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A busca por legitimidade de Lula candidato e Lula governante

Como apresentado anteriormente, foi este o legado deixado pelo governo FHC. Além de manter os compromissos com FMI e Banco Mundial Lula teve que lidar com uma visão bem estruturada, aplicada e disseminada no campo do poder. Sem vencê-la seria impossível estruturar uma nova agenda com pautas mais próximas de seu histórico de reivindicações. A pauta econômica ainda presa à visão monetarista

de controle da Economia repercutia também nas políticas sociais deixando o recém governo ainda muito atrelado ao antigo governar de FHC.

Foi com esta agenda neoliberal que Lula teve que dialogar durante as campanhas eleitorais de 2002 para se mostrar confiável aos olhos do mercado e assim irromper a pesada crítica lhe imposta antecipadamente de que este estava apto para transformar o país no caos. Algumas manobras são então adotadas, como a sua ida à Bovespa e a Carta ao Povo Brasileiro, estas duas arquitetadas no sentido de conferir sentido real ao marketing político criado por Duda Mendonça em campanha para Lula de que este de fato poderia ser, e era, o Lulinha paz e amor, sem fortes embates no campo das acusações de seus opositores, aberto ao diálogo e disposto a encontrar um 'meio termo' entre o Sapo Barbudo (resquícios de sua imagem associada à luta sindical) e o mercado, até então considerado o seu inimigo:

Não importa a quem a crise beneficia ou prejudica eleitoralmente, pois ela prejudica o Brasil. O que importa é que ela precisa ser evitada, pois causará sofrimento irreparável para a maioria da população. Para evitá-la, é preciso compreender que a margem de manobra da política econômica no curto prazo é pequena (Carta ao Povo Brasileiro, 2001, p.2).

Embora tenha sido estruturada com uma linguagem voltada para o seus eleitores, a carta foi entendida como manobra para conquistar a confiança dos mercados mostrando-se favorável ao cumprimento dos compromissos já assumidos pelo Brasil e capaz de atentar-se para os interesses dos investidores e a necessidade de segurança econômica - antecipando uma guinada econômica mais ao centro:

O novo modelo não poderá ser produto de decisões unilaterais do governo, tal como ocorre hoje, nem será implementado por decreto, de modo voluntarista. Será fruto de uma ampla negociação nacional, que deve conduzir a uma autêntica aliança pelo país, a um novo contrato social, capaz de assegurar o crescimento com estabilidade. Premissa dessa transição será naturalmente o respeito aos contratos e obrigações do país. As recentes turbulências do mercado financeiro devem ser compreendidas nesse contexto de fragilidade do atual modelo e de clamor popular pela sua superação” (Carta ao Povo Brasileiro, 2001, p.2).

É ressaltada ainda na carta a situação econômica turbulenta pela qual o país passa, buscando deixar claro que o panorama enfrentado não se deve à crise de confiança em Lula enquanto candidato, tratando-se, pelo contrário, de um problema agudo da gestão do governo FHC. Independente disso, o discurso traça o caminho da busca pelo consenso sobre o que deve ser melhor para o país tendo em vista a população.

simbolismo - tratado como a "queda do muro de Berlim" tornou-se um importante passo para demonstrar que Lula estava mesmo interessado em um diálogo - o que sem dúvida alterava os rumos de formação da agenda econômica esperados, pondo de lado a expectativa de um posicionamento rígido e crítico com relação às imposições feitas pelo mercado (Petista em alta na Bovespa - oepradores recebem Lula com gritos de é campeão - GALHARDO, R. e COGHI, C, O Globo - 06/08/2002). Alguns chegaram a creditar este fato como a derrota do neoliberalismo, mas

é percebido, porém, que a

necessidade de provar-se legítimo atravessa o período eleitoral e continua no primeiro ano de seu governo tendo em vista a preocupação com as nomeações a cargos relevantes para o plano econômico.

