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4 A EUTANÁSIA E SUA RELAÇÃO COM O DIREITO

4.3 A eutanásia na legislação estrangeira

A eutanásia é assunto cada vez mais recorrente em todo o mundo, mormente no que diz respeito à questão jurídica que envolve essa temática. Em relação aos países precursores, tem-se que a Holanda é sempre referência quando se trata desse assunto, uma vez que muitos acreditam que ele representa um

        145 GUIMARÃES, 2009, p. 105. 146 BONFIM, 2009, p. 312. 147

progresso legislativo no tocante à eutanásia. Foi ele o pioneiro a legalizá-la, influenciando muitas outras nações a discutir sobre esse tema.

Segundo Guimarães, a Holanda foi o primeiro país do mundo a liberar o procedimento, apesar de o Uruguai ter sido a primeira nação especificamente a legislar sobre a eutanásia propriamente dita de modo a possibilitar a impunidade do agente, a despeito de declará-la ilícita, e os Territórios do Norte na Austrália serem historicamente considerados os precursores na aprovação da norma legal que explicitamente legaliza a eutanásia ativa e o auxílio ao suicídio. Tal procedimento é dirigido às pessoas com doenças incuráveis, em estado terminal, que são autorizadas por lei a pedir para cessar a vida, auxiliadas por médicos, devendo os atos médicos submeter-se às condições estabelecidas na lei holandesa de 10 de abril de 2001, a qual passou a vigorar a partir de abril de 2002. Vale ressaltar que para que seja permitida tal conduta, a doença deve ser incurável e deve ainda trazer sofrimentos insuportáveis ao paciente, além de ser necessário que o pedido do interessado seja voluntário e refletido.148

Na Alemanha, em pleno fervor nazista, em meados de 1939, foi implantado um programa de eliminação de recém-nascidos e crianças de até três anos, que tivessem uma “vida que não merecia ser vivida.” Segundo Goldim, os médicos e as parteiras tinham a obrigação de informar a autoridade sanitária da existência de casos de retardo mental, de deformidades físicas e de outras condições limitantes. Uma junta médica de três profissionais examinava cada caso e a eliminação somente era realizada quando a decisão fosse unânime. Logo em seguida, esse programa se estendeu para adultos e velhos. Os pacientes que deveriam ser notificados eram portadores de esquizofrenia, epilepsia e outras desordens senis, além de paralisias que não respondiam a tratamento, sífilis, retardos mentais e outras patologias neurológicas.149

No entanto, essa lei sofreu desvirtuação, na medida em que se passou a praticar a política da eugenia, vigente no regime nazista, a fim de se realizar a “limpeza racial”. Esse desvirtuamento, por ter ocorrido num passado não muito distante, é um dos óbices à legalização da eutanásia apresentado pelos contrários a essa prática. Isso porque essas pessoas temem que a denominação “eutanásia”

       

148

GUIMARÃES, 2009, p. 309-310.

149

GOLDIM, José Roberto. Eutanásia: Alemanha Nazista, 1939-1941. 1998. Disponível em: <http://www.bioetica.ufrgs.br/eutnazi.htm>. Acesso em: 03 mai. 2014.

seja utilizada como um eufemismo com o intuito de permitir a prática do homicídio em diversas situações e por motivos distintos dos que realmente deveriam justificar a compaixão, a piedade ou a misericórdia. Depois disso, a eutanásia passou a ser considerada como um homicídio privilegiado, regulamentada no artigo 216 do Código Penal alemão.150

Em 2010, a justiça Alemã autorizou a chamada eutanásia passiva. Segundo decisão da Corte Federal de Justiça, a Suprema Corte do país, não é crime interromper procedimentos médicos que mantêm vivos doentes terminais, desde que haja autorização dos pacientes. Inclusive, a referida corte inocentou um advogado que havia orientado uma cliente a cortar o tubo de alimentação da mãe, uma idosa em coma. Quando consciente, a paciente havia manifestado o desejo de não ser mantida viva artificialmente. Em decorrência do episódio, o advogado havia sido condenado à pena de nove meses de prisão, cumprida em liberdade condicional. Ele recorreu da decisão e agora teve a sentença derrubada.151

Sobre esse assunto, Carvalho e Sena Horta prelecionam:

