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Neste Capítulo, reunimos as principais concepções de cultura, bem como a proposta conceitual de Thompson (1995), como recordamos a seguir.

A concepção clássica se relacionou com a palavra civilização de duas formas: para ingleses e franceses eram termos equivalentes e ser civilizado era sinônimo de progresso, reflexo da unificação política que despontava as duas nações à frente de outras; para alemães, as palavras civilização e cultura (Kultur) representaram a oposição entre duas classes sociais: a corte, que se considerava civilizada por imitar os costumes franceses (inclusive utilizando sua língua), e a Intelligentsia, burguesia intelectual excluída da corte e que buscou cultivar os valores artísticos. A concepção descritiva baseou-se na pesquisa etnográfica de sociedades indígenas com o objetivo de detalhar costumes e tradições desses povos. A concepção simbólica, que teve como principal expoente o antropólogo Geertz (2008), objetivou evidenciar o padrão de significado das distintas ações, manifestações verbais e objetos por meio dos quais os indivíduos expressam crenças e formas de pensar. Finalmente, a concepção estrutural de Thompson (1995) parte dos estudos de Geertz (2008), porém considerando o contexto e os processos sócio-históricos específicos. Compreendemos que o conceito formulado pelo sociólogo é o mais condizente com este trabalho, visto que não se pauta em uma visão restrita de cultura, ou seja, tem como base o estudo analítico e crítico dos FC, que podem convergir ou divergir

dependendo do país, comunidade e/ou grupos sociais. Essas diferenças e semelhanças podem fomentar discussões frutíferas acerca da cultura em aulas de LE. Posteriormente, trilhamos o caminho que nos conduziu pelas principais abordagens e métodos de ensino e aprendizagem de LE para estabelecer relações com nosso primeiro percurso, pautado nos postulados de Thompson (1995). Com isso observamos como se estabeleceu a relação entre língua e cultura e que, como constatamos, mostrou-se dissociada na maioria das vezes. A seguir, resumimos no Quadro 2 as principais abordagens e métodos, bem como a concepção de cultura subjacente a cada um deles.

Abordagem Método Concepção de Cultura

Abordagem Estrutural

Método Gramática e

Tradução Concepção clássica Método Direto Concepção descritiva Método Audiolingual Concepção descritiva Abordagem Comunicativa Concepção simbólica Quadro 2 – Síntese da concepção de cultura (THOMPSON, 1995) no ensino e

aprendizagem de LE

Fonte: elaborado pela pesquisadora

A interculturalidade em alguns estudos está vinculada ao ensino comunicativo seja como parte da abordagem, como a ACIN sugerida por Santos (2004), seja como uma (sub)competência da competência comunicativa (BYRAM, GRIBKOVA, STARKEY, 2002). Consideramos que tender para uma dessas visões seria imprudente, em razão das diversas formas como a interculturalidade vem sendo abordada no ensino e aprendizagem de LE, pois os diversos estudos acerca desse tema são complexos e não há consenso acerca de suas dimensões e limites. Dessa forma, optamos por considerá-la como uma perspectiva ou ponto de vista, uma vez que estamos de acordo com Walesko (2006, p. 33) ao afirmar que “a prática de reflexão intercultural pode ser desenvolvida em qualquer metodologia de ensino de línguas, não somente no ensino comunicativo, visto que é possível se promoverem reflexões culturais a partir de qualquer prática pedagógica de ensino”.

Por fim, verificamos como são abordados e enfocados os conteúdos culturais nos documentos brasileiros voltados para a LE, a saber, PCN-EF (BRASIL, 1998a), PCN-EM (BRASIL, 2000), PCN+ (BRASIL, 2002) e Ocem (BRASIL, 2006). Neles se

objetiva, de maneira geral, o estímulo a uma visão intercultural do ensino e aprendizagem de LE, já que se fomenta o olhar por parte do aluno sobre a própria cultura pelo contato com a língua e cultura estrangeiras. No entanto, a concepção de cultura defendida é a simbólica, pois está fundamentada em padrões de significados que expressam crenças, valores e concepções, sem que se aprofunde na reflexão crítica, diferente do que se verifica no texto preliminar da BNCC (BRASIL, 2016), mais próximo do conceito estrutural de Thompson (1995).

Finalizamos este Capítulo voltando aos quatro questionamentos feitos no início de nossos estudos, a saber: quais os pressupostos que definem nossa concepção de cultura? Ela está restrita a determinados grupos sociais? Quais os parâmetros (se há) para definir o nível cultural dos indivíduos? Há diferenças entre as culturas de modo a hierarquizá-las?

Consideramos que todos eles surgem devido a situações provocadas por um conceito de cultura etnocêntrico, excludente e que privilegia somente algumas formas artísticas e/ou grupos sociais, isto é, se aproxima da concepção clássica, a qual, conforme sinalizado previamente por Thompson (1995), ainda se mantém presente nos dias de hoje. Em razão disso, esperamos que, por meio deste estudo, professores, autores de materiais didáticos e alunos, além de outros atores envolvidos no processo de ensino e aprendizagem de LE, possam refletir e debater com seus pares com criticidade acerca do assunto.

Assim, concluímos nossos estudos preliminares acerca do conceito de cultura pautados em Thompson (1995), com base nos quais discutimos como os diferentes significados desse termo incidem no ensino e aprendizagem de LE por meio das principais abordagens e métodos. No Capítulo dois nos aprofundamos em estudos que tratam da terminologia que se relaciona com o nosso objeto de estudo, a tira cômica, a fim de esclarecer equívocos que podem prejudicar a leitura desse e de outros gêneros a ele relacionados. O aporte teórico desenvolvido nos dois primeiros Capítulos serve de fundamentação para as análises a que nos propusemos mais adiante.

2ASHISTÓRIASEMQUADRINHOS:DELIMITAÇÃODEDEFINIÇÕES

Bellville Sensible (201671)

No Capítulo precedente, delimitamos o conceito de cultura no qual embasamos nossa pesquisa e também tratamos de evidenciar como essa concepção se fez presente nas distintas abordagens e métodos que nortearam e norteiam o ensino e aprendizagem de LE. Em seguida, foram abordados os conteúdos culturais, por nós destacados nos documentos oficiais brasileiros para o ensino fundamental – PCN-EF (BRASIL, 1998a) – e ensino médio – PCN-EM (BRASIL, 2000), PCN+ (BRASIL, 2002) e as Ocem (BRASIL, 2006) –, além da BNCC (BRASIL, 2016), nos quais observamos o conceito de cultura subjacente.

Neste, objetivamos esclarecer a terminologia relacionada com o nosso objeto de estudo. Primeiro, com base em Bakhtin (2003) e Fiorin (2006), nos centramos na definição de gênero a fim de esclarecermos o seu sentido e abrangência, visto que, muitas vezes, é utilizado de forma equivocada. Em seguida, voltamos nossa atenção ao termo hipergênero, fundamentado em Maingueneau (2010, 2015), com o intuito de ressaltar a diferença entre HQ e os diversos gêneros por ela abarcados, cuja relação se estabelece pelos elementos sobre os quais tratamos posteriormente e que compõem o que conhecemos por linguagem dos quadrinhos. Assim, ao especificar os significados que mais nos interessam neste estudo, objetivamos minimizar as confusões geradas pelos usos indevidos e contribuir para que sejam aplicados de forma adequada nos materiais didáticos e nas aulas de LE.

71 Disponível em: <http://bellville-sensible.blogspot.com.br/2010/07/colgo-las-botas.html#>. Acesso em: