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1. MUDANÇAS CLIMÁTICAS E SEGURANÇA SOCIOAMBIENTAL

1.1 A CIÊNCIA DA MUDANÇA DO CLIMA

1.1.1 Principais Correntes de Pensamento da Ciência da Mudança do Clima

1.1.1.2 Grupo Cético

O grupo cético também é heterogêneo. Em geral, os pesquisadores céticos tomam por base tanto as teorias relacionadas às dinâmicas naturais de alteração climática a curto, médio e longo prazo, bem como as limitações dos modelos climáticos.

Por um lado, verificam-se cientistas que refutam praticamente todos os resultados apresentados pelo IPCC – até mesmo os indicadores de aquecimento na escala global – por uma série de fatores naturais e sociais. Por outro lado, também há pesquisadores que não negam a ocorrência de uma alteração climática a nível mundial, mas questionam a responsabilidade humana pela intensificação do efeito estufa.

Para Molion (2007), os fenômenos que hoje são observados decorrem da variabilidade natural do clima. Segundo o autor, a aparente consistência entre registros históricos e previsões dos modelos atuais não significa a ocorrência deste aquecimento. Por exemplo, ele aponta períodos de maior aquecimento (1925-1946), quando a quantidade de CO2 emitida

desenvolvimento foi acelerado. Também mostra que o aumento na concentração de CO2 pode

ter decorrido de variações internas ao sistema terra-oceano-atmosfera (redução da capacidade de absorção pelos oceanos). Além disso, o autor recorre a dados paleoclimáticos que indicam a ocorrência, no passado, de temperaturas mais elevadas que as atuais, em um contexto de menor concentração de GEEs na atmosfera. Outros pesquisadores, como Fred Singer e Dennis Avery também negam a influência do homem no que se chama de aquecimento global. Estes defendem a tese das oscilações naturais do clima do planeta (GIDDENS, 2010, p.43).

Além de considerarem perda de tempo o desenvolvimento de medidas de mitigação das emissões de gases de efeito estufa decorrentes de atividades humanas (pelo menos para o propósito do “aquecimento global”), muitos céticos dedicam-se ao estudo da criação de visões apocalípticas do mundo a partir das mudanças climáticas e procuram alertar a sociedade para o papel das mídias na produção de imaginários de destruição e de contextos alarmistas.

Na perspectiva cética, o fato de o IPCC ser visto como um consenso científico e, a partir de suas considerações, políticas serem tomadas sem a obtenção de certezas, indica o favorecimento de interesses de determinados agentes sociais e a garantia da reprodução do modelo de desenvolvimento atual, altamente excludente. Criticam o volume de recursos financeiros destinados a esta causa, sobretudo quando esta se volta cada vez mais para o mercado. Para a maioria dos céticos, o Painel constitui mais um órgão político e burocrático do que científico (GIDDENS, 2010).

Neste trabalho, entende-se que a existência de opiniões divergentes é absolutamente compreensível diante de um contexto de extrema complexidade e incertezas sobre as possíveis causas e impactos das alterações climáticas em escala global. Há uma grande dificuldade em realizar pesquisas multidimensionais que abarquem todos os fatores e relações necessários (políticos, econômicos, socioculturais e ambientais), bem como em considerar múltiplas escalas geográficas.

Também se ressalta a necessidade de avaliar todas as diferentes perspectivas de um modo não pejorativo. Tanto céticos como defensores do aquecimento decorrente de atividades humanas não podem se recusar ao diálogo, como se tem observado atualmente. Ambos podem contribuir de maneira significativa ao avanço do conhecimento da ciência da mudança do clima.

Em concordância com Giddens (2010), são válidas as críticas realizadas pelos céticos no que tange ao sensacionalismo e superficialismo dado ao tema por grande parte da mídia mundial, que associa qualquer fenômeno meteorológico a mudanças na escala global e a

catástrofes iminentes. Também são importantes as análises sobre as limitações da modelagem climática contemporânea para a obtenção de certezas.

Além disso, é impossível ignorar as mudanças climáticas naturais decorrentes de ciclos de curta, média e longa duração, por exemplo, fenômenos astronômicos conhecidos como Ciclos de Milankovitch (excentricidade, obliquidade e precessão dos equinócios). Destacam-se as análises de Ab‟Saber (2003, 2004) sobre o paleoclima do período Quaternário (1,8 milhões de anos até os dias de hoje) e suas implicações para a configuração atual dos domínios morfoclimáticos brasileiros. Longos períodos glaciais e interglaciais sucederam-se nos últimos milhares de anos e, durante eles, houve períodos de resfriamento e de aquecimento, caracterizados por diversos fatores naturais.

Contudo, este trabalho se enquadra no primeiro grupo. Entende-se que o reconhecimento das incertezas é essencial para apontar as limitações da ciência tradicional em avaliar processos de tal ordem de complexidade. Esta limitação, por outro lado, não serve de justificativa para a inação frente a uma questão que, ainda que incerta em muitos de seus aspectos, tem o potencial de provocar transformações profundas na forma como se concebe o mundo. Concorda-se com Le Prestre (2000) ao afirmar que a incumbência da prova constitui uma questão política. O princípio da precaução é visto aqui como primordial ao tratamento do tema, haja vista o contexto de riscos, de insegurança e de vulnerabilidade que o caracteriza. Concorda-se plenamente com Giddens (2010, p.45) na seguinte afirmação:

[...] os céticos não detêm o monopólio do exame crítico rigoroso. O autoexame crítico é obrigação de todo cientista e pesquisador. O fato de os resultados do IPCC quase sempre se expressarem em termos de probabilidades e possibilidades dá o devido reconhecimento às muitas incertezas que existem, bem como às lacunas presentes em nossos conhecimentos. Além disso, os cientistas que contribuem com dados de pesquisa para o IPCC têm em si muitas divergências quanto à progressão do aquecimento global e suas consequências prováveis.

O risco e a insegurança são uma faca de dois gumes. Dizem os céticos que os riscos são exagerados, mas é perfeitamente possível afirmar o inverso. Há quem diga que subestimamos tanto a extensão quanto a iminência dos perigos representados pela mudança climática.

A ciência tradicional, em grande parte cartesiana, mostra-se bastante limitada ao estudo da questão ambiental em geral, ciência esta que criou “... as condições para uma representação social do mundo e da natureza apta para sua colonização industrial e para a explotação e manipulação mercantil” (PEÑA, 2007, p. 34, tradução nossa)17. Não se

corrobora com a promoção do otimismo tecnológico, ou seja, a ideia de que o mundo caminha, ainda que com problemas, a um avanço automático e irreversível rumo ao

17 Do original: “... las condiciones para una representación social del mundo e de la naturaleza apta a su colonización industrial y para la explotación y manipulación mercantil” (PEÑA, 2007, p.34).

progresso, de forma a confundir este conceito com o de desenvolvimento. O debate se esvazia quando se faz a distinção entre o conhecimento “válido” e “inválido”, considerando que o primeiro remete somente à técnica. Tal ciência também sobrevaloriza métodos estatísticos em detrimentos de outros, mesmo que a definição de “margens aceitáveis” para diferentes tipos de risco – para tranquilizar os diferentes grupos sociais – seja questionada pelos fatos (VEYRET, 2007).

De acordo com Habermas (1986), a ação racional, por sua própria estrutura, constitui “exercício de controles” e, por isso, a racionalização da vida segundo critérios de uma certa racionalidade implica a institucionalização de um domínio que se faz irreconhecível do ponto de vista político, mas não se desprende de seu conteúdo ideológico. Segundo o autor, a racionalidade é neutralizada como instrumento da crítica e rebaixada a um mero corretivo no interior do sistema e, no melhor dos casos, diz que a sociedade está “mal programada”. Em outras palavras, ele afirma que a técnica também se converte em instrumento de legitimação das relações produtivas. Desta forma, o verdadeiro motivo da dominação permanece oculto pela invocação de imperativos técnicos, já que a racionalidade da ciência e da técnica já é, em sua própria essência, uma racionalidade do domínio.

Gonçalves (2006) também tece críticas ao tecnocentrismo que caracteriza a sociedade atual, que pauta-se na crença de que sempre há uma solução técnica para tudo, enquanto sabe- se que não constitui somente a solução, como também engendra problemas ambientais. Segundo o autor, ao se criticar uma técnica, chama-se a atenção para as:

[...] intenções nela implicadas e, assim, se introduz uma tensão, uma dubiedade, lá mesmo onde se acreditava haver uma ação simplesmente racional que se acreditava unívoca e, por isso, inquestionável. Entretanto, toda técnica, sendo meio, está a serviço de um fim, seja um arco e flecha, seja uma enxada, seja um míssil (GOLÇALVES, 2006, p.79, grifo do autor).

Sabe-se que a ciência não é a única causadora da crise ambiental atual, que requer reflexão e ação profunda sobre as limitações do atual paradigma. Critica-se também o não desenvolvimento e implementação de políticas, ou alterações segundo interesses específicos, conforme é apresentado ao longo de todo o trabalho. Mas reconhecem-se os limites do conhecimento científico e a necessidade de saber lidar com as incertezas, sobretudo diante da complexidade da ciência da mudança do clima e seu papel fundamental na avaliação dos riscos e na tomada de medidas eficazes que zelem pela segurança humana. Conhecimento e planejamento devem ser objetos de constantes reflexões.

Em relação à crítica cética sobre os interesses relacionados às políticas de mudanças climáticas coloca-se que, independente do tema, qualquer política, em qualquer escala

geográfica / nível de análise, envolve interesses divergentes e assimetrias de poder. Existem diferentes ideologias e expectativas tanto para quem se opõe a este debate, como entre os que promovem a tomada de medidas em relação às mudanças do clima. Há que se analisar as motivações de cada agente social, tanto Estados como empresas, instituições, organizações e sociedade civil.

Enfatiza-se que não se pretende realizar uma análise idealista das mudanças climáticas, mesmo porque este trabalho refere-se ao posicionamento de um determinado agente – o Estado brasileiro – nas negociações multilaterais internacionais sobre o tema. A política internacional das mudanças climáticas é abordada ao longo de todo o trabalho.