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1. MUDANÇAS CLIMÁTICAS E SEGURANÇA SOCIOAMBIENTAL

1.1 A CIÊNCIA DA MUDANÇA DO CLIMA

1.1.1 Principais Correntes de Pensamento da Ciência da Mudança do Clima

1.1.1.1 Mudanças Climáticas Antrópicas

Este grupo, consideravelmente mais numeroso que o outro, é formado por pesquisadores que atribuem a algumas atividades humanas a maior parcela de responsabilidade pela ocorrência das mudanças climáticas e defendem o princípio da precaução. Este princípio se refere à tomada de medidas preventivas quando uma atividade se coloca como uma ameaça à saúde humana ou para o meio ambiente, ainda que suas causas e efeitos não tenham sido totalmente explicitados pela ciência (DERANI, 2008).

Pode-se subdividi-lo entre: os que se fundamentam, principalmente, nos relatórios produzidos pelo IPCC; e os que criticam o Painel por apresentar um quadro irreal, já que postulam que as mudanças estão ocorrendo em ritmo muito mais acelerado e irreversível, o que exigiria ações drásticas e urgentes. De todo modo, o IPCC é a referência para as análises desenvolvidas pelo grupo.

Diante da importância dos resultados divulgados pelo Painel para o desenvolvimento de políticas sobre o tema e para o posicionamento dos diferentes agentes, como o Brasil,

ressalta-se a necessidade de apresentar algumas considerações acerca das evidências, causas e impactos relacionados às mudanças climáticas divulgados pelo Painel, decorrentes da análise de milhares de estudos produzidos em todo o mundo.

Segundo o grupo de trabalho I do IPCC (2013), em seu quinto relatório (AR5)8, existe uma série de evidências que apontam que o aquecimento do sistema climático é inequívoco, uma vez que diversos estudos produzidos em todo o mundo indicam um aumento na temperatura média da atmosfera e dos oceanos. Em seu quarto relatório – o AR49 (IPCC,

2007), o Painel afirmou que existem evidências observacionais suficientes e de alta confiança, em todos os continentes e oceanos, que apontam mudanças climáticas em muitos sistemas naturais – principalmente pelo aumento da temperatura (por exemplo, nos sistemas referentes à neve, gelo e permafrost10, além de diversos sistemas biológicos terrestres e aquáticos). Também apontou, com média confiança, efeitos do aumento da temperatura no manejo agrícola e florestal, na saúde e em outras atividades humanas. O IPCC ressaltou que, de mais de 29.000 séries de dados observacionais existentes até a produção do AR4, mais de 89% eram consistentes com a teoria do aquecimento do planeta.

Quanto às causas deste aquecimento, o Painel (IPCC, 2013) afirma que o balanço de energia do sistema climático tem sido alterado por mudanças na concentração de gases de gases de efeito estufa e de aerossóis11 na atmosfera, na cobertura do solo e na radiação solar. Estas mudanças influenciam na absorção, na dispersão e na emissão da radiação dentro da atmosfera e na superfície da Terra, cujo resultado, positivo ou negativo, é expresso como forçante radiativa, usada para comparar influências de aquecimento ou de resfriamento no clima global. A forçante radiativa é definida como:

[...] Uma medida da influência que um fator tem na alteração do equilíbrio de energia de entrada e saída no sistema Terra-atmosfera e constitui um índice da importância do fator como um mecanismo potencial de alterações climáticas. [...] os valores da forçante radiativa são para mudanças relativas às condições pré- industriais definidas em 1750 e são expressos em watts por metro quadrado (W/m2) (IPCC, 2007, p.36, tradução nossa)12.

8 Sigla em inglês: IPCC Fifth Assessment Report. 9 Sigla em inglês: IPCC Fourth Assessment Report.

10 Tipo de solo encontrado nas regiões mais frias do planeta, composto por terra, gelo e rochas, permanentemente congelados.

11Partículas suspensas em meio gasoso, como a atmosfera.

