recursos adicionais, inclusive para floresta, e investimentos por meio de instituições internacionais, a alcançar:

[...] US$ 30 bilhões para o período 2010-2012 com repartição equilibrada entre adaptação e mitigação. O financiamento para adaptação priorizará os países em desenvolvimento mais vulneráveis, como os países menos desenvolvidos, os pequenos Estados insulares em desenvolvimento e a África. No contexto das ações de mitigação significativas e transparência na implementação, os países desenvolvidos se comprometem com uma meta de mobilização conjunta de US$ 100 bilhões por ano até 2020 para atender as necessidades dos países em desenvolvimento [...] (UNFCCC, 2009i, p.7, tradução nossa)86.

86Do original: […] USD 30 billion for the period 2010–2012 with balanced allocation between adaptation and

mitigation. Funding for adaptation will be prioritized for the most vulnerable developing countries, such as the least developed countries, small island developing States and Africa. In the context of meaningful mitigation actions and transparency on implementation, developed countries commit to a goal of mobilizing jointly USD 100 billion dollars a year by 2020 to address the needs of developing countries. […] (UNFCCC, 2009i, p.7).

Tais recursos deveriam provir de fontes públicas e privadas, e boa parte deveria fluir por meio do “Fundo Verde para o Clima de Copenhague”. Ou seja, se estabeleceu uma entidade operativa para o mecanismo financeiro da UNFCCC para apoio às ações de mitigação, adaptação, construção de capacidades e transferência de tecnologia; bem como a conformação de um painel de alto nível para estudar a contribuição das fontes potenciais de receita para atingir a meta estabelecida. Se por um lado a apresentação de tais valores representou um ganho importante para os países em desenvolvimento, de outro a operacionalização de tal fundo iria requerer grande aprofundamento e apresentação de resultados por parte dos países desenvolvidos, o que não reduziu a desconfiança entre as Partes.

No que tange à redução de emissões por desmatamento e degradação florestal, seu papel foi reconhecido, mas a questão do financiamento de atividades no setor permaneceu em aberto (fundos públicos ou créditos de carbono) (BODANSKY, 2010). Por outro lado, de acordo com a Decisão 4/CP.15 (UNFCCC, 2009i), os países em desenvolvimento foram solicitados a estabelecer, de acordo com as diferentes circunstâncias e capacidades nacionais, sistemas de monitoramento florestais combinados que zelassem pela transparência e consistência em termos de resultados, a serem disponibilizados para as demais Partes. Neste sentido, o Brasil se destacou pela tecnologia desenvolvida e pela vontade política em transferi-la a outros países em desenvolvimento, conforme verificado na proposta enviada ao SBSTA na fase preparatória da COP (UNFCCC, 2009h).

Em relação ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, não houve grandes decisões, de forma que as discussões foram adiadas para a COP-16, com vistas, por exemplo, a permitir uma melhor avaliação da inclusão do CCS no MDL, o que não era interesse do governo brasileiro, conforme visto anteriormente. Por outro lado, também se prolongaram as discussões sobre LULUCF.

Diante do que foi visto, verificou-se que a 15ª Conferência das Partes representou um momento único na ordem ambiental internacional sobre o clima. Ao mesmo tempo em que se criou um momento político sem precedentes – em virtude da grande mobilização social e da presença de mais de uma centena de chefes de Estado, as esperanças quanto à definição de um tratado legalmente vinculante foram se perdendo a cada dia de negociações.

Entende-se que tal idealização não condizia com o realismo político crescente verificado desde as reuniões pré-COP e explícito durante o evento. Desde o princípio, a falta de transparência – tanto a partir de ações da organização da Conferência como entre as Partes

– deu vazão à circulação de diversos textos oficiosos produzidos de maneira unilateral ou por parte de pequenos grupos de países, que amplificou os impasses. O realismo político estava exacerbado pelos membros da COP.

Destacou-se a fragmentação do G77+China diante do interesse de países insulares e outras nações menos desenvolvidas em produzir outro protocolo no trilho do AWG-LCA, que conduziria a maiores responsabilidades dos países emergentes do grupo quanto a metas de mitigação de emissões e ao financiamento. A maior pressão sofrida pelo Brasil, China, Índia e África do Sul, agora também no interior do G77, foi fundamental para que o BASIC assumisse outro papel, ainda que não se desvencilhasse do G77+China dado o interesse em garantir a manutenção do CBDR por meio da preservação e fortalecimento do Protocolo de Kyoto.

