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A busca de um sentido e a manifestação da crise

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Hoch, tratando desse assunto, aponta para um fato da realidade existencial. Segundo ele, uma criança pequena não perguntaria sobre o sentido da vida. Ela

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simplesmente vive o momento presente, sem maiores indagações. Porém, ela mal suporta um pequeno desconforto para gritar em alto e bom som, na busca de ajuda. Ela não se preocupa com o sentido da vida, poré m, não tem tolerância. Um adulto age diferente. Tolera suas insatisfações por um tempo maior, contudo, se seus descontentamentos atingirem vários setores da vida ao mesmo tempo, entrará em conflito e, rapidamente perguntará se vale a pena viver. Hoch pontua que

Em circunstâncias normais, uma pessoa é capaz de enfrentar e superar uma crise desde que se trate de uma crise localizada e que as outras áreas da vida continuem mais ou menos em ordem. As áreas que continuam intatas fornecem uma base suficientemente forte para que ela mantenha acesa a chama da esperança e lute para superar a crise. Daria para dizer que quando se tem certeza de que o trem está no trilho certo, a gente é capaz de aguentar uma desordem no próprio vagão. O problema hoje parece residir no fato de que um número cada vez maior de pessoas está percebendo que há problemas no seu próprio vagão e, ainda por cima, tem dúvidas se o trem todo está no trilho certo.122

A partir da alegoria de Hoch, podemos sintonizar melhor nossa questão ao supor que o estado de crise acontece quando existe um desequilíbrio emocional, uma desestruturação nessa capacidade de continuar vivendo. Assim, qualquer sinal de que não se está no rumo certo, pode significar o início do processo de crise. Também, é preciso pontuar que questões de fé podem ser fatores importantes em processos de crise, pois, como vimos, elas não são facilmente dissociadas.

Portanto, julgamos necessário analisar o tema “crise” como auxílio de nossa pesquisa.

Crise

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Tratando a questão da Crise recorremos a Erick Linderman123, que sugeri ndo pela primeira vez um modelo do comportamento humano através da Teoria de Intervenção em Crises descreveu três dinâmicas fundamentais sobre crises: 1) a tendência de começar com um período de desorganização e confusão, acompanhado por uma inabilidade de tomar decisões. 2) depois do período de desorganização, a angústia e depressão marcante. 3) quanto mais estabilidade emocional e capacidade de aceitar ajuda e presença de apoio emocional e prático, mais rápido o processo de reorganização.

Gerald Caplan124 é outro nome muito importante no desenvolvimento das teorias de crises, considera que uma crise tem raízes nas mudanças de vida de uma pessoa, mudanças estas, capazes de mudar as relações interpessoais ou as imagens do Self, ou do ego125 Avalia, assim, que uma crise é um evento ou processo, ou mais especificamente a interpretação de um evento ou de um processo, que tem a força para mudar as relações interpessoais, ou o sentido do Self, ou do ego da pessoa. Para Caplan, existem dois tipos de crises: Evolutiva ou Acidental. As evolutivas se relacionam com os estágios da vida propostos por Erickson.

A idéia principal de Erick Erickson126 é que todo mundo se desenvolve através de estágios de crescimento, que são relativa mente fixos e, cada estágio representa uma crise de desenvolvimento. Assim, quanto melhores resolvidas as crises dos estágios passados, melhor a continuação desse desenvolvimento. Cada mudança é influenciada pelas questões biológicas, cognitivas e de ambiente que representam, por consequência, crises de identidade normais e inevitáveis. A partir disso que Caplan

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LINDERMANN, Erick. Symptomatology and Manangement of Acute Grief, Pastoral Psycology, XIV, September, 1963, 8-18. (texto traduzido e comentado em aula pelo Prof. James R. Farris).

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CAPLAN, Gerald. Princípios de Psiquiatria Preventiva, tradutor: Álvaro Cabral, Rio de Janeiro, Zahar, 1980.

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Conceitos de Sigmund Freud (1856 -1939). Self: sentimento difuso da unidade da personalidade (suas atitudes e predisposições de comportamento) Ego: instância do aparelho psíquico que se constitui através das experiências do indivíduo e exerce, como princípio de realidade, função de controle sobre o seu comportamento, sendo grande parte de seu funcionamento inconsciente [As três instâncias que compõem o aparelho psíquico são o id, o ego e o superego].

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introduziu o conceito de que crises são partes normais do processo da vida e não são exclusivamente expressões de transições extraordinárias.

