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O debate no Senado não gerou muita discussão tal como ocorrera na Câmara

dos Deputados6 principalmente porque a forma na qual o texto estava estruturado não

daria margem à qualquer proposição, por mais liberal que fosse. Haveria antes de tudo a necessidade de flexionar o texto para que então propostas fossem apresentadas, neste sentido o debate mais normativo da questão esteve centrado no Senado Federal. Por isso, as discordâncias estiveram muito mais ligadas às questões normativas e de redação do que propriamente às demarcações de opinião sobre a alteração do conteúdo do artigo - contudo, tanto governo quanto oposição concordavam a respeito da necessidade de alteração do texto, embora de maneiras distintas. A falta de debate sobre o assunto fora do Congresso também pôde ser constatada, sendo inclusive mencionada pelo relator Jefferson Peres (PDT-AM) em uma das sessões da CCJ:

Embora o assunto esteja passando quase em silêncio na mídia, o Senado está votando, hoje, uma das mais importantes mudanças na Constituição Federal. É impressionante, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, como a mídia, não apenas no Brasil, mas em todos os lugares do mundo, se deixa pautar pelo que está no palco - que é mais visível, é mais ruidoso; no caso, as comissões parlamentares de inquérito - e deixa para segundo ou terceiro plano matérias da mais alta importância que tramitam no Congresso Nacional (DSF n0. 75 de 1999, p. 11381 e 11382).

6 Nos registros, diários do Senado e notas e atas taquigráficas das reuniões usam a palavra apenas os Senadores Lucio Alcântara (PSDB-CE) que também participara da Assembleia Nacional Constituinte, José Roberto Arruda (PSDB-DF), José Eduardo Dutra (Bloco/PT-SE), Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) e Josaphat Marinho (PFL-BA).

Em sua primeira circulação a proposta ficou a cargo do parecer do relator, que após análise e julgando a proposição de José Serra um tanto quanto drástica, apresentou um substitutivo com o intuito de reformular as alterações sugeridas.

Nesse momento PDT representa oposição no Congresso frente ao governo FHC, assim a reestruturação do texto original em um substitutivo é encarado, mais adiante quando acirradas as disputas entre José Serra e Lula nas eleições em 2001, como vitória da oposição frente aos interesses do PSDB e de sua base aliada de abrirem as portas ao mercado através da proposta de revogação completa do artigo.

Mesmo assim, o substitutivo não do relator não apresentou grandes alterações, apenas desconsiderava a revogação do art. 52 do ADCT, que tratava da participação de capitais estrangeiros no Brasil, diante da impossibilidade de remoção sem uma profunda discussão sobre sua validade - embora "havendo a ressaltar que o cenário de participação de capitais estrangeiros no Brasil foi sensivelmente liberalizado desde 1988, quando da redação e promulgação de tal disciplina" (PERES, Parecer n0.859, 1997, fls.22).

Mostra-se de acordo com a proposta de revogação do inciso V do art. 163 no qual a fiscalização citada deixaria de fazer menção à fiscalização financeira, passando a tratar da fiscalização da administração pública - como era a proposta original da Constituinte. No entanto, sem a alteração do requisito de lei complementar para a proposição de lei ordinária - pois segundo o relator isto não interferiria em sua compreensão. O substitutivo do relator não recebeu a maioria dos votos, retornando novamente ao relator para novas modificações. Dentre as demandas estavam a flexibilização para o plural do texto quando tratava da necessidade de 'lei complementar' e a exclusão de todos os incisos e parágrafos do artigo mantendo-se apenas as cautelas relativas ao capital estrangeiro no texto.

Dentre os que reivindicaram alterações na proposta estavam Pedro Simon (PMDB-RS), Josaphat Marinho (PFL-BA), José Eduardo Dutra (PR-SE), Lúcio Alcantara (PSDC-CE) e Bello Parga (PFL-MA).

Pedro Simon (PMDB-RS) chamou atenção para a importância de que o caput permanecesse no texto, dado que era por meio deste que as intenções previstas na Constituinte eram expressas. Sendo assim, estaria assegurado que em texto constitucional a obrigação de que o Sistema Financeiro cumprisse com a obrigação

ali proposta: "ser estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do país e a servir aos interesses da coletividade". Uma questão muito mais normativa, mas que asseguraria a posição infraconstitucional do SF.

