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Crise pastoral de identidade frente à demanda neopentecostal

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Diante do que já vimos até aqui, no que tange à vivência pastoral, talvez possamos considerar que o neopentecostalismo tem adquirido, na modernidade, um papel de questionamento e reorganização da religião e da religiosidade. Assim, frente a esta demanda, o pastor, como uma das principais personagens deste ambiente, enfrenta desafios. O que pretendemos é buscar, com maior clareza, quais são eles.

Inicialmente, caracterizamos o pastor como uma pessoa ang ustiada – em estado de ansiedade, inquietude, sofrimento e tormento – em crise, no enfrentamento das solicitações que este modelo requer dele. Podemos, por isso, lembrar da teoria de Caplan, apontada anteriormente, ao considerar que crises são causadas por mudanças acidentais ou evolutivas. Assim, seguimos em nossa proposição.

A falta de estilo pessoal

Uma primeira angústia que julgamos estar no perfil pessoal dos pastores contemporâneos, das cinco que apontaremos a seguir, é a de não ter o contorno pessoal que o novo modelo requer, seja na maneira de abordar o ‘auditório’, ou na forma de pregação, ou ainda no jeito de ‘manejar’ a espiritualidade das pessoas. Para isto, lembramos de Campos, ao enfatizar esta desestabilização de antigos papéis, na ‘resignificação’ da religiosidade protestante brasileira, que cai sobre a imagem pastoral como um peso relevante, especialmente no surgimento desses novos perfis como “o animador de auditório, o public relations, o pastor-cantor, o especialista em estratégias de marketing e de comunicação social, o telepastor, o pregador que cura, exorciza e pede dinheiro, sem qualquer pudor157”. Este aspecto confronta, de maneira especial, o formato da formação tradicional de pastores protestantes brasileiros, o estilo pessoal, que nem sempre atende as exigências no campo da comunicação em massa, ou mesmo, o estilo estético pessoal de cada um.

A falta de sentido

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CAMPOS. As mudanças no campo religioso brasileiro e seus reflexos na profissionalização do

Um segundo ponto, seria a angústia de não encontrar sentido neste novo modelo religioso. Aqui podemos elencar questões como a própria teologia deste movimento. Por exemplo, como já foi apontado, a ‘demonização’ do cotidiano, a ‘guerra espiritual’ ou mesmo, uma das características principais, a ‘prosperidade’ como objetivo de vida e sinal da presença de Deus. Estes pontos nem sempre encontram acordo entre comunidades e pastores que, repetidamente, se submetem à sua prática como mais como exigência profissional – sob o risco de perder o emprego – do que como ideologia, propriamente. Talvez possamos lembrar a figura de ator, levantada por Campos, ao descrever suas atuais solicitações.

A dúvida ética

Um terceiro ponto estaria na ocorrência da angústia de não considerar o novo modelo ético, ou seja, como algo que não condiz com o conjunto de regras e preceitos de ordem valorativa e moral do contexto em que se vive, de um grupo social ou da sociedade cristã. Nem sempre há aprovação para práticas já citadas como , por exemplo, “dominar a plateia” – principalmente se isto levar ao recolhimento de ofertas. Ainda, a associação de questões espirituais com processos de ordem financeira, como as ‘campanhas’ deflagradas, por exemplo, pela própria Igreja Universal do Reino de Deus. Questões assim, nem sempre encontram a concordância da totalidade dos ministros, apesar de nem sempre provocar uma reação mais evidente, talvez, pelo mesmo motivo apontado anteriormente, relacionado ao próprio emprego de pastor.

A falta de respostas aos próprios questionamentos

Em decorrência desta, presumimos existir uma quarta angústia, a de não encontrar respostas aos próprios questionamentos e demandas . Os processos de

mudança, normalmente, são causadores de desorganização que, por consequência, desencadeiam processos de crises pessoais, que dizem respeito ao conjunto de aspirações e sonhos contidos no íntimo de cada um. Estes sentimentos têm grau elevado de importância para questões como bem estar e realização. À medida que as atividades cotidianas passam a não corresponder com esta lista de anseios e, principalmente, quando elas não respondem às aspirações, resta a crise. Simon acredita que

A generalização mais ampla nos leva a propor que a crise se deve a aumento ou redução significativa do espaço no universo pessoal. Quando dizemos ‘significativa’, neste contexto, salientamos que se trata de uma incógnita, que por sua vez é função da pessoa real que experimenta essas variações. Chamamos de ‘universo pessoal’, para efeito desta exposição, ao conjunto formado pela pessoa (psicossomático), mais a totalidade de objetos externos (aqui compreendidas outras pessoas, bens materiais ou espirituais e situações sócio-culturais) nesta classificação lógica, ambas as formas de crise têm em comum a angústia diante do novo e desconhecido.158

Desta maneira, podemos considerar que a crise de sentimentos e sentidos sem resposta frente à demanda de mudanças de propósito é fator complicador na vivência pessoal. Isto pode ganhar um nível ainda mais agravado se pudermos considerar a existência de uma quinta angústia, a de não visualizar possibilidades de futuro no novo modelo. Conforme afirma Rubem Alves em citação já feita, relatando que

o emprego deve ser preservado. A palavra? Canções de amor e conforto. Cuidado com as reverberações sociais do sermão. Alguém pode sempre levantar a suspeita de subversão e, quem sabe, de heresia. Afinal de contas, o pastor não pode se esquecer que os membros de sua congregação, de onde vêm os dízimos159

Esta ponderação de Rubem Alves demonstra a ocorrência de uma relação direta entre posicionamento teológico e subsistência profissional e financeira. A permanência do pastor nos quadros de uma instituição religiosa está diretamente ligada à sua opção teológica e política – considerando que estas questões se confundem no contexto

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SIMON, Ryad. Psicologia clínica preventiva: novos fundamentos. São Paulo, EPU, 1989. pg 60.

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religioso contemporâneo. O nível de instabilidade, portanto, é permanente e compromissos eminentemente religiosos se transformam em questões de sobrevivência.

O que consideramos, a partir destes apontamentos sobre a crise pastoral, é que existem vários embates, tanto no campo pessoal como no institucional, que promovem na vida pessoal de pastores uma crise de identidade. Esta crise se dá, especialmente, em função da constatação de que as novas solicitações que se fazem a este ‘profissional’ nem sempre são coerentes à capacitação recebida. A partir do que afirma Campos160, ao classificar o novo modelo pastoral como o de ‘ator’, houve uma mudança de ‘script’ na demanda das representações do papel de pastor no Brasil. Esta alteração de regras acontece, na maioria dos casos, após décadas de atividade, causando uma insegurança ainda maior do que a habitual.

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