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3.2 GÊNERO E HISTÓRIAS EM QUADRINHOS NOS DOCUMENTOS OFICIAIS

3.2.1. A Base Nacional Comum Curricular e os novos paradigmas

No subitem anterior, observamos como o conceito de gênero é retextualizado nos PCN tanto do terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental – PCN-EF (BRASIL, 1998a, 1998b) – como nos de ensino médio – PCN-EM e PCN+ (BRASIL, 2000; 2002) e Ocem (BRASIL, 2006) –, a fim de verificar qual(is) o(s) conceito(s) seguido(s) e de que maneira o emprego do termo se reflete na menção, sugestão ou omissão das HQ nesses documentos.

O presente subitem tem como apoio a segunda versão preliminar da BNCC (BRASIL, 2016) divulgada em maio de 2016116 e objetiva verificar como é conceituado

o termo gênero e se há menção às HQ, tendo em vista as mudanças no panorama atual de ensino. A BNCC (BRASIL, 2016, p. 46-47) que, diferente dos documentos oficiais anteriores, abrange todas as etapas da Educação Básica (educação infantil, ensino fundamental – anos iniciais e anos finais –, ensino médio e educação de jovens e adultos) tem seus objetivos pautados por eixos de formação que articulam o currículo, a saber:

- no ensino fundamental: letramentos e capacidade de aprender; leitura do mundo natural e social; ética e pensamento crítico; solidariedade e sociabilidade

- no ensino médio: letramentos e capacidade de aprender; solidariedade e sociabilidade; pensamento crítico e projeto de vida; intervenção no mundo natural e social

Com relação à língua portuguesa, enfatiza-se a importância do entendimento dos usos do idioma materno em situações de leitura, escrita e oralidade, atrelados aos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento concernentes ao conhecimento de normas linguísticas. Além disso, objetiva-se o desenvolvimento dos letramentos, porém não se considera somente a expressão por meio da escrita e, sim, a multimodalidade de linguagens (o verbal, o visual, o gestual, o sonoro, o tátil). Por isso, destaca-se a centralidade no estudo do texto (equivalente a enunciado):

Conceitos como discurso e gêneros textuais/discursivos, por exemplo, que fundamentam a organização deste documento, vêm sendo discutidos e aprofundados, pelos estudos linguísticos e também pela apropriação desses estudos no campo educacional, ao longo das últimas décadas. Em continuidade ao que foi proposto pelos PCNs, o texto ganha centralidade na organização dos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento do componente Língua Portuguesa (BRASIL, 2016, p. 89).

Nesse fragmento, observamos o reconhecimento da apropriação dos conceitos da esfera acadêmica pela retextualização (SILVA, 2003), o que já ocorria nos PCN

(BRASIL, 1998a, 1998b, 2000, 2002) e nas Ocem (BRASIL, 2006). Os conceitos de gênero textual ou discursivo, assim como discurso, “vêm sendo discutidos e aprofundados” (BRASIL, 2016, p. 89) no âmbito educacional, por isso, fundamentam a organização do documento (mesmo sendo, conforme apontamos, de maneira superficial e/ou equivocada). A escolha dos gêneros textual/discursivo no documento ocorre de acordo com o campo de atuação social ao qual se vincula e que pode ser do cotidiano, literário, político-cidadão ou investigativo. Dessa forma, o documento visa a contextualizar o conhecimento escolar, ligando-o a situações da vida social com vistas a uma formação “para a atuação em atividades do dia-a-dia, no espaço familiar, escolar, cultural”, para a produção do conhecimento por meio da pesquisa e para o “exercício da cidadania” (BRASIL, 2016, p. 90). Cada campo de atuação engloba textos de diferentes esferas de atividade como, por exemplo, o campo político-cidadão que abrange “textos das esferas jornalística, publicitária, política, jurídica e reivindicatória, contemplando temas que impactam a cidadania e o exercício de direitos” (BRASIL, 2016, p. 91).

Quanto ao ensino de LE, a BNCC (BRASIL, 2016, p. 120) afirma retomar e atualizar as propostas dos documentos oficiais anteriores, “em uma perspectiva de educação linguística, interculturalidade, letramentos e práticas sociais”, o que implica não somente

compreender um conjunto apenas de conceitos teóricos e categorias linguísticas, para aplicação posterior, mas, sim, de aprender, no uso e para o uso, práticas linguístico-discursivas e culturais que se adicionem a outras que o/a estudante já possua em seu repertório, em língua portuguesa, línguas indígenas, línguas de herança, línguas de sinais e outras.