Depois de eleito e ainda enfrentando o olhar desconfiado do mercado, Lula convoca ministros específicos e de perfil muito mais próximos ao modelo do que o mercado considerava como 'confiável'. As indicações parecem coincidirem como a nota lançada pelo Financial Times e divulgada pelo jornal O Globo em 13 de junho de 2003 no caderno O País:

A medida que a popularidade de Lula e de outros líderes partidários aumenta, eles precisam fazer mais para acalmar os mercados. Os líderes do PT devem reassegurar aos investidores o seu compromisso com a estabilidade macroeconômica e divulgar com mais detalhes suas propostas de governo sobretudo aquelas envolvendo as questões de disciplina fiscal e monetária. O PT deve também estar preparado para anunciar antecipadamente a composição de sua futura equipe de governo, se possível incluindo nomes que não pertençam ao partido, para restaurar a confiança externa (RODRIGUES, C.M. - O Globo - Financial Times cobra plano - 13/06/2002)

São recrutados personagens fortes do partido, que possuíam legitimidade para manter sua coesão mesmo diante das investidas favoráveis ao mercado como José Dirceu para a Casa Civil, Antônio Palocci para o Ministério da Fazenda e Guido Mantega para Planejamento, Orçamento e Gestão e figuras relacionadas à grandes grupos de interesse tais como Roberto Rodrigues representante do agrobusiness para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e Luís Fernandes Furlan empresário do grupo Sadia para a pasta de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, sendo a máxima a indicação de Henrique Meirelles para a presidência do Banco Central - forte representante dos interesses do mercado. Para a presidência do BNDES Carlos Lessa foi o nome indicado.

Iniciado na política como militante do PCB, José Dirceu cursou direito na PUC-SP e participou, durante o período, do movimento estudantil elegendo-se

presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE) de São Paulo. Com a repressão do regime militar exilou-se em Cuba. Participou da fundação do PT na década de 80, representando o partido na Constituinte como titular das comissões de Finanças e Orçamento e da Ordem Pública. Foi deputado federal por duas vezes e presidente nacional do PT por quatro, representando a vitória das correntes moderadas do partido. Em 2002 foi um dos principais condutores de articulações para a campanha de Lula estando à frente da formação de coligação entre Lula e o Senador mineiro José Alencar para vice-presidente. Foi designado coordenador político da equipe de transição de governo a qual contava com 51 participantes.

Palocci por sua vez, é médico e possui uma trajetória de militância em várias correntes de esquerda, principalmente na Libelu (Liberdade e Luta), tendo sido também um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores. Foi escolhido para coordenar o programa de governo da candidatura de Lula, sendo empossado Ministro da Fazenda em 2003. Teve como papel fundamental a tentativa de fortalecer o clima de tranquilidade econômica buscando maiores investimentos, a redução dos indicadores de vulnerabilidade da Economia diante do cenário internacional e a melhora no perfil da dívida pública e do risco-país repercutindo na queda da inflação, no fortalecimento real frente ao dólar e a quitação da dívida com o Fundo Monetário Nacional (FMI). Sua atuação foi criticada por muitos diante da proximidade com a ortodoxia neoliberal. Posteriormente teve seu nome envolvido no escândalo do mensalão, fato que repercutiu no seu afastamento do Ministério da Fazenda.

Com o pai já inserido na política, como prefeito de Guariba (SP), secretário de Agricultura no governo de Ademar de Barros (1963-1966) e dono da fazenda Santa Izabel, Roberto Rodrigues estudou Engenharia Agrônoma na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queirós (ESALQ) da Universidade de São Paulo (USP). Foi oficial de gabinete do secretário de Agricultura do estado, Glauco Pinto Viegas durante o governo de Laudo Natel. Entre os anos 1970 e 1980 passou pela presidência e vice-presidência de diversas associações relacionadas à defesa da agricultura como Organização dos Plantadores de Cana do Estado de São Paulo (Orplana), tendo sido ainda presidente da Empresa Mista do governo de São Paulo. Nas décadas de 1980 e 1990 foi eleito presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) e vice- presidente da Organização das Cooperativas da América. Integrou o Alto Conselho Agrícola do Estado de São Paulo e o Conselho da Associação Brasileira de Produtores

de Milho e Sorgo, foi presidente da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA) Sociedade Rural Brasileira (SRB), vice da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e conselheiro da Associação Brasileira de Agribusiness (ABAG), tornando-se nos anos 2000 seu presidente.