12 Do original: [...] a measure of the influence a factor has in altering the balance of incoming and outgoing

energy in the Earth-atmosphere system and is an index of the importance of the factor as a potential climate change mechanism. […] radiative forcing values are for changes relative to pre-industrial conditions defined at 1750 and are expressed in watts per square meter (W/m2) (IPCC, 2007, p.36).

Um ponto fundamental apresentado pelo IPCC é que as mudanças do clima não podem ser entendidas sem considerar as emissões de GEEs referentes a atividades humanas, que vêm crescendo desde o período pré-industrial. Registrou-se um aumento de 70% entre 1970 e 2004 (IPCC, 2007) devido ao setor de energia; transporte; indústria; mudanças do uso da terra e desmatamento; agricultura e pecuária; entre outros (Quadro 1).

Quadro 1 – Principais gases de efeito estufa e suas origens

Gases Origem

Vapor de Água

(H2O) É um dos principais gases de efeito estufa. Ocorre naturalmente na atmosfera. Dióxido de

Carbono (CO2)

Além de sua ocorrência natural, resulta da queima de combustíveis fósseis, da biomassa e de mudanças de uso do solo, bem como de outros processos industriais. É considerado o principal gás antropogênico de efeito estufa pelo grande volume de emissões e efeitos no balanço radiativo da Terra.

Óxido Nitroso (N2O)

Produzido a partir da utilização de fertilizantes em atividades agrícolas, da queima de biomassa, da utilização de combustíveis fósseis e da fabricação de ácido nítrico. Metano (CH4) Produzido pela decomposição anaeróbica de resíduos de esgoto, decomposição de organismos, digestão animal, produção e distribuição de combustíveis fósseis.

Ozônio Troposférico (O3)

Quando na troposfera – devido a fatores naturais e a reações fotoquímicas envolvendo gases resultantes de atividades humanas, atua como um gás estufa.

Hexafluoreto de Enxofre (SF6)

Utilizado na indústria pesada como isolante de equipamentos de alta voltagem. Também contribui para a produção de sistemas de resfriamento de cabos.

Hidrofluorcarbonos

(HFCs) Substitutos dos clorofluorcarbonos (CFCs). Utilizados para refrigeração e fabricação de semicondutores. Perfluorcarbonos

(PFCs) Subprodutos da fundição de alumínio e do enriquecimento de urânio. Também substitui CFCs na fabricação de semicondutores. Fonte: elaborado pela autora, com base em informações de IPCC (2007).

O Painel aponta com alto grau de confiança que o efeito global médio das atividades humanas desde 1750 constitui uma parte do aquecimento, com uma forçante radiativa média de +1.6 [+0.6 a +2.4] W/m2 (IPCC, 2007), ainda que também mostre a contribuição antrópica no tocante aos aerossóis, que produzem efeito de resfriamento: média de -0.5 [-0.9 a -0.1] W/m2 (Gráfico 1).

No AR5 afirma-se a influência humana no sistema climático com um maior grau de confiança. Em outras palavras, para os cientistas do IPCC não é possível explicar tais alterações já sentidas e previstas apenas pela variabilidade natural de temperatura ou dos sistemas ambientais como um todo, ainda que existam limitações e lacunas no tocante à compreensão das causas do processo.

Gráfico 1 – Componentes da forçante radiativa

A= alta, MA = muito alta, B = baixa, M = média.

Fonte: IPCC (2013), traduzido pela autora.

O vapor de água, o dióxido de carbono, o óxido nitroso, o metano e o ozônio são considerados os principais gases de efeito estufa. Porém, existem muitos outros, como os halocarbonos, os hidrofluorcarbonos, os perfluorcarbonos e o hexafluoreto de enxofre. O vapor de água, ainda que desempenhe função primordial no tocante ao efeito estufa, não se situa no centro das preocupações sobre a intensificação deste fenômeno porque sua ocorrência se dá naturalmente e sem controle humano.

