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O período eleitoral e a participação da mídia na configuração do cenário

Ao final dos oito anos de Governo FHC e 10 anos da preponderância de uma conduta político-econômica liberal - iniciada no Governo Itamar, abre-se oportunidade de um novo candidato, que não o indicado por FHC, conquistar a vitória nas eleições de 2002. O cenário é marcado a princípio pela candidatura de Serra (PSDB), Lula (PT), Ciro Gomes (PPS-PTB-PDT), Garotinho (PSB), José Maria de Almeida (PSTU), Rui Pimenta (PCO) e Roseana Sarney (PFL), no entanto, a ofensiva

de Serra, conhecida como Operação Lunus,1 contra a candidata - àquela que mais

poderia se assemelhar a seu plano de governo, retira Roseana Sarney da disputa pelo cargo presidencial. Tal fato fora apontado como a tentativa de Serra eliminar aquela que poderia ser a sua maior concorrente, uma concorrente pela direita2 - candidata

pelo Partido da Frente Liberal Roseana surge como resultante do enfraquecimento de alianças entre PSDB e PFL (LIMA, 01/04/2002; LACERDA, 25/03/2002; VALOR

ECONÔMICO 25/03/2002; FOLHA DE SÃO PAULO, 08/08/2003;

FORTES,17/08/2010).

Enfraquecido por uma agenda constituinte e pelas consequências do sistema presidencial brasileiro multipartidário, o Governo Fernando Henrique Cardoso permaneceu refém de suas alianças o que lhe garantiu dificuldades em estabelecer uma trajetória concreta onde fosse claro o nome de seu sucessor. Tal situação aliada ao cenário brasileiro resultante dos seus oito anos de governo, trouxeram incertezas que operaram negativamente frente à possibilidade de uma nova candidatura apoiada pelas alianças firmadas nos anos anteriores - além do PFL, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) também encerra o apoio ao PSDB (COUTO e ABRUCIO, 2003).

Assim, diante de desacordos no partido, José Serra é lançado como candidato, tendo vencido Tasso Jereissati (então governador do Ceará pelo PSDB). No entanto,

1 A operação Lunus refere-se à operação da Polícia Federal em março de 2002 que apreendeu 1,3 milhões de reais na sede da construtora Lunus, empresa de Roseana Sarney e de seu marido Jorge 2 A período eleitoral de 2002 era composto por 6 candidaturas principais, tendo cinco delas partidos socialistas à sua frente.

não houve indícios de que o candidato pudesse reverter a situação de desaprovação que gerara o Governo FHC diante do contexto de alto desemprego, e mais visivelmente da crise energética, o "apagão". Divergências no partido ocorreram a partir da escolha de Serra, considerado da ala mais desenvolvimentista do PSDB para alguns representava aquilo que havia faltado no governo FHC e que portanto, poderia ser a fonte de sucesso nas eleições enquanto para outros não representava os ideais pretendidos pelo partido diante de suas relações com o empresariado e investidores (BARROS E SILVA, 28/10/2001).

Diante dos presidenciáveis não havia no plano político um candidato favorável que pudesse ser alternativa à eleição de Lula, que desde o início já tinha certa vantagem nas pesquisas. Abre-se espaço na mídia, diferentemente do que ocorrera na eleição presidencial anterior, para que os demais candidatos pudessem ser conhecidos (CHAIA, 2004). Embora o esforço em apresentar um candidato alternativo à Serra, este continuou na linha de frente na disputa com Lula, contudo, sem força suficiente para um verdadeiro enfrentamento.

José Serra é inegavelmente um mau ator, mas sua derrota deveu-se em parte à indeterminação da política que brotou dos oito anos de FHC, que o declarado oposicionismo de Lula e dos outros candidatos recolheu como cacos dispersos da implosão da política (OLIVEIRA, 29/12/2002, FSP)3.

