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Crise pastoral

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Talvez não se possa falar de crise pastoral, ou da pessoa do pastor, sem falar em crise social, cultural e institucional. Tal como a sociedade, a pessoa do pastor enfrenta os desafios da modernidade e, desta forma, seus próprios desafios pessoais. Como vimos, a sociedade em que vivemos é marcada pela desorganização e pela

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reorganização que, nem sempre encontram significado emocional, filosófico ou ético para a maioria de seus integrantes.

O contexto religioso, por assim dizer, vive de maneira evidente a crise da desorganização, como já vimos, pelos vários aspectos que foram agregados a ele. Meyer-Wilmes134 trabalha os desafios da religião na perspectiva do exercício intenso e contínuo de equilíbrio, espaço, movimento e prazer. Tratando memória como elemento central de uma hermenêutica do espaço, a autora defende que a religião vive a novidade de ver-se colocada em diferentes ambientes, dada as novas significações e localizações da economia, política, cultura e mesmo da própria religião. “Religião na pós-modernidade tem muitos lugares, é, por assim dizer, descentralizada no que diz respeito à imagem com a qual se apresenta no espaço da sociedade”135. Meyer-Wilmes entende que a necessidade de “olhar também para o espaço” tem a ver com aquilo que chama de “volatilização do sujeito forte”. Considera que nas sociedades modernas, o sujeito forte não tem apenas a liberdade da escolha, mas também o tormento da escolha. Para ela, são estas novas localizações da pessoa que trazem à vida a necessidade dessa dança de construções e desconstruções. A autora afirma que o saber canonizado está perdendo sua importância, outras formas de orientação histórica estão se impondo.

Assim, é necessário olhar para a pessoa do pastor e da pastora que, de maneira intensa, gere ou procura gerir, as demandas emocionais e físicas, próprias de quem vive no fronte de embates de relacionamentos complexos, como os que abrangem os ambientes onde fé, poder, liderança, confiança, desconfiança, razão e emoção coabitam.

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MEYER-WILMES, Hedwig. Tango com pasión in: TROCH, Lieve (org). Passos com Paixão. Teologia do dia-a-dia/ Lieve Troch (org.); tradução Monika Ottermann. – São Bernardo do Campo: Nhanduti Editora, 2007.

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A respeito disto, Oliveira136 comenta sobre os ‘Sintomas de estresse patológico entre pastores’ apontando que, como em outros ambientes sociais, o eclesial também é atingido por aquilo que se considera “o mal do século”. Pastores e pastoras não estão isentos desse sintoma, pois, segundo ela, muitas pessoas do contexto religioso não se beneficiam com os recursos disponíveis para ajuda dessas questões na ciência. Citando José Cássio Martins, a pesquisadora salienta que o “distresse” é detectado quando existem sinais de “perdas, lesões, marcas, travamentos, verdadeiros ‘apagões’ da personalidade e da espiritualidade”. A autora também afirma que o pastor e a pastora começam a experimentar com mais gravidade estes sintomas quando sentem dificuldades em admitir a outra pessoa suas tensões e dificuldades emocionais e espirituais. Segundo ela

Se ele diz que está estressado, alguém diz logo: “Pastor, o senhor precisa orar mais e ler mais a Bíblia”. É claro que estes recursos estão corretos, diz ele, mas a explicação deles no meio da crise não deve ser simplista a ponto de desconsiderar as outras dimensões. Pode-se supor, por outro lado, que o racionalismo reinante também nos setores eclesiásticos, leve outros a levar a causa do cansaço puramente orgânica, e neste caso, procura-se apenas o médico por ser ‘profissional’, quando no caso, um bom amigo ou colega poderiam receber o desabafo e acompanhar com amizade137.

Braga138, por sua vez, que pesquisou 79 pastores e pastores da Quarta Região Eclesiástica da Igreja Metodista139 confirma essa constatação afirmando que

pastores estão propensos ao estresse. A propensão ao estresse físico é a mais relevante e os sintomas mais frequentes são: sensação de cansaço sem uma razão aparente, tendência a comer demais,

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OLIVEIRA, Roseli Margareta Kühnrich de. Cuidando de quem cuida: Propostas de poimênica aos pastores e pastoras no contexto de igrejas evangélicas brasileiras. São Leopoldo -RS: Escola Superior de Teologia, 2004 .

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Ib. Idem. pg 74.