O Senador Josaphat Marinho (PFL-BA), por sua vez problematizou a indefinição do que viria a ser o Sistema Financeiro caso ocorresse a retirada de todas as diretrizes existentes no texto original - definição que estaria a cargo do governo e de suas intenções, muito mais suscetíveis aos interesses de grupos de poderes que pudessem influenciar as tomadas de decisões futuras sobre qualquer ponto da regulamentação.

José Eduardo Dutra (PT-SE) apresentou voto em separado na tentativa de ressaltar sua preocupação com o interesse de José Serra em mudar a necessidade de uma lei complementar para lei ordinária. Para este, a maneira como o Senador José Serra estruturou a proposta poderia dar ao Executivo condições suficiente de regulamentar o Sistema Financeiro de acordo com seus interesses por meio de medidas provisórias. Estando certo ou não sobre a intencionalidade de Serra, seu argumento conseguiu convencer aos demais sobre a exposição desnecessária do país aos interesses do mercado:

Até posso considerar válido o argumento de que o sistema financeiro nacional deva ser regulado, em todos os aspectos mencionados no art. 192, não por uma única norma legal, mas por diversas leis. Porém, não creio que se deva quebrar a exigência de que a legislação infraconstitucional em questão seja complementar (...) só posso concluir no sentido de que a inserção da exigência em questão teve por objetivo: (a) destacar a importância da participação do Congresso Nacional na normatização do sistema financeiro nacional; (b) revisar a legislação anterior, mediante exigência de quórum qualificado, de forma a impedir a aplicação, ad eternum, da teoria da recepção de normas anteriores à Constituição relativas à matéria. Não vejo na exigência de lei complementar, na espécie, mero capricho do legislador constituinte. Aqui, parece-me certo que se observou o "critério da reserva de lei complementar" ou "critério material expresso" (cf. PROENÇA ROSA, op. cit., p. 97 e seguintes), para que se firmasse a primazia do controle político-institucional, pela via parlamentar, sobre as finanças públicas e sistema financeiro nacional vis-à-vis a viabilização de maior governança em matéria financeiro-monetária. Lamentável é que parlamentares queiram abdicar dessa prerrogativa em favor de condições ainda mais autocráticas, desejadas pelas autoridades monetárias, para que sejam contra restadas "condicionalidades externas" desfavoráveis à estabilização da moeda nacional (DUTRA, 1997, fls.12).

Bello Parga (PFL-MA) e Lúcio Alcântara (PSDB-CE) propuseram emendas: a primeira destacava a defesa e o aprimoramento da redação onde se estabelecia a exigência de leis complementares para regulamentar "todas as partes do sistema financeiro", e a segunda proposta com a intenção de incluir no corpo do artigo a

menção sobre as cooperativas de crédito, com a justificativa de que sua ausência poderia incidir na dúvida uma vez o XVIII do artigo 50. da Constituição não era totalmente claro sobre o assunto, estando portanto o artigo 192 a cargo de manter o esclarecimento e pontualidade sobre o assunto.

No Senado, o único pronunciamento sobre a omissão do parágrafo no qual se limitava a 12% ao ano as taxas de juros foi a do Senador José Roberto Arruda7 (PSDB-DF) com relação a qual mostrou-se favorável:

Tenho a impressão, Sr. Presidente, de que fomos o único país do mundo a tentar tabelar juros em um artigo da Constituição. Mais do que um equívoco, era, na verdade, uma primariedade, um desejo de regular a vida brasileira, a vida de um país de economia de mercado, por um frágil texto constitucional (...) Ora, o Sistema Financeiro Nacional está incluído em um processo de fluxo de dinheiro, em que este, na verdade, não é de papel, viaja em tempo real, é aplicado em momentos subsequentes, em várias partes do mundo. Com esse sistema financeiro moderno e automatizado, não podemos ter uma legislação atrasada e antiquada (DSF n0.75 de 1999, p. 11385 - Grifo nosso).

A proposta de limitação dos juros, presente na Constituição sempre fora alvo de críticas semelhantes em que o moderno/novo, representado pelo mercado financeiro e seus partidários, é contraposto ao ultrapassado/antiquado/jurássico representado por grupos que argumentaram e argumentam o descontrole do processo de desenvolvimento equilibrado diante dos avanços desmedidos do capital, grupos estes que operam favoráveis ao empoderamento produtivo para os avanços econômicos do país. Como visto em capítulos anteriores, havia na época da Constituinte o interesse em resguardar o país dos interesses desmedidos do mundo financeiro, além da intencionalidade de que o a questão fosse debatida pouco tempo depois do texto constitucional - o que não ocorreu.