Antes do convite para o ministério engajou-se na campanha à presidência de José Serra (PSDB), derrotado por Lula (Lula leva para seu Ministério dois empresários que apoiaram Serra - O Globo/Eleições - 14/12/2002). Durante sua passagem pelo ministério teve várias desavenças com a então Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (PT) em decorrência do cultivo e venda de soja transgênica a qual ela era contrária enquanto ele mostrava-se favorável; implantou um programa de reforma estratégica do Ministério da Agricultura que culminou na reforma completa da pasta.

Luís Fernando Furlan é neto de Atílio Fontana um dos fundadores do Partido Social Democrático (PSD) em Santa Catarina. Graduado em Engenharia Química pela Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e em Administração de Empresas pela Universidade Sant’Anna, se especializou em Administração financeira na FGV-SP e em Aprimoramento Empresarial na USP-SP. Passou pelo Institut Européen d’Administration dês Affaires (Insead) na França, pela Union of Japanese Scientists and Engineers, no Japão e pela Universidade de Georgetown nos Estados Unidos. Iniciou sua carreira trabalhando na Sadia, empresa fundada pelo seu avô e posteriormente foi membro e secretário do conselho de administração, diretor de relações com investidores, vice-presidente executivo assumindo a presidência do conselho de administração em 1993.

No início do segundo governo de FHC fora cogitado para o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior mas a nomeação não ocorreu, sendo indicado para o mesmo posto por Lula em 2003. Era defensor de uma política de desonerações fiscais para setores da indústria nacional e crítico da política fiscal baseada no câmbio flexível, posicionamentos que geraram atritos com a área econômica e também com Carlos Lessa, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social diante da não implementação de suas propostas.

Universidade de São Paulo, se especializando em Engenharia de Produção e posteriormente cursando Advanced Manegement Program (AMP) pela Harvard Business School - curso de preparação para executivos assumirem cargos de peso em grandes corporações. Trabalhou por um período como industrial mas logo partiu para o mercado financeiro iniciando sua carreira no Bank Boston e depois de doze anos na presidência da filial deste mesmo banco no Brasil, muda-se para os Estados Unidos assumindo o cargo de presidente e COO (Chief Operating Officer) do Bank Boston mundial.

Foi ainda presidente da Associação Brasileira das Empresas de Leasing, diretor executivo da Federação Brasileira de Bancos, presidente da Associação Brasileira de Bancos Internacionais e da Câmara Americana de Comércio, membro do Conselho da Bolsa de Mercadorias e Futuros em São Paulo, do Conselho das Américas em Nova York e diretor da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, também em Nova York. Nas eleições em que Lula fora eleito presidente foi o deputado mais votado de Goiás pelo PSDB, não assumindo por ter sido nomeado presidente do Banco Central. Sua indicação acalmou os investidores mas por outro lado criou desavenças no PT.

A indicação de Meirelles é bem vista pelos economistas recém saídos do governo (Armínio Fraga e Pedro Malan), comentaristas econômicos, mas provoca debates no partido:

O desconforto dentro das bases petistas com esta, que eles consideram, guinada para a direita ao chegar ao poder é visível. E, a cada dia, novas declarações e fatos confirmam o caminho escolhido. Tenho dito que estabilidade não tem ideologia (…) A frases ditas ontem, no “BOm Dia Brasil”, por Henrique Meirelles, se parecem muito com as frases ditas por Armínio e Malan nos últimos quatro anos. Exatamente porque, ao firmar a Carta aos Brasileiros, o que o PT fez foi demonstrar que não mudaria o que não deveria ser mudado. (…) Um Banco Central profissional, técnico e não político, com a obrigação estipulada pelo governo de perseguir uma determinada meta de inflação, faz parte do mesmo caminho escolhido por outros governos do mundo, estejam eles à direita ou à esquerda do quadro político” (…) As séries de estatíticas dos últimos vinte anos indicam o aumento do número de pobres, quando a inflação sobre, e a queda no período de estabilidade. Não se faz inclusão com aumento da inflação, não se sustenta o crescimento quando a inflação foge ao controle. E é esta opção que o PT está fazendo ao chegar ao poder. Ela cria debates internos, mas é a escolha mais inteligente (MIRIAM LEITÃO - A opção do PT - O Globo - Panorâma Econômico).