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BRAGA, Julina Oliveira. Qualidade de vida no trabalho e estresse dos pastores da Igreja

Metodista na quarta região eclesiástica. Belo Horizonte-MG: Universidade Federal de Minas Gerais –

Faculdade de Ciências Econômicas, Centro de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, 2000.

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A Igreja Metodista brasileira é dividida em regiões presididas por bispos/as específicos. São distribuídas pelo critério geográfico e são chamadas de “Regiões Eclesiásticas”. A quarta região, referida aqui, compreende os estados de Minas Gerais e Espírito Santo.

respiração ofegante, tremedeira muscular, sensação de dores em partes do corpo e desânimo ao se levantar. Já os sintomas mentais foram: ritmo acelerado de vida, intranquilidade, impaciência e ansiosidade140.

Oliveira141, tratando “o pastor como pessoa, perante si mesmo”, constata que o descaso com o próprio corpo tem sido frequente no meio. A pesquisadora, em função do que chama de “... espiritualização, por vezes, exacerbada...” denuncia uma relativização quanto a esse cuidado.

Além dos desgastes físicos observados no quadro pastoral atual, questões que também chamam atenção são os desequilíbrios emocionais, numa confusão impressionante do que seja divino e humano. De muitas maneiras, as manifestações mais recorrentes, são as que evocam um certo grau de divindade, no ‘manuseio’ de curas, libertações, bênçãos. Ainda nessa ótica, Braga relata o drama de misturar questões físicas e emocionais com a espiritualidade. Diz ela:

Devido à carga elevada de trabalho que é imposta aos pastores, a tensão e a pressão que vivem no dia a dia do trabalho e, principalmente, a fantasia que muitos vivem por confundirem “servir a Cristo” com “ser Cristo”, vivenciando um complexo de santidade e esquecendo de sua condição humana (...). Escondem-se atrás do manto espiritual numa busca exacerbada da perfeição, abafando todos os seus desejos e necessidades como ser humano. São indivíduos escolhidos por Deus e, portanto, não podem errar. A menor falha é motivo de grandes frustrações e de elevados níveis de angústia, o que acaba contribuindo para aumentar os níveis de estresse. É como se eles não tivessem escapatória, não podem errar, não podem demonstrar insegurança, sempre têm que estar bem com todos e prontos a obedecer ao que lhes for mandado. Sendo assim, vão guardando tudo, o que acaba por afetar principalmente seu corpo142.

Existem questões específicas às deno minações, como o caso da itinerância, mais evidenciada na Igreja Metodista, entre as Igrejas Protestantes Históricas. Este fator, pouco avaliado, já que não se sabe de estudos sobre os desdobramentos

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BRAGA, Julina Oliveira. Qualidade de vida no trabalho e estresse dos pastores da Igreja

Metodista na quarta região eclesiástica. Belo Horizonte-MG: Universidade Federal de Minas Gerais –

Faculdade de Ciências Econômicas, Centro de Pós -Graduação e Pesquisa em Administração, 2000. pg. 65.

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OLIVEIRA. Cuidando de quem cuida. Op. cit. pg. 80.

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emocionais, benefícios ou desgastes causados em comunidades, pastores, pastoras e famílias, gera, por si só, ‘desorganizações’ expressivas quanto a relacionamento humano pastor/a-comunidade, pastor/a-família, família pastoral-comunidade, além das desarticulações emocionais, econômicas e até mesmo espirituais na pessoa do/a pastor/a e de sua família. Sobre isso, Leite comenta que

Uma situação delicada, especialmente para os filhos no contexto metodista, é a itinerância pastoral que acarreta mudanças constantes, com a perda do ambiente, dos amigos e da convivência, bem como as mudanças de escola e de trabalho143.

Braga144 apresenta um dado importante sobre o tema, referindo-se, especificamente, ao impacto emocional que isto traz ao ambiente das casas pastorais. Relata ela que

Os resultados apontaram que o processo de nomeação pastoral é algo que causa insegurança no emprego para 54,5% dos pesquisados. Percebe-se, a partir dos dados estatísticos levantados, que o sentimento de insegurança é proveniente das muitas mudanças e dos novos desafios que estão relacionados ao processo de nomeação pastoral: localização geográfica, igreja local, relacionamento social, parentes que ficam para trás etc.

