• Nenhum resultado encontrado

3.3 LIVROS DIDÁTICOS DE ESPANHOL, QUADRINHOS E

3.3.1 Por que é importante falar sobre o livro didático?

3.3.1.1 O livro didático como suporte

Delimitar a concepção de LD tem sido um grande desafio para os pesquisadores, pois, de acordo com Choppin (2004), na maioria das línguas os termos usados para defini-lo são inúmeros120, o que implica características específicas que

nem sempre estão relacionadas a cada uma dessas definições. Sendo assim, restringimos nosso estudo a dois conceitos: LD como gênero do discurso e como suporte. Para abordar este último, defendido por Marcuschi (2003), é necessário

120 Em espanhol, por exemplo, encontramos expressões que se relacionam e em alguns casos se

confundem como manual escolar, libro escolar, libro de texto. Ossenbach (2010) aponta que entre essas denominações e suas definições ainda há certa ambiguidade, apesar do relativo consenso entre os pesquisadores sobre o que se entende por cada termo.

primeiramente, contrapô-lo à concepção de gêneros textuais, que são entendidos pelo autor como

os textos que encontramos em nossa vida diária com padrões sócio- comunicativos característicos definidos por sua composição, objetivos enunciativos e estilo concretamente realizados por forças históricas, sociais, institucionais e tecnológicas (MARCUSCHI, 2003, p. 16-17).

Assim, são formas escritas e orais relativamente estáveis (BAKHTIN, 2003) e compõem uma listagem aberta de “entidades empíricas em situações comunicativas” (MARCUSCHI, 2003, p.17). Do ponto de vista de Marcuschi (2003, p. 11), o suporte se refere a “um locus físico ou virtual com formato específico que serve de base ou ambiente de fixação do gênero materializado como texto”. Importa, dessa maneira, compreendê-lo como superfície física na qual estão fixados os gêneros, cuja “materialidade é incontornável e não pode ser prescindida” (MARCUSCHI, 2003, p. 12). O mesmo autor ainda pondera que em alguns casos é difícil a distinção entre o gênero e o suporte pela falta de limites naturais e ele nos oferece como exemplos os dicionários e as enciclopédias, os quais reconhece como gênero, e o outdoor, que julga ser um suporte121 no qual podem apresentar-se, por exemplo, o anúncio

publicitário, o convite ou as declarações (MARCUSCHI, 2003, p. 13).

Outro ponto importante abordado por Marcuschi (2003) é o que ele denomina reversibilidade de funções, decorrente, por exemplo, da inclusão de um anúncio publicitário ou uma carta pessoal no LD. Neste caso, eles já não servem mais aos propósitos originais quanto à sua circulação, pois passam a ter uma função didática, ou seja, esses gêneros podem servir tanto como modelo para que o aluno possa desenvolver textos com os mesmos objetivos de sua produção como para qualquer outro tipo de atividade que com eles se possa propor no processo de ensino e aprendizagem (ampliação de vocabulário, exploração de algum tema específico, discussão sobre formas de tratamento etc.) Portanto, na opinião do autor, quando fixado em suportes distintos o mesmo gênero desempenha finalidades dissemelhantes, o que, segundo Maingueneau122 (2011), pode provocar no gênero

121 Dada a estreita relação que pode ocorrer entre gênero e suporte, Marcuschi (2003) admite já haver

identificado em outros trabalhos o outdoor como gênero.

122 Maingueneau (2011) vai além e enfatiza a importância do midium, o conjunto do circuito que

uma transformação radical. Tal alteração de locus, como aponta Possenti123 (2002, p.

63), “passa longe da decifração de um texto”, isto é, não quer dizer que a leitura em cada um deles proporcione novos significados e sim que acarreta uma leitura de outro modo, na qual o leitor estabelece uma relação diferente com o texto. Esse vínculo se expressa, entre outras formas, pelas anotações que o leitor faz do texto, que em um livro podem ser escritas à margem e em um arquivo em formato eletrônico podem ser digitadas em forma de comentários ou notas de rodapé.

Isto posto, para Marcuschi (2003, p. 24), o LD

é um suporte que contém muitos gêneros, que mesmo depois de reunidos no livro continuam com suas especificidades, pois a incorporação dos gêneros textuais pelo LD não muda esses gêneros em suas identidades, embora lhes dê outra funcionalidade [...].

Nesse sentido, o pesquisador defende que a incorporação de cartas, poemas e anúncios em um romance é diferente da sua inclusão em um LD, já que os gêneros neste suporte não sofrem interferência em suas identidades e, por conseguinte, não ocorre a transmutação do gênero (BAKHTIN, 2003), ou seja, não se atinge a sua estrutura, mas a “sua funcionalidade imediata no que tange ao interesse e não à função” (MARCUSCHI, 2003, p.14).

Concordamos com Marcuschi (2003) quanto à ideia do suporte como locus físico ou virtual no qual se materializa um gênero do discurso ou um conjunto deles, que, ao ser deslocado para outro suporte, pode ter sua funcionalidade alterada. Entretanto, ressaltamos que tal ponto de vista é limitado, pois não se deve considerar o LD apenas como espaço em que está alocado um conjunto de gêneros e nem se esquecer da articulação estabelecida entre os textos introduzidos no LD, provenientes de distintas esferas de atividade, e os didáticos, produzidos pelo próprio autor. Dessa maneira, estamos de acordo com Bunzen Júnior (2005, p. 35) quando afirma que

a noção de suporte não nos pareceu a mais adequada, pois a ênfase, a nosso ver, é muito mais no objeto portador de texto e não na construção da rede intertextual, no dialogismo, nos alinhamentos que vão compor de forma múltipla esse gênero do discurso (grifo do autor).

porque se refere ao modo de transporte e da recepção do enunciado que, para ele, modela o gênero do discurso.

Assim, Bunzen Júnior (2005) vai além da questão da materialidade do LD e se aprofunda em uma análise que pretende afirmá-lo como gênero discursivo. A nosso ver, o conceito de Marcuschi (2003) restringe as formas de análise que tencionamos neste trabalho e, por isso, nossa opinião coincide com a de Bunzen Júnior (2005), cuja proposta abordamos a seguir.