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A virtualidade na sociedade e na religião

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A rede mundial de computadores elaborou um novo modelo de interação social através da criação das redes sociais, como Orkut, Firefox, Twitter e Facebook. Estas redes se caracterizam como comunidades de relacionamento onde as amizades se viabilizam pelos meios da virtualidade, já que, independentemente das limitações de tempo e espaço, conseguem manter sua comunicação em dia, gera ndo uma nova proposta das relações humanas, o virtual.

A palavra vem do latim, virtualis, derivada de virtus, força, potência. Virtual é a definição corrente daquilo que tem ausência de existência, que não tem vida no sentido palpável. Levy considera que “a virtualização não é uma desrealização (a transformação da realidade num conjunto de possíveis), mas uma mutação de identidade, um deslocamento do centro de gravidade ontológico do objeto considerado57”. Apesar da vida impressa na virtualidade não existir de forma tangente, ela parece manter seu status de existência num deslocamento, como acredita o autor. Desta forma, a virtualização remete à verdade suposta, ao irreal existente ou esperado, ou seja, faz alusão àquilo que é real, mas pode ser tratado como suposição.

Ao mesmo tempo, a sociedade, sob o alcance da comunicação social, faz do midiático, instrumento de comportamento. Não é incomum notar termos da informática, por exemplo, com significações sociais. A palavra delete, é um modelo do que tratamos. Usada como função de excluir no teclado dos computadores, passa a ser termo relativo a relações, pessoas, acontecimentos. É quase um costume se dizer “delete” no sentido de esquece, desconsidere. Desta maneira o que representa termo técnico e operacional de uma determinada área se transforma em uso real e presente da vida.

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LEVY, Pierre. O que é virtual? Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Ed. 34, 1996. pgs. 17 e 18. Cf. Google Acadêmico http://books.google.com.br/books

Assim, a dinâmica da virtualidade também se insere neste mesmo contexto, pois existem significações emocionais e relacionais em jogo, sendo que o conceito de virtual, que é, e ao mesmo tempo não é, está , e ao mesmo tempo não está, promove encontros, ainda que diante dos desencontros de espaço e tempo, conhece e, concomitantemente, desconhece, passa a estabelecer novos estilos sociais. Em Modernidade Líquida, Bauman trata desse mesmo episódio se referindo ao que chama de relacionamento de estranhos. Citando Richard Sennett em The Fall of Public Man: On the Social Psychology of Capitalism, o sociólogo analisa as relações pessoais em uma cidade que, na maioria das situações se dá com estranhos. Segundo o autor, estranhos interagem segundo a condição de estranhos, que é diferente do que acontece com amigos, parentes e conhecidos. Ele considera que estes “encontros” que se dão nas diversas situações do cotidiano, refletem, na verdade, situações de ‘desencontros’ do que, propriamente , de encontros. São, por assim dizer, ‘relações não relacionais’. Estes eventos surgem a partir do nada, afinal, não significam a retomada de um determinado ponto anterior. Nele também não se tem a preocupação ou o interesse pelo que ocorreu no intervalo de encontros, tampouco, existem lembranças de algo vivido anteriormente. Na verdade estes encontros são isentos de lembranças, emoções, fatos. Por outro lado, também sinalizam um não compromisso de um reencontro, morrem sem perspectiva de futuro. São solitários no presente, “uma história para não ser continuada, uma oportunidade única a ser consumada enquanto dure e no ato, sem adiamento e sem deixar questões inacabadas para outra ocasião”58. Bauman ainda considera que

Como a aranha cujo mundo inteiro está enfeixado na teia que ela tece a partir de seu próprio abdome, o único apoio com que estranhos que se encontram podem contar deverá ser tecido do fio fino e solto de sua aparência, palavras e gestos. No momento do encontro não há espaço para tentativa e erro, nem aprendizado a partir dos erros ou expectativa de outra oportunidade.

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O que segue é que a vida urbana requer um tipo de atividade muito especial e sofisticada, de fato um grupo de habilidades que Sennett listou sob a rubrica ‘civilidade’.59

Este aspecto do comportamento social contemporâneo abordado por Bauman nos ajuda na compreensão das implicações mais pragmáticas da virtualidade. Num ambiente líquido, como o próprio autor supõe, a virtualidade gera o enfraquecimento das várias formas de solidez, especialmente pela alternativa constante em se desconectar, ou desligar o aparelho de computador, televisão ou rádio, fechar a revista e seguir anônimo.

Na religião, a virtualidade também encontra seu espaço, assim como na sociedade. Dario Rivera, faz uma leitura da religião atual sob os aspectos da memória e da tradição. O autor entende que o que forma uma tradição tem a ver com a memória existente. “A possibilidade de que um grupo humano, ou um indivíduo, reconheça que é parte de uma tradição depende de referências ao passado e de lembranças comuns a todos.60” Segundo o pesquisador, está nesta capacidade de memória a garantia da continuidade de um determinado grupo religioso e, na nossa observação, entre outras questões, é neste ponto que a virtualidade compromete o evento da religião, já que a ênfase da virtualidade midiática se dá no descompromisso e na não continuidade.

Possivelmente a virtualidade gera, desta forma, uma dinâmica religiosa frágil, no sentido do não estabelecimento de relações duráveis. Assim como nas interações virtuais, onde muitas pessoas recebem a mesma informação, independentemente de conceitos de integração, unidade ou concordância, a modernidade cria comunidades religiosas em que a pessoa participa sem significação de pertença, seja pelos telecultos ou mesmo nas reuniões dos templos. Assim como se muda o canal da televisão quando a programação perde o interesse, relativiza -se, da mesma maneira, o que não corresponde aos interesses pessoais do expectador. O sentido de virtualidade,

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Ib. idem, pg 111.

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RIVEIRA. Dario P. B. Tradição, memória e modernidade: A precariedade da memória religiosa

contemporânea. In: Estudos de religião. Revista Semestral de Estudos e Pesquisas em Religião. Ano

adquirido nas teleigrejas molda novos padrões de religião, transformando irmãos e irmãs em mero auditório.

A virtualidade, portanto, contribui com certa eficiência com o que Antonio Gouvêa Mendonça chama com uma ‘situação de desmanche dos universos simbólicos61’, pois fragmenta e relativiza conceitos e crenças que figuravam como referências para o mundo religioso; exemplo disso é a participação eficaz em uma comunidade de fé. Atualmente, as pessoas não entendem mais como verdade a necessidade de pertencerem a uma comunidade de fé. Basta frequentar uma celebração, seja de qualquer denominação, para ter saciado dever do ‘serviço religioso’.

Concluindo, entendemos que sociedade e religião são ambientes demasiadamente complexos para uma abordagem específica como nos ajudariam as ciências humanas – sociologia, antropologia, filosofia ou psicologia. Contudo, optamos pela dimensão midiática, conforme expusemos no inicio deste capítulo, no entendimento de que o universo da mídia demonstra a sociedade e a religião, através de suas vertentes mais provocantes, a saber, a imagem, a interatividade e a virtualidade. Desta forma, esperamos suscitar a problemática que atinge não somente a cultura e a sociedade geral, mas, especialmente a religiosidade contemporânea, pelo seu poder de inserção, por sua capacidade lúdica, e pela habilidade em formar opinião.

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MENDONÇA. Antonio Gouvêa. O protestantismo latino-americano entre a racionalidade e o

misticismo. In: Estudos de religião. Revista Semestral de Estudos e Pesquisas em Religião. Ano XIV, nº

Capítulo 2

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