Como a grande maioria (84,2%) dos pastores possui filhos, essa situação se agrava, pois se faz necessária uma adaptação dos filhos em relação à escola, ao grupo de amigos, à nova igreja local. Em relação ao cônjuge, a questão também é delicada, pois muitos não podem estabelecer-se profissionalmente devido a itinerância pastoral. A mudança da residência, e muitas vezes de cidade a cada 2 anos, interfere na possibilidade dos cônjuges dos pastores planejarem sua carreira de estudos, e seu trabalho. Com isso, sua vida pessoal vai ficando drasticamente prejudicada. O que acaba por trazer impactos negativos na vida do pastor e da família pastoral como um todo.

Outro fator, bem mais freq uente, é o das interrelações de tarefas a que a pessoa do pastor e da pastora se submete, ou é submetido. Seja numa comunidade

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LEITE, Nelson Campos. Pastoreando Pastores: vocação, família e ministério. São Paulo: Cedro, 2005. pg 73.

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BRAGA. Qualidade de vida no trabalho e estresse dos pastores da Igreja Metodista na quarta

grande ou pequena, tradicional ou pentecostal, o preparo vocacional exige bem mais que a Homilética ou a Exegese. Dele/a são cobrados representações diversas que remetem do eloquente pregador ao psicólogo, do assistente social ao musicista, do pensador ao escritor, do consolador ao gerente, do empresário ao homem de fé, do intelectual ao místico. Com respeito a isso Braga afirma que

para o desenvolvimento das tarefas pastorais, devem ser utilizadas várias habilidades e talentos. Isso pode ser verificado no dia a dia dos pastores, pois só pelo fato de ter que coordenar todas as pessoas da Igreja Local, levando-se em consideração que cada uma tem uma personalidade, o seu modo de pensar já é uma grande exigência. Além disso, os pastores exercem vários tipos de tarefas, tais como administrativas, aconselhamento, visitação, preparação litúrgica, dirigir os cultos dominicais, discipulado, docência, que exigem o uso de diversas habilidades (...) justifica-se mais uma vez a necessidade constante de atualização e desenvolvimento profissional dos pastores, para que possam estar melhor preparados para lidar com todas as habilidades exigidas para desempenhar suas tarefas145.

Por todas estas questões e algumas outras como insegurança quanto ao futuro, incerteza quanto às novas demandas sociais, influências na religiosidade contemporânea, que desorganiza paradigmas institucionais, teológicos, eclesiais, sobretudo pelas reformulações que a pós-modernidade propõe, há de se perceber o pastorado, e de maneira mais precisa, a pessoa do pastor e da pastora, como um ser em crise. A esse respeito o Professor Ronaldo Sathler-Rosa cita Henry Nouwen ao comentar que

quatro maneiras diferenciadas de analisar os problemas do ministério em nosso tempo (...) A primeira representa a condição de um mundo que sofre; a segunda a condição de uma geração que sofre; a terceira a condição de uma pessoa que sofre e a quarta a condição de um ministro [uma ministra] que sofre (...) os ministros [as ministras] são chamados [as] a reconhecer os sofrimentos de seu tempo em seus próprios corações e fazer desse reconhecimento o ponto de partida de seu trabalho (in: Henry Nouwen)146.

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BRAGA. Qualidade de vida no trabalho e estresse dos pastores da Igreja Metodista na quarta

região eclesiástica, Op. cit. pg. 53.

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SATHLER-ROSA, Ronaldo. Cuidado Pastoral em Tempos de Insegurança. Uma hermenêutica teológico-pastoral. São Paulo: Aste, 2004, pg.15.

A isto talvez ainda seja necessário acrescentar alguns processos doutrinários complexos na caminhada pastoral como o regresso das instituições ao pensamento fundamentalista, onde se reforçam os muros do institucionalismo147 num enfraquecimento deflagrado do espírito ecumênico; o apelo neopentecostal que, especialmente no Brasil causa uma desorganização doutrinária em várias denominações antes consideradas tradicionais148 e a mobilização do mercado gospel que passa a ser um expoente comercial considerável149.

Na verdade, podemos concluir que o tema crise na dinâmica do ministério pastoral, seja pelas demandas do institucionalismo, da espiritualidade, da administração, itinerância, academicismo, doutrina e tantos outros, não é um tema novo, nascido na contemporaneidade, mas, um evento antigo, talvez tanto quanto sua própria instituição.