Embora Meirelles tenha o perfil desejado para ocupar o cargo de Presidente do Banco Central aos olhos do mercado, este manifesta-se diversas vezes na mídia

pedindo mais provas de que as indicações de uma política econômica mais flexível continuaria após a posse de Lula e o início, de fato, do governo (Lula põe banqueiro do PSDB no BC e mercado ainda desconfia - O Globo/ O País - 13/12/2002). Cabe aqui a fala do economista Gustavo Alcântara, entrevistado em outro momento pelo jornal O Globo a respeito da desconfiança dos mercados com relação à Lula: "O histórico do partido fala mais alto do que o discurso de Lula. Não é com meia dúzia de palavras que se apaga um histórico de dez, vinte anos pregando moratória" (FREIRE, F. O Globo/O País - 25/06/2002)

Guido Mantega é economista formado pela Faculdade de Economia e Administração (USP) e em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas na mesma Universidade. Especializou-se em Sociologia pelo Institute of Development Studies (IDS) da Universidade de Sussex na Inglaterra. Foi professor de Economia da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas - SP e também da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo nos cursos de mestrado e doutorado em Economia. Em 1980 filiou-se ao PT, foi chefe de gabinete, assessor de Paul Singer, da Secretaria Municipal de Planejamento de São Paulo na gestão de Luiza Erundina. Assume o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, pasta importante e responsável pelo gerenciamento dos gastos públicos, tornando-se posteriormente presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) com a saída de Carlos Lessa.

Formado em Ciências Econômicas na antiga Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Carlos Lessa tem mestrado em Análise Econômica no Conselho Nacional de Economia. Durante o período militar esteve no Chile, Nicarágua e El Salvador, o que lhe deu proximidade com estudos sobre o desenvolvimento latino-americano repercutindo em suas passagens como professor e pesquisador em diversos institutos tais como: Centro Interamericano de Capacitação em Administração Pública, atuando em Buenos Aires e Caracas; Instituto para Integração da América Latina (INTAL) - financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Escola Latino-Americana do Instituto de Economia da Universidade do Chile, em Santiago. Em proximidade com o pensamento estruturalista da Comissão de Estudos Econômicos para a América Latina (Cepal), foi professor dos cursos intensivos de treinamento dos problemas de desenvolvimento econômico da Cepal/Organização das Nações Unidas (ONU), ministrando aulas nos

estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Ceará e Rio Grande do Sul. Também lecionou na Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e no Instituto de Estudos em Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas (IEAP/FGV), no Rio de Janeiro.

De volta ao Brasil deu início a atividades na iniciativa privada como diretor da Clan S/A, Consultoria e Planejamento entre os períodos de 1973 a 1979. Volta à carreira acadêmica e se torna professor titular de Política Econômica do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi convidado em 1985 para ocupar a diretoria do Fundo de Investimento Social (FINSOCIAL) no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Permaneceu no cargo até 1988, nesse período foi também conselheiro do Conselho Superior de Previdência Social entre 1986 e 1989. Indicado por Lula para a presidência do BNDES Lessa promove uma mudança na estrutura do BNDES que, na gestão anterior, havia deixado de ser verdadeiramente um banco de desenvolvimento para ser um banco de negócios e avançou em ações que beneficiaram a pequena e média empresa dando atenção especial aos arranjos produtivos locais. A partir de diversos confrontos com o presidente do Banco Central, Henrique Meireles e com o Ministro do Desenvolvimento Luiz Fernando Furlan por sua crítica à elevação da taxa de Juros, renuncia ao cargo.

A partir da exposição das trajetórias dos indicados é possível perceber a preocupação de combinar perfis moderados com perfis voltados para uma relação mais direta com os interesses do mercado. Nesse jogo, valeria muito mais operar por lógicas menos combativas diante da força da visão de mercado do que enfrentar as consequências, em início de governo, de uma tentativa de subversão mal sucedida. Assim, sob duras críticas de sua base aliada e de membros do partido, Lula mantém- se numa posição mais contida. Este comportamento é observável no debate sobre o Sistema Financeiro no Congresso Nacional no qual todas as propostas de alteração de uma desregulamentação completa repercute negativamente para os dois lados, tanto para a oposição - situação já esperada, quanto da sua base.

PARTE II