O dióxido de carbono é considerado o principal gás de efeito estufa em relação ao volume emitido, haja vista que tais gases diferem bastante em termos de capacidade de aquecimento e tempo de vida na atmosfera. Justamente por isso, é considerado o gás de referência para medição e comparação dos demais em termos de Potencial de Aquecimento

Global (GWP)13. Chama-se de dióxido de carbono equivalente “... a quantidade de emissões de dióxido de carbono que causariam a mesmo forçamento radiativo integrado, ao longo de um dado horizonte de tempo, como uma quantidade emitida de um gás de efeito estufa misturado ou uma mistura de gases estufa bem misturados” (IPCC, 2007, p.946, tradução nossa)14.

Para avaliar os impactos relacionados às mudanças climáticas, o IPCC desenvolveu diferentes cenários: o RCP2.615, o RCP4.5, o RCP6.0 e o RCP8.516. Isso porque existe um grande desafio para estimar como serão os padrões futuros de emissões de gases de efeito estufa. Independente dos cenários, o Painel ressalta que há alto grau de concordância e muita evidência de que, a despeito de qualquer medida, as emissões globais de gases de efeito estufa continuarão a crescer nas próximas décadas. O IPCC afirma que é provável que a temperatura, ao final do século XXI, exceda 1,5°C em relação ao período 1850-1900 para todos os cenários RCP, exceto o RCP2.6 (IPCC, 2013). Também coloca que é provável que exceda os 2°C nos cenários RCP6.0 e RCP8.5, com variações interanuais a interdecadais de maneira não uniforme.

Diante destes cenários, que envolvem previsões de maior ou menor aquecimento, estimam-se diferentes impactos socioambientais nos ecossistemas, na alimentação, nas áreas costeiras, nas atividades humanas, na saúde e na oferta de água, como pode ser visto no Quadro 2.

Ainda que tais estimativas tenham sido feitas, é fundamental ressaltar que este grupo não é de modo algum homogêneo. Mesmo entre os pesquisadores que compõem o IPCC há diversas dúvidas sobre questões específicas que impedem a determinação de certezas para a

13 Do inglês: Global Warming Potential. Refere-se ao efeito combinado dos diferentes tempos de vida dos gases de efeito estufa na atmosfera e sua eficácia relativa na absorção da radiação infravermelha térmica de saída (IPCC, 2007).

14 Do original: “The amount of carbon dioxide emission that would cause the same integrated radiative forcing, over a given time horizon, as an emitted amount of a well-mixed greenhouse gas or a mixture of well mixed greenhouse gases” (IPCC, 2007, p.946).

15

Sigla em inglês: Representative Concentration Pathways.

16

No AR5 foi definido um conjunto de quatro novos cenários, denominados Vias de Concentração Representativas (RCPs). São identificados por seus totais aproximados de forçante radiativa no ano 2100 em relação a 1750: 2.6Wm-2 para o cenário RCP2.6, 4.5Wm-2 para o RCP4.5, 6.0 Wm-2 para o RCP6.0, e 8.5Wm-2 para o RCP8.5. O RCP2.6 corresponde a um cenário de mitigação que conduz a um nível de forçante radiativa muito baixo. O RCP4.5 e RCP6.0 referem-se a cenários de estabilização e o RCP8.5 indica emissões muito altas de GEEs. Nos cenários RCP6.0 e RCP8.5 a forçante radiativa não atinge seu pico no ano de 2100. No cenário RCP2.6, atinge seu pico e decresce, e no RCP4.5 estabiliza as emissões em 2100 (IPCC, 2013). É importante ressaltar que tais cenários são apenas indicativos, já que o forçamento do clima é resultado de diferentes fatores que variam significativamente entre modelos. Os RCPs não consideram fatores naturais, como forçantes solares ou vulcânicas. Também não cobrem a gama completa de emissões, como os aerossóis (IPCC, 2013).

tomada de decisões. Por exemplo, para Nobre et al. (2008) existem duas grandes fontes de dúvidas relativas à utilização de modelos matemáticos do sistema climático global. A primeira envolve a dificuldade para determinar a trajetória futura das emissões de GEEs e de aerossóis atmosféricos, conforme se verifica pelos diferentes cenários traçados.