Já em 1967, o tema era abordado de maneira profunda, como é o caso do texto de Jonas Neves Rezende denominado “Colarinho de Padre”, que retrata os dramas pessoais de um sacerdote em relação às exigências pessoais e denominacionais. Prefaciando o romance, Rubem Alves tenta exprimir o que lhe parece ser a intenção do livro:

Para os de fora o pastor é um enigma vazio e razo, sombra sem face, presença que emudece o riso e a irreverência. Para os de dentro,

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Exemplo prático disso é a decisão do último Concílio Geral da Igreja Metodista, realizado em julho de 2006, onde foi aprovada a proposta de que a Igreja Metodista não participará de órgãos onde haja a presença da Igreja Católica Apostólica Romana, acarretando em sua retirada de organismos como o CONIC. Da mesma forma, a Eleição do Papa Bento XVI precede posicionamentos mais conservadores, representando também num fortalecimento do fundamentalismo católico em todo o mundo. Soma-se a isso o ambiente tenso entre o governo dos EUA e alguns seguimentos fundamentalistas do Islamismo, como o liderado por Osama Bin Laden. Vêem-se aí ações fundamentalistas tanto de grupos protestantes (representados por Ge orge W. Bush) como por Bin Laden.

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Exemplo disso é o ministério do Padre Marcelo Rossi na Igreja Católica Brasileira, com sua declarada influência Pentecostal e as remodelagens das liturgias nas Igrejas Protestantes Históricas: Metodista, Presbiteriana, Batista, Luterana, além das estratégias de crescimento, como o G12, oriundas de seguimentos pentecostais da Colômbia.

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A esse respeito, poderíamos destacar o crescimento assustador do ‘mercado gospel’ (ilustrado pela Profa. Dra. Magali do Nascimento Cunha em seu livro “Explosão Gospel”, lançado pela editora: Mauad | Instituto MYSTERIUM em Setembro de 2007), além das emissoras de televisão voltadas para esse mundo e, em função disso, do nascente número de ‘artistas’ gospel que ditam modas e tendências, numa padronização do que seja espiritualidade.

cristalização da Constança, sabedoria, fortaleza e altruísmo. Amado, respeitado, ouvido, procurado, desejado. E assim que vive o pastor. Volta-se para fora e a sua palavra se dissolve no vazio de uma sociedade que não o gerou, não o chamou, não o amou. Exilado. Volta- se para dentro, e se descobre uma vez mais sem lugar, porque a palavra que sai de sua boca é palavra encomendada e paga pelo salário que recebe. E ele sabe muito bem que no dia em que a palavra violentar a expectativa, os problemas surgirão. Reduzido a brinquedo. Eco. Cão amordaçado. Aqui está a ironia. Num dia perdido lá na sua mocidade resolveu seguir o caminho dos profetas, quem sabe de Jesus Cristo? Ser um companheiro de Albert Schweitzer, de Kagawa, talvez Francisco de Assis. E agora se descobre frente ao espelho: empregado de uma congregação que o paga para falar o que ela deseja que seja falado. Antes de tudo, sobreviver. Receita para os sermões? Lágrimas no meio, sorrisos no fim. Para a vida moral? Pureza total, porque é perigoso tomar riscos. O emprego deve ser preservado. A palavra? Canções de amor e conforto. Cuidado com as reverberações sociais do sermão. Alguém pode sempre levantar a suspeita de subversão e, quem sabe, de heresia. Afinal de contas, o pastor não pode se esquecer que os membros de sua congregação, de onde vem os dízimos, são todos gente de classe média, se não em suas contas bancárias, pelo menos nos seus sonhos.150

Mas a crise transpõe o tempo e mantém-se atual. Para Sathler-Rosa151 os desafios pastorais do tempo pós-moderno, entre outros, residem no que considera um constante questionamento ao institucionalismo, pautado pelo que chama de clamores de muitos por ‘fé sem a igreja institucional’. Da mesma maneira, reconhece também o desafio do que denomina de “rede da prisão tecnológica”, ou seja , a guerra entre a inserção da tecnologia no cotidiano em detrimento da relação de uma pastoral humanizada. Para o autor, outro desafio está na questão do diálogo com as ciências sociais.

Bolan acredita que o processo de secularização manifesta-se de forma violenta sobre a classe clerical. Para ele, as significativas mudanças no que chama de “configuração física e sociológica do mundo” incidem sobre os sacerdotes gerando

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REZENDE, Jonas Neves. Colarinho de Padre. Editora Civilização Brasileira S.A. Rio de Janeiro-RJ, 1967. pg. 15.

