• Nenhum resultado encontrado

Características neopentecostais

No documento Download/Open (páginas 48-53)

Talvez seja tarefa complexa caracterizar com precisão o neopentecostalismo, mesmo assim, tem sido tema freque nte da pesquisa acadêmica. Para Antonio Mendonça, reconhecido pesquisador desta área, faz-se necessário compreender,

78 Op. cit. pg. 43. 79

primeiramente, a evolução do pentecostalismo como gerador deste fenômeno. O pesquisador acredita que isto deve ser visto em dois momentos distintos: o primeiro, do pentecostalismo clássico, evidenciado no inicio do século XX e o segundo, na década de 60, quando surge, para o autor, realmente , o neopentecostalismo, também chamado de movimento carismático protestante e católico, além das agências de cura divina.80

Mariano, por sua vez, entende esta evolução pentecostal da mesma maneira que Paul Freston81, ou seja, em três ondas: na primeira onda, a Congregação Cristã no Brasil, nascida em 1910 e a Assembléia de Deus, em 1911. A segunda, a partir de 1950, com a Igreja do Evangelho Quadrangular em 1953, O Brasil para Cristo em 1955, a Deus é Amor em 1962 e a Casa da Bênção, na mesma época. A terceira, nos anos 70, com Comunidade Sara Nossa Terra em 1976, a Comunidade da Graça em 1977, a Igreja Universal do Reino de Deus, também em 1977, a Comunidade da Graça em 1979, a Internacional da Graça e de Deus em 1980, a Cristo Vive em 1986, a Igreja Nacional do Senhor Jesus Cristo em 1994, a Comunidade Cristã Paz e Vida em 1996 e a Igreja do Avivamento Contínuo em 2002. Alé m dessas, existem muitas outras de menor expressão82.

Assim, podemos pensar que o neopentecostalismo nasce na década de 70, caracterizado, especialmente pelo nascimento, como já dissemos, dos dois maiores empreendimentos religiosos do Brasil: a Igreja Universal do Reino de Deus e a Igreja Internacional da Graça de Deus dos cunhados Edir Macedo e R.R. Soares.

A partir disto, um novo modo de religiosidade surge, com características próprias, a maioria delas sinalizadas por uma forte crítica ao protestantismo clássico. Em As muitas fases do pentecostalismo, Moreira aponta que

80

MENDONÇA, Antonio Gouvêa e VELASQUES, Prócoro Filho. Introdução ao Protestantismo no

Brasil. São Paulo: Edições Loyola, 1990. pg. 256.

81

Paul Freston é doutor em sociologia e professor da Universidade Federal de São Carlos, em São Paulo.

82

MARIANO, Ricardo. Neopentecostais. Sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1999. p. 28-33.

já se empregam no estudo do neopentecostalismo as já clássicas categorias de Weber e Troeltsch, de “igreja” (organizada e institucionalizada) e de “seita” (aparentemente espontânea, irracional e mística). Hoje a maioria dos estudiosos está de acordo que a classificação do fenômeno religioso em ‘igrejas’ e ‘seitas’ é insuficiente para apanhar a complexidade da diferenciação religiosa e induz a enganos83.

Para o pesquisador, na América Latina esta classificação torna -se ainda mais complexa pela existência de outros elementos culturais como a tradição judeu-cristã, as influências das religiões afro, das religiões de origem indígena, além das questões da globalização. Ele afirma, no entanto, que alguns sinais marcam a origem do movimento, nascida no pentecostalismo, como, por exemplo, o antiecumenismo declarado; lideranças fortes e carismáticas; estímulo sistemático da expressão emocional; a pregação da cura divina; o uso dos meios de comunicação em massa, conforme visto no capítulo anterior; a participação na política partidária de forma planejada e estrategicamente direcionada e as atividades sociais de assistência social que ajudam a fortalecer a imagem pública da instituição84.

Moreira considera ainda que existam evidências que destacam o neopentecostalismo do pentecostalismo clássico. Aponta questões como a Teologia da Guerra espiritual, ou a luta de Deus e seus aliados contra o Demônio e seus seguidores pelo domínio da humanidade; a personificação de todo tipo de negatividade na figura do demônio; a visão dualista da realidade – o lado dos bons, dos cristãos, contra o lado dos maus, seguidores do demônio; a pregação explícita da Teologia da Prosperidade – que considera a riqueza como prova externa da bênção de Deus na vida dos fiéis. Uma escatologia intramundana, que na prática rompe com a compreensão cristã apocalíptica do tempo e puxa a retribuição ou a salvação para o momento presente do fiel, não as deixando apenas para o céu e a vida após a morte85.

83

MOREIRA, Alberto da Silva. As Muitas faces do pentecostalismo. Artigo, Google Acadêmico. http://74.125.155.132/scholar?q=cache:xn6p24r9vaoJ:scholar.google.com/+Alberto+da+Silva+Moreira+ - +as+muitas+faces&hl=pt-BR&as_sdt=2000 pg. 01.