Para tanto, em conformidade ao tratamento dado à língua materna, o ensino de LE se pauta em textos, entendidos como manifestações culturais e

unidades complexas, plurissemióticas, não se restringindo, portanto, exclusivamente à modalidade escrita ou oral. Ao interagirem por meio de textos, em linguagens variadas, os sujeitos, ao mesmo tempo em que constroem sentidos, significam a si próprios e ao mundo que os rodeia, construindo subjetividades e relações com o outro (BRASIL, 2016, p. 120).

Em consonância à perspectiva bakhtiniana, que considera o uso da língua e a interação entre os sujeitos, a LE se organiza no documento partindo de práticas sociais (da vida cotidiana, artístico-literárias, político-cidadãs, investigativas, mediadas pelas tecnologias digitais, do mundo do trabalho) que norteiam o uso da linguagem mediante os gêneros do discurso117, entendidos como

formas cultural e historicamente construídas, relativamente estáveis e reconhecidas pelos participantes como meios pelos quais podem (inter)agir em determinadas esferas da atividade humana. A perspectiva é a da produção (e não somente do produto), segundo a qual o discurso só se concretiza na interação, levando-se em conta as condições socioculturais dos participantes e seus propósitos na situação de comunicação (BRASIL, 2016, p. 125).

Contudo, é importante salientar que Bakhtin (2003, p. 280) afirma que “a utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana”, portanto, os gêneros do discurso não são somente “formas” e sim, (formas ou tipos de) enunciados, o que evidencia problemas na retextualização, como apontado por Silva (2003) e discutido no subitem anterior.

Para atuar nas diversas práticas sociais em LE e desenvolver atitudes interculturais na interação, o aluno, de acordo com o documento, deve reunir conhecimentos de mundo (acerca de fenômenos, seres, objetos, acontecimentos etc.), das condições de produção (relativas aos participantes da atividade comunicativa e seus objetivos e ao contexto sociocultural e histórico), de organização e construção do discurso e conhecimentos dos sistemas linguísticos utilizados (recursos fonológicos, morfológicos, sintáticos, lexicais e seus efeitos de sentido que também são culturais).

Nessa última versão preliminar, já não são mais sugeridas as HQ118, dada a

simplificação do texto que a nosso ver pretende ser mais objetivo e amplo, visto que

117 Nota-se que apesar do documento demonstrar uma preocupação com o emparelhamento do ensino

das línguas materna e estrangeira, há distintas nomenclaturas para o termo gênero, que em alguns momentos aparece como “textual/discursivo” (BRASIL, 2016, p.89), em outros como “do discurso” (BRASIL, 2016, p.125).

118 Na versão de setembro de 2015, as HQ eram sugeridas (tirinhas ou quadrinhos) como gêneros a

serem utilizados para alcançar determinados objetivos nos anos iniciais e finais do ensino fundamental pautados em distintas práticas sociais. Nos objetivos do ensino médio não havia tais propostas, o que nos faz supor que ainda prevalece a ideia de que HQ são voltadas para crianças, visão que precisa ser superada.

a proposta abarca o ensino fundamental e o médio conjuntamente e não mais como na primeira versão em que os objetivos eram divididos por etapa de ensino e ano119.

Mesmo sendo ainda um documento em fase de desenvolvimento, a BNCC (BRASIL, 2016) se mostra importante, primeiro, por sua construção, que conta com a intervenção de diversos atores sobre os quais as consequências do documento vão incidir; segundo, por constituir-se em torno das práticas sociais e o fomento ao estudo dos gêneros discursivos, que oportunizam um ensino e aprendizagem estimulante para os sujeitos envolvidos (professores e alunos), apesar de ainda incorrer em problemas de retextualização de alguns termos; e, em terceiro lugar, pelo incentivo ao ensino intercultural que instiga a reflexão crítica, o respeito e a derrubada de estereótipos e preconceitos quanto à(s) cultura(s) alheias.

3.3 LIVROS DIDÁTICOS DE ESPANHOL, QUADRINHOS E