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Interculturalidade no ensino de língua estrangeira: a competência e

1.2 A CULTURA NO ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA

1.2.4 Interculturalidade no ensino de língua estrangeira: a competência e

Além das (sub)competências abordadas anteriormente, consideramos importante discorrer acerca da interculturalidade por duas razões. A primeira, por se tratar de um tema que vem recebendo grande atenção visto que, de acordo com Fleuri (2003), desde a inclusão da temática pluralidade cultural nos Parâmetros Curriculares Nacionais: apresentação de temas transversais (BRASIL, 1997), o reconhecimento da multiculturalidade e a perspectiva intercultural se tornaram muito relevantes. A segunda porque, por este trabalho analisar o aspecto cultural no ensino e aprendizagem de LE, não poderia deixar de tratar acerca dessa forma de vislumbrar a relação entre culturas. Conforme Fleuri (2002, p. 407), a perspectiva intercultural da educação

reconhece o caráter multidimensional e complexo da interação entre sujeitos de identidades culturais diferentes e busca desenvolver concepções e estratégias educativas que favoreçam o enfrentamento dos conflitos, na direção da superação das estruturas sócio-culturais geradoras de discriminação, de exclusão ou de sujeição entre grupos sociais.

Esse conceito, que rejeita a exclusão pela diferença, aplicado ao ensino de línguas se expressou principalmente por meio do conceito de competência intercultural. Enquanto a (sub)competência sociolinguística/sociocultural se constituía como padrões ou regras do meio social da língua meta que o aluno deveria conhecer como parte da sua competência comunicativa, a intercultural chama a atenção para a relação entre a cultura alheia e a do aluno, com a busca do entendimento da diferença e abrandamento dos conflitos.

Byram, Gribkova e Starkey (2002) apontam que, em uma conversa entre um falante que usa a sua língua materna e um estrangeiro, a consciência de que pelo menos um está falando uma LE pode influenciar o que eles dizem e como dizem. Visões estereotipadas sobre língua e cultura fizeram com que, durante muito tempo, nesse encontro dos falantes de línguas distintas, um deles observasse o outro como o porta-voz ou representante do seu país. De acordo com os autores, esse ponto de vista revelou um foco claro na identidade nacional, o que teve como consequência a ideia de que aprender uma LE era tornar-se uma pessoa de outro país, imitando o falante nativo.

Os mesmos pesquisadores ainda afirmam que a dimensão intercultural no ensino e aprendizagem de LE, contrapondo-se a essa visão, tem como objetivo preparar os alunos para desempenhar o papel de falantes ou mediadores interculturais, capazes de se relacionar com as múltiplas e complexas identidades e, ao mesmo tempo, de se afastar de estereótipos criados por uma visão limitada de língua e cultura estrangeiras. Assim, a “comunicação intercultural é a comunicação fundamentada no respeito pelos indivíduos e na igualdade dos direitos humanos como a base democrática para a interação social57” (BYRAM; GRIBKOVA; STARKEY, 2002,

p. 9).

Assim sendo, o professor continua estimulando o aluno a desenvolver a (sub)competência linguística para a comunicação, porém o discente também se aprimora na competência intercultural, isto é, na “habilidade de garantir o entendimento compartilhado por pessoas com diferentes identidades sociais e a sua habilidade de interagir com os falantes como seres humanos complexos com múltiplas

57 No original: “Intercultural communication is communication on the basis of respect for individuals and

identidades e suas próprias individualidades58” (BYRAM; GRIBKOVA; STARKEY,

2002, p. 10). Portanto, ainda conforme esses autores, a competência intercultural aprofunda o saber e a compreensão do ponto de vista das outras pessoas, pois envolve habilidades, valores e atitudes que são essenciais para o entendimento das relações humanas entre culturas distintas. O fundamental não é um conhecimento de conteúdos fechados, visto que as sociedades estão em constantes mudanças, o que torna impossível prever todas as possibilidades em uma interação intercultural. Assim, Byram, Gribkova e Starkey (2002, p. 12) afirmam que no ensino e aprendizagem de LE sob esse prisma é essencial o desenvolvimento tanto em professores quanto em alunos de:

1) atitude intercultural, ou seja, “curiosidade, abertura, disposição para suspender as descrenças sobre outras culturas e crenças sobre si mesmo59”;

2) conhecimento acerca dos grupos sociais, seus produtos e práticas: “a tarefa do professor é desenvolver atitudes e habilidades assim como o conhecimento, e os professores obtêm informação sobre os outros países junto com seus aprendizes; eles não precisam ser a única ou principal fonte de informação60”;

3) habilidade de interpretar e relacionar eventos ou documentos da outra cultura com a própria;

4) habilidade de adquirir o conhecimento da cultura alheia e conseguir lidar com este e com as atitudes em meio às restrições da comunicação e interação em tempo real;

5) habilidade de avaliar de maneira crítica perspectivas, produtos e práticas da cultura alheia e da própria.

Dessa maneira, substitui-se a ideia de falante nativo como norma e surge o conceito de falante intercultural, que é consciente da própria identidade e cultura bem

58 No original: “their ability to ensure a shared understanding by people of different social identities, and

their ability to interact with people as complex human beings with multiple identities and their own individuality”.

59 No original: “curiosity and openness, readiness to suspend disbelief about other cultures and belief

about one’s own”.

60 No original: “The teacher's task is to develop attitudes and skills as much as knowledge, and teachers

can acquire information about other countries together with their learners; they do not need to be the sole or major source of information”.

como da sua relação com a do outro; que identifica conflitos nas relações culturais e ameniza eficazmente os mal-entendidos, com tolerância, sensibilidade e respeito (CORTÉS, 2006).

Santos (2004) vai além dos conceitos de competência e falante e propõe uma Abordagem Comunicativa Intercultural (ACIN), na qual a língua é entendida como cultura, isto é, para a pesquisadora a língua é um instrumento social da comunicação e é mais do que parte da cultura, é a própria cultura. Desse ponto de vista, o ensino da LE estimula o “diálogo de culturas” em que se desenvolve a intersubjetividade pelo compartilhamento de experiências pela ação do professor e dos alunos que se tornam agentes de interculturalidade e “promovem o diálogo entre culturas através da interação e a produção conjunta de conhecimentos” (SANTOS, 2004, p. 166). Além disso, a avaliação é “crítica, processual e retroativa”, ou seja, enfatiza “o desenvolvimento do processo de aprendizagem e não o seu fim, assim como se preocupa com a qualidade do que foi aprendido e não com a quantidade” (SANTOS, 2004, p. 167). Segundo a mesma autora, os materiais didáticos são vistos como fonte e não como única referência e a sua produção e seleção deve objetivar “conteúdos autênticos, culturalmente significativos, centrados nos interesses e necessidades dos aprendizes” (SANTOS, 2004, p. 165).

Assim, o ensino da perspectiva intercultural não visa à mera transmissão de informações culturais estanques com as quais o aprendiz consegue comunicar-se na LE, e, sim, fomenta a integração, o respeito à diversidade e a superação de visões preconceituosas, estereotipadas e etnocêntricas (WALESKO, 2006). Nesse sentido, a concepção de cultura se aproxima do conceito estrutural de Thompson (1995), visto que não entende os FC como padrões de significados, mas considera o seu significado no contexto socialmente estruturado em que esses fenômenos são produzidos, transmitidos e recebidos e os quais sofrem constantes processos de valorização, avaliação e conflito.