• Nenhum resultado encontrado

A autonomia dos portadores de demência e a eutanásia em diagnósticos

4 A EUTANÁSIA E SUA RELAÇÃO COM O DIREITO

4.4 A autonomia dos portadores de demência e a eutanásia em diagnósticos

A doença de Alzheimer é cada vez mais frequente dentre as síndromes demenciais dos últimos tempos, sendo “responsável por cerca de 50% a 70% das causas de demência de forma isolada ou em associação e de etiologia degenerativa”.156 É uma doença progressiva do cérebro que deve seu nome a um psiquiatra e neuropatologista alemão chamado Alois Alzheimer, que a descobriu e a descreveu pela primeira vez em 1906.157 O portador dessa doença apresenta características clinicas e patológicas próprias.

Segundo os estudiosos, diversos fatores influenciam o desenvolvimento dessa patologia, e os seus portadores apresentam alguns sintomas comportamentais e déficits neuropsicológicos, o que pode estar relacionado com o declínio cognitivo observado na Doença de Alzheimer.

Existem vários critérios clínicos que são essenciais para diagnosticar a demência, seja ela de qualquer etiologia, e ainda, quando essa demência é consequência do mal de Alzheimer.

O quadro clínico indicativo de que alguém desenvolveu essa doença manifesta-se na cognição do paciente, a qual é comprometida na memória, na linguagem e nas funções executivas, por exemplo. A memória está comprometida precocemente, na medida em que há déficit de aprendizado de informações, ou seja, o aprendizado de eventos e de pessoas está prejudicado. Outra marca da doença é a dificuldade em resolver problemas do dia-a-dia e de planejar atividades corretamente.

Segundo os médicos, ocorre:

Um déficit em evocar fatos e eventos, principalmente os adquiridos mais recentemente, também está presente, sendo proporcional ao prejuízo de aprendizado episódico, e pode ser percebido na dificuldade dos pacientes em reconhecer locais e a relação das pessoas e objetos com esses locais.

       

156

Doença de Alzheimer. Instituto da Memória. Núcleo de Envelhecimento Cerebral/NUDEC. Disponível em:<http://www.doencadealzheimer.com.br/index.php?modulo=medicos_alz&id_mat=1>. Acesso em: 15 mar. 2014.

157

Isso explica a confusão, precocemente notada nos indivíduos, quando têm de enfrentar mudanças rápidas de cena e locais.158

Os pacientes com essa doença, portanto, nos últimos estágios, perdem praticamente toda a memória de sua vida anterior e não conseguem, a não ser periodicamente e de modo fragmentário, reconhecer outras pessoas, inclusive as do seu maior convívio social.159 Assim, percebe-se que essa patologia causa uma progressiva deterioração em suas capacidades em desenvolver suas atividades diárias, o que repercute na qualidade de vida do paciente e de seus cuidadores.

O tratamento atual de pessoas com doença de Alzheimer atua no intuito de preservar a qualidade de vida delas, melhorando a função e a independência, minimizando as perdas cognitivas e tratando as alterações de humor e comportamento, que são bastante frequentes nesses casos. Por isso, recomenda-se que o tratamento ocorra de forma global, contando o paciente com vários profissionais de diferentes áreas, além de tratamento com fármacos.160 No entanto, segundo Dworkin, “embora os pesquisadores acreditem que se possa desenvolver um tratamento capaz de retardar essa degeneração, tal esperança ainda não se concretizou e aparentemente são poucas as perspectivas de uma dramática reversão de degeneração cerebral muito avançada”.161

Nessa perspectiva, a doença de Alzheimer é cada vez mais preocupante, tendo em vista que o envelhecimento da população mundial vem aumentando nos últimos anos, em consequência do também recrudescimento da expectativa de vida das pessoas. Em contrapartida, à medida que a população envelhece, aumentam as possibilidades de estes indivíduos desenvolverem doenças crônicas, mormente as síndromes demenciais, especialmente o mal de Alzheimer. Isso ocorre pelo fato de as doenças degenerativas cerebrais serem mais comuns nas pessoas com sessenta anos ou mais.

A doença de Alzheimer, portanto, é a principal causa das síndromes demenciais, acometendo pessoas na terceira idade e progredindo de forma exponencial diretamente proporcional ao aumento da idade. Com isso, os portadores

       

158

Disponível em:

<http://www.doencadealzheimer.com.br/index.php?modulo=medicos_alz&id_mat=1>. Acesso em: 15 mar. 2014.

159

DWORKIN, 2009, p. 309.

160

Disponível em:

<http://www.doencadealzheimer.com.br/index.php?modulo=medicos_alz&id_mat=1>. Acesso em: 15 mar. 2014.

161

dessa patologia passam a depender de outras pessoas de forma progressiva, chegando a níveis de dependência total, inclusive para se alimentar e para executar ações básicas, sem falar de todas as implicações sociais e familiares, econômicas e financeiras, além das implicações médicas e psicológicas.

Por tudo isso e ainda pelo fato de ser cada vez mais comum é que essa doença realmente exige muitos cuidados e preocupa os estudiosos. Uma das maiores curiosidades relacionada ao Alzheimer é que ela atinge não só o paciente, mas envolve toda a família do portador, atingindo as mais diversas relações familiares.

Nesse aspecto, Dworkin elenca três pontos a serem levados em consideração quando se trata de pessoas acometidas por um estado de demência, mas que, antes, passaram por situações experienciais e que eram competentes para tomar decisões. São eles: autonomia, beneficência e dignidade.162

Sá, tratando de doenças demenciais e sua relação com o direito à autonomia preleciona:

Levando-se em conta que o estudo feito concentra-se, principalmente, em doenças degenerativas, como o mal de Alzheimer, que, normalmente, manifesta-se na velhice, e que, por isso mesmo, torna dementes pessoas que, um dia, detiveram direitos e indiscutível autonomia, é de se considerar que, embora esteja sendo enfatizado o estado patológico de demência característico, mormente, nos últimos estágios da doença, deve ser observada a vida do indivíduo como um todo, mesmo porque, a pessoa acometida de tal distúrbio poderia, em estágio ainda inicial de comprometimento mental, dispor, de forma autônoma, sobre a terapêutica a lhe ser ministrada, ou sobre a não ministração de qualquer forma de terapia com vistas à abreviação da vida e, com ela, do sofrimento.

Em face de uma manifestação de vontade dessa natureza, em semelhante situação, qual seria seu valor com o advento da demência permanente? Isso, com certeza, depende da atribuição ou não de autonomia e de direitos ao demente [...]163

Em relação à autonomia, facilmente defende-se que sejam respeitadas as decisões autônomas de pessoas que possuem capacidade para administrar seus interesses enquanto indivíduos. O questionamento que se faz é o seguinte: até que ponto uma pessoa mentalmente comprometida poderia tomar decisões por si mesma, não consideradas, por outras pessoas boas decisões ou que não atendam aos melhores interesses do doente?164

        162 DWORKIN, 2009, p. 315-340. 163 SÁ, 2005, p. 88-89. 164 Ibid., p. 89-90.

Nessa linha, o entendimento popular sustenta que não se deve interferir na soberania das pessoas em tomar decisões. No entanto, tratando-se de pessoas com demência, acredita-se que seja necessário promover a sua existência saudável, sendo necessário mitigar as consequências do apelo apresentado pela noção de bem-estar e, caso isto seja necessário, deve-se intervir nas decisões daquele que se encontra desprovido de condições para conduzir sua vida, uma vez que decisões por ele tomadas, ainda que firmemente expressadas, acabam por se contradizer denunciando a ausência de senso em si mesmo. Assim, em vez da autonomia, toma lugar a atuação externa de quem realmente tem capacidade para discernir quais são os melhores interesses do indivíduo demente, o que se chama beneficência.165

Já a beneficência, segundo Dworkin, citado por Sá, sustenta que, “quando uma pessoa está sob os cuidados de outra, a ela é garantido o direito de que esta tome decisões com vistas a atender aos seus interesses mais importantes”.166 No entanto, complementa a referida autora, o encargo de cuidado dispensado ao indivíduo demente e seus interesses é algo delicado e pode chegar a situações extremas.

Dessa forma, o direito à dignidade deve ser garantido aos indivíduos mentalmente debilitados. Dworkin defende que o direito à dignidade de pessoas em estado demencial não advém do fato de esse indivíduo compreender o que seja um tratamento digno, mas sim do fato de ele continuar sendo uma pessoa e de o valor geral de sua vida continuar tendo importância intrínseca.167 Assim, segundo o autor, o direito de uma pessoa a ser tratada com dignidade é o direito a que os outros se conscientizem de seus interesses críticos.168

Por tudo isso e diante do fato de que a população passou a envelhecer mais, o que aumentam as possibilidades de as pessoas desenvolverem doenças demenciais, é cada vez mais importante abrir um espaço para a discussão em torno da autonomia dos indivíduos dementes, mormente em relação à prática da eutanásia nesses casos. Isso porque a função de cuidar desse indivíduo demente e de tomar conta de seus interesses representa um fardo bastante pesado, além de tratar-se de tema delicado, o qual também merece um estudo mais detalhado.

        165 DWORKIN, 2009, p. 315-326. 166 SÁ, 2005, p. 90. 167

DWORKIN, op. cit., p. 339-340.

168

Assim, é necessário discutir-se mais acerca da questão que envolve a autonomia do portador do mal de Alzheimer e, consequentemente, a autorização da prática da eutanásia em casos avançados dessa doença, uma vez que se trata de tema curioso e polêmico.