7 Com formação em Engenharia Elétrica, foi servidor de carreira antes de ingressar na política (diretor da Novacap - Companhia Urbanizadora da Nova Capital, diretor da CEB - Companhia Energética Brasileira). Assume a chefia de gabinete do governador Joaquim Roriz, no Distrito Federal, deixando o cargo para assumir o de Secretário de obras do DF, envolvendo-se com as bolas mais polêmicas do primeiro governo Roriz, tal como o Metrô de Brasília - cuja obra foi embargada por suspeitas de irregularidades. Em 1994 com apoio de Roriz se candidata a senador pelo antigo PP, sendo eleito. No ano seguinte rompe com Roriz e ingressa no PSDB. Nas eleições de 1998 se candidata ao governo do DF , não obtendo êxito. Em 2001 renuncia após escândalo envolvendo alterações no painel de votação do Senado evitando o processo de cassação de seu mandato, e retorna após um pouco mais de um ano através da candidatura para deputado federal, filiado ao PFL, sendo o deputado mais votado do Distrito Federal. Em 2010 envolve-se em outro escândalo, sendo considerado pela Polícia Federal, chefe de uma organização criminosa para desviar recursos públicos por meio de empresas contratadas por seu governo. O episódio ficou conhecido como mensalão do DEM, que ocasionou ainda a cassação do seu mandato pelo TRE do Distrito Federal por infidelidade partidária.

Na ocasião da aprovação da proposta também pediu a palavra o Senador

Eduardo Suplicy8 que buscou enfatizar a necessidade de defesa do interesse público e

o fortalecimento, a transparência das instituições sobretudo as oficiais, verificando se há por trás das matérias o empenho de bancos privados e instituições financeiras, o que não cumpriria a determinação imposta na elaboração do texto na Constituinte.

Assim é finalizado o debate e as votações. É passado para a Câmara dos Deputados (onde a proposta ganha o registro de PEC 53/1999) o texto contendo as emendas propostas e as ressalvas feitas.

8Economista, professor universitário, administrador de empresas e político. Atualmente é secretário dos Direitos Humanos e Cidadania do município de São Paulo. Já fora eleito deputado estadual pelo antigo MDB, e Deputado federal, Vereador e Senador (por três mandatos consecutivos) no estado de São Paulo, pelo Partido dos Trabalhadores - sendo um de seus fundadores. Em 2002 disputou as prévias internas do PT para ser o candidato do partido à presidência da República, perdendo para Lula. Em 2003 envolveu-se em um cenário conturbado no partido ao defender publicamente o grupo de Deputados federais e Senadores expulsos do PT após o posicionamento contrário aos caminhos adotados pelo partido (muitos deles fundadores do partido). Estavam entre os expulsos Heloísa Helena (Senadora pelo estado de Alagoas) e os Deputados Babá (PT-PA) e Luciana Genro (PT-RS).

NOME PARTIDO FORMAÇÃO POSIÇÃO NO DEBATE OUTROS José Serra PSDB-SP Engenharia Civil - USP, mestrado em Economia na Universidade do Chile e doutorado na Universidade de Cornell - EUA Apresentou proposta de alteração do artigo 192

Um dos fundadores do PSDB, presidente da União Nacional dos Estudantes, Secretário de Planejamento de São Paulo no governo Franco Montouro, eleito Deputado Federal na Constituinte, eleito Senador por São Paulo em 1994, foi Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão do governo FHC e posteriomente Ministro da Saúde

Bernardo Cabral PFL-AM

Direito pela Universidade Federal do Amazonas, especialização em processo civil pela Universidade Católica Portuguesa

Presidente no debate sobre a PEC

Um dos fundadores do MDB pelo qual foi eleito deputado federal nas eleições de 1966, Ministro de Estado da Justiça do governo Collor, Senador pelo estado do Amazonas filiado ao PP, Secretário de Segurança Pública do Estado do Amazonas, Secretário do Interior e Justiça, Procurador Jurídico e Fazendário do Estado e Chefe da Casa Civil do Governo do Estado do Amazonas