Como demonstra Almeida (2004) José Serra partia de um discurso no qual as investidas de se fazer valer como alternativa para a mudança não foram legitimadas dado o seu lugar de fala. Em uma análise pautada em Foucault, Almeida (2004, p.140) afirma:

A credibilidade do discurso depende do lugar de fala, do lugar ocupado pelo enunciador. No caso, tanto Serra quanto Lula e os outros candidatos, ocupavam o mesmo lugar de fala institucional-eleitoral como candidatos à presidência da República, mas não o mesmo lugar de fala político- programático. Serra concentrou o seu discurso na mudança (tentando de adaptar ao CRP4 predominante, e à demanda das mudanças identificadas

3 Chico Oliveira, José Serra e Fernando Henrique Cardoso fizeram parte do conjunto de intelectuais do Cebrap - Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Estes, enfrentaram a cisão do grupo na medida em que os intelectuais se dividiram em sua maioria entre PT e PMDB após a instauração do novo sistema partidário no Brasil. Salientando o posicionamento destes intelectuais em direção a cada um dos partidos Hauck (2014) demonstra o quanto a criação e filiação ao PT fora um divisor de águas para os intelectuais cebrapianos. Dentre os três citados, apenas Chico Oliveira filiou-se ao PT, juntamente com Paul Singer e Vinícius Caldeira Brandt enquanto os outros dois permanecendo no PMDB, saindo deste posteriormente para a formação do PSDB. Chico Oliveira tornou-se grande crítico do governo Lula diante de seu posicionamento brando frente aos avanços dos interesses do capital em seu governo, tendo sido um dos que abandonara o partido, filiando-se ao PSOL.

4 Os CRPs são cenários de representação da política os quais se prepara a médio e longo prazo, antes do período eleitoral propriamente dito. É constituído, de certo modo, pelo marketing político,

em pesquisas quantitativas e qualitativas), procurando afastar a sua imagem do governo FHC.

Se o marasmo tomou conta na última eleição presidencial da década de 19905,

em 2002 o movimento contrário pôde ser observado aliando muitas vezes a superexposição de candidatos à busca por escândalos e desvios de (GRÜN, 2008). A moralidade política foi posta em xeque transformando todos os candidatos em suspeitos e a mídia como responsável por colocá-los contra a parede, visava demonstrar sua 'isenção' e 'criticidade'. Neste momento, faz-se apelo ao mercado como ator imprescindível da política e da crise brasileira - ditando as posturas e exigindo candidatos confiáveis, torna-se o árbitro final (RUBIM, 2004; MIGUEL, 2004; CHAIA, 2004).

Se para a mídia 'todos são iguais' e portanto, suspeitos, para o mercado existem os confiáveis e os perigosos, que se distinguem uns dos outros com bastante nitidez - os primeiros responsáveis por acalmar o mercado enquanto os segundos por provocar o caos. Desse modo, define-se o jogo entre os favoráveis para o jogo político com a falsa impressão de que a decisão tenha sido realizada longe das influências da esfera midiática. Diferentemente disso, como nos mostra Jamieson (2003), as lentes e enquadramentos utilizados pela mídia influenciam o modo de ver e compreender o mundo construído na mídia. Estas lentes estão completamente associadas aos jornalistas que participam de sua construção e ao modo como interpretam a realidade a qual narra ou reconstrói e sobretudo ao papel que acreditam exercer no processo político, por mais que a mídia se julgue imparcial.

Diante deste cenário, em que o mercado parece definir as regras do jogo político, surge o fenômeno que tornou-se símbolo das eleições de 2002: o 'medo' como estratégia política, tão bem explorado ao final do período eleitoral com as famosas declarações da atriz Regina Duarte e a sequência de reações que dali irromperam (GANCIA, 18/10/2002). Às vésperas do segundo turno, com fortes

marketing eleitoral e do marketing governamental. Os marketings político e governamental estão a serviço do marketing eleitoral, e este depende dos dois anteriores.

5 Se o pleito de 1998 pôde ser considerado como silencioso do ponto de vista da atuação da mídia, o de 2002 marca-se justamente pelo contrário. Rubim (2004) chama atenção, neste caso, para a convergência entre estratégia governamental e posicionamento da mídia na diminuição do caráter de disputa da eleição de 1998 - a privatização das telecomunicações ocorridas no mesmo ano apontaria a imbricada mistura de interesses políticos e empresariais. Com isso, FHC recusa-se a participar de todo e qualquer debate e a mídia 'esquece' de cobrir as eleições, suprimindo inclusive a divulgação da agenda dos candidatos no Jornal Nacional.

indicações de que Lula venceria às eleições e diante de um certo conformismo por parte da imprensa, um programa de José Serra vai ao ar lançando um vídeo em que a atriz declara seu medo com relação à possível vitória de Lula - medo da possível volta da inflação, do caos político, da desordem econômica. O desfecho se deu pela atitude da também atriz Paloma Duarte, que em vídeo defende Lula e repudia os atos de Serra e Regina de impor o medo às vésperas da eleição (ROSSI, 18/10/2002, FSP; SARNEY, 18/10/2002, FSP).