Na Alemanha, a prática da eutanásia passiva é permitida, em razão do princípio, também aplicável aos demais casos, de que impera a vontade do paciente, não havendo um direito de titularidade do médico de lhe impor um tratamento ou cirurgia não desejado. Segundo Claus Roxin, essa “solução é deduzida, corretamente, da autonomia da personalidade do paciente, que pode decidir a respeito do alcance e da duração de seu tratamento”. O Tribunal alemão abre, porém, uma exceção, relativa aos pacientes suicidas, os quais, se chegarem vivos ao hospital, após frustrado o derradeiro ato, devem se submeter aos tratamentos indicados, mesmo que tenham expressamente se manifestado anteriormente por escrito em sentido contrário. Tal entendimento, contudo, é bastante criticado pela doutrina.152 Já nos Estados Unidos, embora prevaleça a ampla autonomia dos estados membros, não há lei federal que autorize a prática da eutanásia. Inclusive a Suprema Corte definiu que tal matéria (eutanásia) seria de competência privativa da União. Entretanto, restou subentendido que não existiram óbices constitucionais que proibissem os Estados de aprovarem lei que permitisse a assistência de um médico ao suicida.153

       

150

PIMENTEL, 2012, p. 77.

151

Justiça da Alemanha autoriza eutanásia passiva. Disponível em: <http://ambito- juridico.jusbrasil.com.br/noticias/2255941/justica-da-alemanha-autoriza-eutanasia-passiva>. Acesso em: 03 mai. 2014.

152

DE CARVALHO, Felipe Quintella Machado; DE SENA HORTA, André Frederico. Breves

reflexões sobre a eutanásia. Disponível em: http://www.ambito- juridico.com.br/site/?artigo_id=10397&n_link=revista_artigos_leitura. Acesso em: 06 mai 2014.

153

Nesse sentido, Dworkin reconhece um avanço em relação ao fato de o ser humano optar por ser ou não tratado com o auxílio da tecnologia médica. Ele afirma que todos os estados norte-americanos reconhecem os chamados “testamentos de vida”, que é um documento no qual se estipula um procedimento médico específico para que o paciente não seja mantido vivo em algumas circunstâncias específicas. Além disso, reconhecem-se ainda as chamadas “procurações para a tomada de decisões médicas”, documentos nos quais se outorga a outrem o direito de decidir sobre a vida e a morte do signatário, quando este estiver impossibilitado de exprimir sua vontade. Apesar disso, esse autor ressalta que há ainda alguns pontos a serem debatidos, na tentativa de se decidir sobre a cessação ou não da vida de um enfermo terminal.154

Com isso, percebe-se que na legislação americana há uma aceitação, de modo geral, do direito que o paciente tem de recusar tratamentos, especialmente os caracterizados pelo suporte à vida. No entanto, não existe essa mesma aceitação no que concerne à eutanásia e ao suicídio assistido.

Apesar disso, Vermont tornou-se o terceiro estado a legalizar a morte assistida em doentes terminais. Ele foi o primeiro estado americano a adotar a eutanásia por processo legislativo em vez de referendo. A partir disso, pacientes em estágio terminal, com expectativa de menos de seis meses de vida, poderão pedir a seus médicos que prescrevam uma dose letal de remédios para apressar sua morte. Essa lei contém algumas ressalvas, dentre as quais consta a exigência de pelo menos duas opiniões médicas distintas, a opção de uma avaliação psiquiátrica e um período de espera de 17 dias, antes que a prescrição dos medicamentos seja feita. Ademais, uma pesquisa do Pew Research Center revelou que 84% dos americanos apoiam que um paciente adulto em estágio terminal possa decidir se quer continuar vivo.155

A partir disso, infere-se que a eutanásia, apesar de ainda não se revelar, na maior parte, um tipo penal autônomo, sendo a ela associada a noção de diminuição da pena, essa prática, cada vez mais, adquire espaço para discussões e debates mundo afora, obtendo, aos poucos, regulamentação específica em várias

       

154

PIMENTEL, 2012, p. 92.

155

EUA: Vermont torna-se o terceiro Estado a legalizar a eutanásia. Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/mundo/estados-unidos/eua-vermont-torna-se-o-terceiro-estado-a-

legalizar-a-eutanasia,e4ec2278212ce310VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html>. Acesso em: 06 mai. 2014.

legislações estrangeiras. Vale ressaltar que, embora ainda incipiente, já existe a possibilidade de perdão judicial ou ainda a descriminalização da conduta eutanásica, nos casos de eutanásia própria, em sentido estrito.

4.4 A autonomia dos portadores de demência e a eutanásia em diagnósticos de