84

Cf. em MOREIRA, Alberto da Silva. As Muitas faces do pentecostalismo pg. 02.

85

Além destas características, ele levanta questões como a teologia da posse – como Deus só quer o melhor para seus filhos, e tem obrigação de cumprir suas promessas, o fiel tem o direito de “tomar posse” de tudo que necessita, também bens materiais, para ser feliz neste mundo; a liberalização dos costumes e da “espiritualidade”. Segundo o autor, os neopentecostais superaram o ascetismo calvinista, o que foi facilitado pela adequação à sociedade envolvente e à cultura do consumo. Aborda, além disso, o emprego sistemático da racionalidade administrativa na organização interna das igrejas e das técnicas mercadológicas e de marketing na sua atuação social. Igrejas administradas como empresas. Outra evidência seria uma mentalidade não-conformista, ativa, agressiva em relação à realidade, que apela ao empreendedorismo dos indivíduos e os incita a correr riscos no caminho do sucesso.

O autor assinala , juntamente com o que já foi exposto, sinais como a apropriação dos símbolos do catolicismo popular, até então considerado pelos protestantes e pentecostais tradicionais como superstição e paganismo, como parte constituinte da estratégia de expansão e consolidação. Segundo ele, é sobretudo a IURD que realiza essa ressignificação ou mesmo mera justaposição. Portanto, uma face nova das igrejas neopentecostais é justamente seu rompimento com o sectarismo e o ascetismo puritano do pentecostalismo tradicional.

Podemos aqui, a partir desse desmembramento do neopentecostalismo em relação ao pentecostalismo, pontuar que o relacionamento ecumênico entre tradicionais e neopentecostais não é tão evidenciado como o de tradicionais e pentecostais. Mais do que apontamentos teológicos, existem distinções de cunho social, como por exemplo, o envolvimento no campo político. Poderíamos afirmar, em face disso, que a linha teológica do neopentecostalismo encontra mais alicerce em pressupostos sociais e culturais do que em averiguações teológicas, propriamente. Diferentemente do pentecostalismo clássico, o neopentecostalismo traz em seu ‘plano de ação’, motivações ligadas ao processo de secularização e à modernidade. Temas como ‘posse’, ‘guerra’, ‘poder’, ‘vitória’, ‘direito’ e ‘ganho’, resultantes de uma cultura capitalista, não são codificados pela linha pentecostal clássica. Podemos considerar

que as motivações neopentecostais têm influenciado de maneira agressiva a forma de pensar religião no Brasil e que suas solicitações chocam até mesmo o antigo formato pentecostal.

Talvez possamos acentuar que, como movimento, o neopentecostalismo transpõe, no atual momento, com facilidade as barreiras institucionais através da facilidade que a mídia lhe possibilita. A nosso ver, ele se fortalece justamente como movimento, ou forma de pensar, levando sua nova filosofia através dos meios de comunicação em massa, provocando, desta forma, a religiosidade da sociedade em geral. A maneira neopentecostal de pensar e viver, pode ser evidenciada na maioria das pessoas, independentemente de sua filiação institucional. Campos mostra que nos Estados Unidos acontece o mesmo86, ao afirmar que são consideradas neopentecostais pessoas com ‘mentalidade neopentecostal’, independente de que instituição religiosa pertençam.

Supomos que esta ‘mentalidade’ é a grande força do neopentecostalismo, pois ela transita livremente na sociedade por não representar, de maneira oficial, nenhuma filosofia religiosa. Esta forma de pensar, agir e reagir, ganha a sociedade como linha filosófica, sem que haja maneira de distingui-la, pois ela vai além de formatos e fro nteiras denominacionais. Em nossa compreensão, isto está evidente como motivação pessoal, encontrando significação mais acentuada em classes menos favorecidas, com relação especial ao tema financeiro, através do empreendedorismo. Exemplos do que abordamos são os “cultos de empresários” e de “descarrego”, “culto da vitória”, amplamente divulgados, especialmente no marketing de igrejas neopentecostais. Estes espaços atingem mais do que os seguidores desses movimentos. Atraem, de maneira expressiva, pequenos empresários, vendedores ambulantes, autônomos.

Nesta linha, os conceitos e costumes vão se disseminando e formando um novo sentido de religiosidade social, que conforme Mendonça, é composto de “traços culturais de crença em poderes benéficos e maléficos que, de alguma forma, regem a

86

vida nos mínimos detalhes”87. Assim, tudo o que é do ‘bem’ deve ser aceito, sem maiores críticas. Talvez por este motivo a sociedade tenha estado tão amistosa para ‘receber uma oração’, ‘chamar alguém para orar na empresa’ ou mesmo participar de um ‘culto de descarrego’ ou ‘culto da vitória’ ou ‘culto de libertação’ num sinal claro de que o neopentecostalismo encontra fluxo livre na sociedade geral.

Os próprios elementos teológicos adotados pelo movimento facilitam sua receptividade. A seguir apontaremos alguns deles para evidenciar ainda mais a linha de pensamento do neopentecostalismo.

No documento Download/Open (páginas 48-53)