A atitude gera manifestações de diversos atores, artistas e jornalistas tanto de um lado quanto de outro e a contraposição patrulhamento x democracia, e os termos patrulhamento, censura e medo retornam ao centro do noticiário, em detrimento sempre do candidato repudiado:

Pois é, o mar não está pra peixe e muito menos para baiacu de primeira viagem. E os petistas podem se sentir ‘revoltados’ e ‘violentados’ com Regina Duarte até ficarem com os lábios roxos. Mas, até que Lula mostre a sua verdadeira pele, medo é só um dos sentimentos de uma vasta gama de aflições que irá acometer não só a “namoradinha do Brasil” mas todos aqueles que escolhem livremente não votar no PT (GANCIA, 17/10/2002, FSP).

Ao longo de todo período de campanha eleitoral Serra e Lula se opuseram na mídia como representativos da certeza, do conhecido e do estranho, duvidoso, respectivamente - ponto extremado diante do ocorrido. Tal fato foi fundamental para concretizar as eleições de 2002 como as eleições da dúvida e do medo como terrorismo. Houve por diversas vezes tentativas de colar à imagem de Lula ideias associadas à uma visão de mundo extremista, em associar sua imagem à possibilidade de caos, algumas delas absurdas - tal como a fala de José Serra em que aponta que Lula seria favorável à bomba atômica, mas que no entanto reiteram a lógica criada no plano social ao longo das eleições (O ESTADO DE SÃO PAULO, 01/09/2002).

Traçando o perfil das eleições e propagandas eleitorais de 1989 a 2002, Chaia (2002) nos mostra como a imagem de Lula foi sendo construída ao longo das campanhas pelos seus adversários. Em 1989, (Collor x Lula) o medo do confisco à poupança, uma ex-namorada de Lula que o acusava de sugerir o aborto e o sequestro de Abílio Diniz em que o sequestrador ao ser capturado vestia uma camiseta de

propaganda de Lula6, são fatos que a autora cita como fundamentais para a construção

de um possível perigo que a sociedade enfrentaria caso Lula se elegesse. Collor,

6 Logo após o fato provou-se que a polícia havia obrigado o sequestrador a vestir a camisa, buscando vincular o candidato e seu partido ao crime contra o empresário.

enquanto isso era sinônimo de modernidade por meio do discurso de caça aos marajás e a promessa de inserção do Brasil no contexto internacional.

Nas eleições de 1994, Lula e Fernando Henrique Cardoso se enfrentam e a baixa escolaridade em comparação ao candidato do PSDB é tomada como um dos indícios de que Lula não detinha capacidade suficiente para conduzir o país (GARCIA, 2004). Aliado a isso estavam referências a um possível fechamento das igrejas evangélicas e o risco de "xiitas" do partido assessorando o candidato, o que levaria a um posicionamento completamente diferente daquele mantido antes das eleições. No entanto, o maior trunfo para FHC foi a defesa ao Plano Real e à estabilidade que promovera.

Nas eleições seguintes, 1998, um novo enfrentamento entre os candidatos e o posicionamento já favorecido de FHC leva à construção do medo ligado a conjuntura econômica do país, se eleito, Lula promoveria o caos político e econômico - o risco Brasil divulgado por instituições classificadoras internacionais como Standart & Poor's e Duff & Phelps, e repetidamente transmitido pelos veículos de informação assegurava os 'avisos' do Presidente candidato. O diálogo do Governo FHC com o FMI, Banco Mundial e BIS, ganha cara de 'modernidade'. O medo da crise derrota Lula (CHAIA, 2004).

Em 2002, o embate entre Serra e Lula pauta-se pela máxima da continuidade x mudança, com Lula liderando as pesquisas desde o início. Voltam as tentativas de construção do medo pelo futuro econômico, ressaltado principalmente pelas comparações à crise enfrentada pelo país vizinho - Argentina e a inexperiência do candidato da oposição e pelas denúncias ligadas ao caso do prefeito petista de Santo André - Celso Daniel (ALDÉ, 2004). São constantes as matérias em que Lula é capa, nelas frases retomam a desconfiança dos mercados e as incertezas que esperam o Brasil. Entretanto, a política do medo não se efetiva.