A atuação do BASIC foi fundamental para a definição do Acordo de Copenhague nos momentos finais da COP. Contudo, ainda que tais países tivessem se unido para defender posições específicas em comum, não se assumiram como um grupo oficial de negociação. Concorda-se com Hallding et al. (2011) no sentido de que as quatro nações operam em diferentes contextos materiais e ideológicos, e se distinguem significativamente em termos de contribuições para o problema do clima.

Se naquele momento não foi possível estabelecer uma emenda ao Protocolo de Kyoto com novos compromissos vinculantes quantitativos para países Anexo I – como convinha ao governo brasileiro, por outro lado evitou-se, ainda que de maneira frágil, seu abandono diante do interesse de nações desenvolvidas de unir os dois trilhos acordados em Bali e obter um único instrumento legalmente vinculante. No Acordo de Copenhague, a diferenciação estabelecida pelos princípios da Convenção foi mantida, pelo menos até a COP-16.

O Brasil permaneceu em posição de conforto relativo ao não ter que assumir maiores responsabilidades naquele momento no âmbito da Convenção, ao mesmo tempo em que se destacou ao propor metas voluntárias consideráveis de redução de emissões de GEEs. Além disso, mostrou-se relativamente flexível quanto a uma possível contribuição com recursos financeiros desde que se chegasse a um acordo razoável e à aceitação de algum tipo de MRV, ainda que doméstico. Tal postura – evidenciada, sobretudo, a partir da atuação do Presidente Lula nas negociações – indicou mudanças significativas no posicionamento do país no âmbito da UNFCCC. Após muitos anos, o Brasil, para muitos agentes da ordem, dava seus primeiros passos em direção a uma postura menos realista e conservadora.

Além disso, a delegação brasileira buscou, de fato, exercer liderança nesta COP, em virtude, sobretudo, da atuação do Embaixador Figueiredo Machado, bastante solicitado

durante o evento; e diante das articulações políticas promovidas pelo Presidente brasileiro no sentido de “salvar” o evento, como a convocação conjunta com a França para uma reunião extraordinária que reuniu um grupo selecionado de chefes de Estado e a atuação junto ao BASIC nos momentos derradeiros do encontro.

Por outro lado, em que pese tais elementos, que indicavam a busca pelo diálogo e a possibilidade da configuração de uma posição mais flexível ou, segundo Viola (2010), “reformista”, é importante considerar que as metas anunciadas pelo Brasil não eram vinculantes a nível global e a forma como seriam cumpridas, nos diferentes setores de atividade, não tinha sido detalhada, o que dava margem a incertezas quanto aos ganhos reais advindos da decisão brasileira, bem como das fontes de recursos a serem destinados a tais medidas. Além disso, ao não abordar questões socioambientais importantes que ocorriam em seu território, como as polêmicas relacionadas à utilização de biocombustíveis e à construção de Belo Monte, desagradou muitos agentes, sobretudo organizações não governamentais e sociedade civil (SERRA, 2010).

Portanto, entende-se que o posicionamento do Brasil, nesta COP, foi marcado, sobretudo, pelo realismo político, na medida em que o governo brasileiro, a despeito das esperanças por um acordo ambicioso e vinculante que se aproximasse mais das necessidades apontadas pelo IPCC, procurou conjugar esforços para fazer valer seus interesses e garantir a manutenção da diferenciação entre as Partes, o que corroborou com preceitos realistas clássicos (MORGENTHAU, [1948], 2003) e, sobretudo, com o realismo estrutural (WALTZ, 2004); desde as proposições feitas à UNFCCC, aos agrupamentos estabelecidos para se defender de países que buscavam extinguir o Protocolo de Kyoto.

A maior flexibilidade quanto aos elementos apresentados criou uma expectativa de transformações importantes na postura do país no sentido de uma atitude mais cooperativa, o que foi digno de nota. Politicamente, representou um avanço político. Contudo, era muito cedo para afirmar de que forma isto levaria a um maior liberalismo político. Só houve uma certeza ao final do evento: a sociedade internacional saiu derrotada de uma batalha política épica.

5. A PARTICIPAÇÃO BRASILEIRA NA 16ª CONFERÊNCIA DAS PARTES DA