Clinebell127, entende ainda que o processo de uma crise é um processo de negação ou choque na direção da reorganização ou adaptação. Esta reorganização ou adaptação não é uma volta para o estado anterior da crise. Para ele é uma ilusão pensar que uma pessoa possa voltar ao ‘normal’ depois de uma crise – esta normalidade entendida como uma volta ao estado antes da crise. Uma dificuldade que se tem em relação à ‘crise’ é que uma pessoa ou família não pode voltar à situação, ou ao estado anterior. Crises mudam as circunstâncias da vida, assim como a percepção da vida. Por isso, uma crise não é simplesmente uma mudança das circunstâncias da vida. Crises mudam as pessoas em suas percepções da vida e em suas percepções de si mesmas. Eventos como morte, separações, aposentadorias, desemprego ou um acidente têm o poder de mudar a concepção de mundo de uma pessoa, família ou comunidade, porém, todas as mortes, separações, aposentadorias, doenças, não têm este poder ou este significado. O poder do evento dentro da vida da pessoa, da família ou da comunidade vai influenciar a percepção do evento128.

Na busca de unir estas compreens ões do que seja crise, a partir do pensamento dos teóricos já citados, talvez possamos supor que ela é, quase sempre, desencadeada num processo de desorganização ou confusão sobre o que, realmente, seja o objetivo ou o ideal de vida ou de propósito. Estes eventos que, seriam considerados naturais à existência, funcionam de maneira diferenciada em cada indivíduo, podendo ou não caracterizar um estado de crise. Caplan considera que

tais problemas consistem usualmente em situações novas que o indivíduo não foi capaz de enfrentar rapidamente com seus mecanismos existentes de defesa e interação. Os problemas foram graves e inevitáveis, como a morte de uma pessoa querida; perda ou

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CLINEBELL, H. J. Aconselhamento Pastoral – Modelo centrado em crescimento e libertação, São Paulo, Paulinas, 1.987.

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A fonte desta discussão da ótica de Howard Clinebell é Vera Cristina Weissheimer, Os catadores de

esperanças. Logoterapia: um caminho para uma pastoral de rua. Dissertação de mestrado, UMESP, São

mudança de emprego; uma ameaça à integridade física por doença, acidente ou operação cirúrgica; ou mudança de papel em virtude de transições sócio-culturais ou de desenvolvimento, como ingressar numa universidade, casar ou ter um filho.129

Caplan130 considera que crises são causadas por mudanças, que segundo ele podem ser acidentais ou evolutivas. Processos ou eventos que tem o poder de alterar a naturalidade, o ritmo da existência. Na mesma direção, Erickson131 entende que existem fases no ciclo da vida que precisam ser bem resolvidas. Segundo o autor, a má resolução de questões destas fases passadas, podem desencadear demandas de crise. Clinebell acrescenta ao pensamento o fato de que as situações de crise mudam não somente as pessoas num todo. Não somente sua condição física e emocional, mas sua percepção e forma de analisar o próprio evento da crise.

Assim, talvez possamos definir crise como o resultado da desorganização pessoal em função de um acidente ou processo, capaz de mudar não somente o que somos, mas também nossa percepção em relação ao mundo e aos próprios motivos que nos levaram ao estado de crise.

A partir desta hipótese, queremos considerar outro tema importante para nossa pesquisa, a questão da identidade. Erik Erikson em Identidade, juventude e crise, considera que a identidade é formada a partir de um conjunto de aquisições sócio culturais e também pela perspectiva do que estas aquisições podem projetar. O autor avalia, a partir de sua análise sobre a adolescência, a necessidade de que cada indivíduo tem de “encontrar um nicho em alguma seção da sociedade, um nicho que é firmemente definido e, entretanto, parece ser exclusivamente feito para ele”132. Entendemos que é este ‘nicho’ que dá ao indivíduo sua localização e identidade no mundo onde atua. Sem esta referência, a pessoa é incapaz de perceber-se como parte do mundo e da sociedade.

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CAPLAN. Princípios de Psiquiatria Preventiva. Ib. Idem. pg. 50.

130 Op. cit. pg. 50. 131 Ib. idem. pg. 156. 132

Erikson enfatiza ainda que “cada sociedade e cada cultura institucionalizam uma certa moratória para a maioria de seus jovens”133 e, talvez pudéssemos acrescentar, para seus membros. Ou seja, é a adequação ao padrã o aceito pela sociedade a que se pertence que concretiza a possibilidade e a afirmação da identidade individual.

Desta maneira, poderíamos considerar que a crise não é somente fruto de uma desorganização em relação a si mesmo, mas também uma desorganização em relação ao que se espera de si mesmo ou ao que a sociedade e a cultura (o nicho) requer daquele que dela faz parte.

Assim, poderíamos ponderar também sobre a crise num aspecto mais amplo, como a da sociedade contemporânea, da religião, das instituições ou mesmo as crises decorrentes do capitalismo ou da modernidade, porém, nosso propósito específico se dá em relação à crise de identidade de pastores frente à demanda dos movimentos neopentecostais, considerando que, segundo a nossa suposição, esta não se dá somente entre os que tiveram uma orientação ou experiência tradicional, mas, como conflito pessoal, acontece também em relação aos próprios neopentecostais no sentido de que a teologia e a ênfase filosófica destes movimentos criam demandas insuportáveis para seus próprios ministros. Desta maneira, julgamos necessário atentarmos para esta crise pastoral de forma objetiva.

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