Nesse período Lula foi capaz de se aliar à parcelas do empresariado, conquistada principalmente pela confiança conferida pela indicação de José Alencar (PL)7 para vice-presidente, recebendo ainda o apoio de firmas comerciais, bancos,

7 O Partido Liberal ao qual estava filiado o candidato a vice-presidente tinha como perfil a defesa do ideário associado ao liberalismo econômico, estando, portanto, por diversas vezes em oposição às ideias defendidas pelo Partido dos Trabalhadores. Em meados da segunda metade da década de 1990

instituições financeiras durante a campanha, dentre elas: BMG Leasing, Banespa, Santander, Banco Alfa - dado que indica a existência de relação entre empresariado

financeiro e o candidato já no período eleitoral8 (MIRANDA, 2003). Com o auxílio

de José Alencar, candidato a vice- presidente, o partido quebra as barreiras existentes em candidaturas anteriores com relação ao empresariado nacional - nomes de peso no apoio à Lula como Eugênio Staub do Grupo Gradiente e Josemar Avelino do Grupo Klabin são exemplos

O perfil de José Alencar torna-se fator preponderante para a nova guinada de Lula na corrida eleitoral. De origem humilde e cuja trajetória permite a exaltação do caráter empreendedor do brasileiro, o candidato à vice de Lula, embora sob grandes divergências no Partido dos Trabalhadores, é tomado como uma das principais apostas lançadas pelo partido naquele momento. Se Lula não era até então capaz de mostrar-se totalmente confiável ao mercado financeiro, naquele momento sua ligação à José Alencar daria provas suficientes ao menos ao empresariado nacional.

Nós temos um governo (hoje) que não tem um empresário (...) batalhamos, eu e o Lula, pelo Zé Alencar para sinalizar uma aliança com o setor do empresariado produtivo (...) O nosso será um governo de produtores. Queremos que o governo seja formado por quem dirige grandes empresas, agroindústrias e também quem entende da questão do desemprego, como os trabalhadores", disse Dirceu. disse Dirceu, que está em Nova York para tentar acalmar investidores e banqueiros norte-americanos em relação a uma eventual vitória do PT (JOSÉ DIRCEU, 18/07/2002 - BBC BRASIL).

A conquista dos empresários também residia na aposta pelo descontentamento do grupo diante das políticas do segundo mandato de FHC, as quais direcionaram pouca atenção ao setor produtivo privilegiando o mercado financeiro. Desse modo, o perfil negociador característico de um sindicalista, como apontaram diversos empresários que vieram a público declarar a possibilidade de voto em Lula, era entendido como esperança para a retomada do incentivo à produção (FERNANDES, 25/09/2002; FRIEDLANDER, D.; SANCHES, N.; CAMAROTTI, G, 26/08/2002; CATANHEDE, 24/09/2002; FOLHA DE SÃO PAULO, 23/09/2002).

registra um grande número de candidatos advindos da bancada evangélica do Congresso Nacional, particularmente àqueles ligados à Igreja Universal do Reino de Deus.

8Estima-se que Lula tenha arrecadado mais do que o candidato do PSDB, diferente das suas

campanhas anteriores. Lula, segundo dados divulgados pela Folha de São Paulo, arrecadou 55,808 milhões de reais enquanto José Serra 55, 711 milhões (FOLHA DE SÃO PAULO, 15/12/02)

Esta estratégia teve como principal encabeçador José Dirceu, um dos principais líderes do partido e então coordenador geral da campanha de Lula. Os esforços de José Dirceu consistiam em fazer com que o governo Lula fosse atrativo do ponto de vista do empresariado nacional fazendo assim oposição ao comportamento explicitamente aberto ao mercado financeiro do então governo FHC - nas justificativas propostas tanto por José Dirceu quanto por demais membros do PT era nítido o interesse em manter este vínculo ainda próximo aos interesses da classe defendida pelo partido, fato que contribui para diversas críticas sobre a verdadeira intenção camuflada nesta proposta.

Este também se torna um assunto fortemente debatido pela mídia, principalmente por se tratar dos 'finalmente' na campanha eleitoral. Contudo, mesmo diante das investidas da grande mídia em fazer valer seu posicionamento contrário à vitória de Lula, o candidato é eleito em segundo turno com 61, 27% dos votos. "A esperança venceu o medo" (LULA, Discurso de posse, 01/01/2003).