151

SATHLER-ROSA, Ronaldo. Ação Pastoral em tempo pós-moderno: uma perspectiva brasileira. In: Estudos de Religião – Revista Semestral de Estudos e Pesquisas em Religião. Ano XI, nº 12, dezembro de 1996.

quatro tipos de crise: a da marginalização, a de seu status social, das estruturas eclesiásticas e da sexualidade.

Na questão da marginalização, o autor entende que a autonomia e o pluralismo da sociedade moderna, alicerçados nos valores de produção e produtividade, colocam à margem todos aqueles que não apresentam, de forma efetiva, uma participação ativa na demanda produtiva da sociedade. Segundo o sociólogo, velhos, ignorantes, improdutivos e sacerdotes são colocados de lado pelo motivo de não comprovarem sua importância comercial no mundo contemporâneo. Ele entende que

O padre152, outrora, sentia-se presente no processo geral de mudanças da sociedade devido à homogeneidade social em torno do Catolicismo no Brasil e à onipresença do sistema religioso cristão. Racionalizando- se os processos do sistema de eficiência e produção e com a aceitação da autonomia dos diversos sistemas sociais, o padre ficou marginalizado do processo de transformações sociais desde que o importante em uma sociedade secularizada é o aperfeiçoamento e a especialização de agentes de produção e a realização completa da cidade secular.153

Outro ponto elencado por Bolan é a questão do status social do clero. Devido a esta marginalização a que se refere, o autor entende que o sacerdote encontra-se deslocado nesta nova sociedade e sem ter como se orientar em função de ver seus referenciais alterados. Para o sociólogo questões como “a crise de objetivos, o fim de uma Igreja de cristandade, a desmitização da imagem do padre, a queda dos valores antes julgados absolutos, medo do isolamento, maior inserção na comunidade, solução do problema econômico individual e o colapso de seu status social tradicional levam-no a reivindicar a profissionalização”154.

Podemos afirmar que um dos temas mais provocantes ao ministério, vocação e profissionalização do sacerdote contemporâneo seja o da perda de seu status como formador de valores. O pastor ou o padre não ocupam mais o centro da atenção social.

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Entenda -se aqui o sacerdote de maneira geral.

153

BOLAN, Valmor. Sociologia da Secularização – A composição de um novo modelo cultural. Editora Vozes, Pet rópolis, RJ, 1972. pg. 128.

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Para os dramas da vida cotidiana, ele já não tem mais o poder de resolução de problemas. Por exemplo, em questões emocionais, procura-se o profissional da psicologia, nos administrativos, os contadores, nos conflitivos, os advogados, de saúde, médicos, em detrimento da figura pastoral que em tempos passados centralizava quase que todos os problemas da vida humana. Talvez por isso uma necessidade em ‘espiritualizar’ ou ‘demonizar’ questões aparentemente físicas ou materiais, na tentativa de resgatar a importância dessa personagem desgastada pela secularização.

A crise das estruturas eclesiásticas é outro item nos apontamentos de Bolan. Para ele, uma parcela significativa da crise no clero contemporâneo é resultado das crises dessas estruturas. Segundo o autor, a perda de status do clero se refere, de maneira significativa à perda de status da própria instituição religiosa que em outros tempos deteve o poder e a atenção da sociedade em suas mãos. Com isto, o sacerdote como seu representante e referencial simbólico, perde também sua posição fundamental na sociedade.

a Igreja era o centro do fieri cultural. A imagem do padre existe em vista desta estruturação cultural. Ele é a autoridade de Deus e da Igreja. É o centro do acontecer social. A sociedade o respeita e o alicia, ainda que um deles seja decepcionante. Ele pertence à elite cultural e usufrui de inúmeros privilégios. Suas funções se expandem a todos os sistemas sociais específicos.155

O autor considera que em função disso, exista o que chama de ‘desnuclearização’ da Igreja e, por consequência, de seus ministros. Em decorrência do que vimos, ele aponta a ocorrência de uma nova tipologia classificatória do clero: o “padre velho” e o “padre novo”, sendo que o mesmo acontece com o ambiente protestante.

Bolan aponta ainda para um quarto motivo da crise clerical chamando-a de “crise da sexualidade”. Considerando que um dos elementos centrais da nova sociedade está

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