A segunda refere-se ao fato de os modelos representarem a realidade de modo imperfeito e limitado. Eles podem divergir bastante ainda que considerem o mesmo cenário de emissão de GEEs e de aerossóis. Um importante fator limitante é a baixa resolução espacial dos modelos atuais, que dificulta a determinação de impactos locais e regionais, mesmo que existam técnicas de regionalização.

Quadro 2 - Impactos previstos das mudanças climáticas

Impactos Previstos das Mudanças Climáticas

E

cos

sis

tema

s A resiliência de muitos ecossistemas pode ser excedida, com aumento crescente do risco de

extinção de muitas espécies, de modo a caracterizar perda de biodiversidade. Mudanças mais significativas na temperatura podem provocar transformações estruturais e funcionais nos ecossistemas, nas interações ecológicas e na distribuição geográfica das espécies. Outro efeito pode ser o aumento dos incêndios florestais diante de um contexto de secas mais frequentes.

Alim

entaç

ão Pode ocorrer aumento de produtividade agrícola nas médias e altas latitudes, de acordo com a

cultura, e decréscimo em algumas regiões. Nas baixas latitudes, sobretudo em regiões com secas sazonais e regiões tropicais, projeta-se decréscimo de produtividade mesmo para pequenos aumentos de temperatura (1° a 2°C). Globalmente, estima-se um aumento na produtividade até 3°C, e um decréscimo a partir disso.

Ár ea s C os teir

as Aumento dos riscos ligados a processos de erosão costeira, tempestades e inundações devido à

mudança climática e possível elevação do nível do mar. Estimam-se maiores impactos nas áreas densamente populosas e com baixa capacidade de adaptação.

Indús tr ia, as se ntame nto s e soc ieda

de Maior vulnerabilidade em áreas costeiras e planícies de inundação, cujas economias estão ligadas a recursos sensíveis ao clima e em outras áreas sujeitas a eventos extremos, em especial onde ocorrem processos rápidos de urbanização. Comunidades carentes são ainda mais vulneráveis, sobretudo as localizadas em áreas de risco.

S

aúde

Estimativa de aumento de casos de desnutrição; aumento de mortes, doenças e ferimentos devido a eventos extremos; aumento de doenças diarreicas; e aumento na frequência de doenças cardiorrespiratórias pela maior concentração de ozônio troposférico em áreas urbanas. Porém, estimam-se benefícios, como menos mortes por conta do frio. É importante ressaltar que diversos fatores interferem neste sentido, como educação, cuidados médicos, saúde pública, desenvolvimento infraestrutural e econômico, etc.

Água

Exacerbação do atual estresse hídrico, redução da disponibilidade de água e aumento das secas nas latitudes médias e baixas semiáridas.

Fonte: elaborado pela autora, com base em informações do IPCC (2007).

É importante destacar que a maior parte dos estudos da ciência da mudança do clima é desenvolvida em países desenvolvidos, a partir de suas especificidades. Tal situação tem implicações profundas na criação e implementação de políticas de mitigação de emissões de GEEs e de adaptação aos impactos socioambientais, já que diversas metodologias específicas acabam por ser adaptadas à realidade dos países em desenvolvimento, o que reduz sua eficácia.

Além disso, a alta confiança observada em relação às informações de aquecimento não se aplica, por exemplo, às observações sobre precipitação, cujos resultados mostram-se bastante conflitantes. Contudo, do quarto relatório (IPCC, 2007) para o quinto (IPCC, 2013), tais modelos melhoraram significativamente e conseguem reproduzir padrões de temperatura de superfície na escala continental, bem como tendências observadas ao longo de muitas décadas.

Mesmo com todas as incertezas, este grupo pauta-se no princípio da precaução e entende que não se pode aguardar a obtenção de maiores certezas diante de um problema que se mostra cada vez mais urgente. Defende a tomada de medidas de mitigação – priorizadas em virtude da dificuldade de determinação de impactos locais e regionais – e de adaptação aos efeitos que inevitavelmente serão sentidos pela sociedade, sobretudo os grupos mais vulneráveis com menor capacidade de adaptação.